Correio braziliense, n. 20090, 24/05/2018. Mundo, p. 14
Cada vez mais isolada
Rodrigo Craveiro
24/05/2018
VENEZUELA » Grupo dos países mais ricos do planeta rejeita eleições do último domingo e acusa Maduro de perder a chance de uma retificação política. EUA planejam medidas de reciprocidade, após expulsão de diplomatas. ONG denuncia prisões de militares rebelados
No cenário doméstico, focos de rebelião nas Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fanb), com a prisão de militares, e uma oposição ávida em colocar fim à fragmentação. No contexto internacional, o isolamento crescente e críticas a violações da ordem democrática. Nas últimas horas, intensificou-se a pressão sobre o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, reeleito em um pleito contestado, no último domingo. O G7, grupo formado pelas maiores economias do mundo (Estados Unidos, União Europeia, Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Japão e Canadá), divulgou comunicado no qual rejeita o processo eleitoral na Venezuela. “Ao falhar em cumprir com os padrões internacionais aceitos e não assegurar as garantias básicas de um processo democrático inclusivo e justo, esta eleição e seu resultado carecem de legitimidade e de credibilidade”, diz o texto. “O governo venezuelano perdeu a oportunidade de uma retificiação política urgentemente necessária”, acrescenta.
De acordo com a nota, enquanto o regime de Maduro solidifica o poder autoritário, a população continua a sofrer abusos de direitos humanos e grave privação, causando deslocamento crescente, o qual afeta países da região. O G7 instou Maduro a restabelecer a democracia constitucional, marcar eleições livres e justas, libertar imediatamente todos os presos políticos, restaurar a Assembleia Nacional e fornecer acesso total a atores humanitários.
Na véspera de expirar o prazo de 48 horas dado por Maduro para que Todd Robinson, encarregado de negócios da Embaixada dos EUA em Caracas, e Brian Naranjo, chefe da Seção Política, abandonem o país, Washington anunciou que responderá “proporcionalmente” à decisão. “Esta provocação terá uma resposta rápida. Continuaremos pressionando o regime ilegítimo da Venezuela até que se restaure a democracia”, escreveu no Twitter o vice-presidente americano, Mike Pence.
Por sua vez, o secretário de Estado, Mike Pompeo, confirmou o recebimento de uma “notificação formal sobre a expulsão dos funcionários”. “Responderemos de maneira apropriada, reciprocamente, talvez mais do que isso, apropriadamente. Continuamos monitorando o regime de Maduro e seu comportamento destrutivo contra o povo da Venezuela”, admitiu. Pompeo acrescentou que a nova pressão econômica sobre o Palácio de Miraflores visa ajudar a Venezuela a retornar à democracia.
Petróleo
Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação GetulioVargas (FGV), explicou ao Correio que as sanções prejudicam ainda mais o regime. “A Venezuela depende inteiramente da exportação de petróleo. No entanto, as medidas anunciadas dificilmente criarão pressão suficiente para causar uma tração da política venezuelana ou ameaçar a viabilidade financeira do regime. A pergunta-chave é se os EUA vão impor o embargo ao petróleo da Venezuela. Acho bastante provável neste momento”, comentou. O especialista lembra que Rússia e China, “atores fundamentais para a sobrevivência venezuelana”, não impuseram sanções. “A China tem capacidade de absorver o petróleo de Maduro, o que poderia significar a sobrevida do regime. Pequim poderia compensar, com mais compras, para evitar o colapso”, acrescentou Stuenkel.
Ex-prefeito de Caracas e preso político exilado em Madri, Antonio Ledezma (leia o Duas perguntas para) ironiza o fato de Maduro vender petróleo aos EUA, apesar da expulsão de Robinson e Naranjo. “Ele faz jogo duplo: se mostra valente, desafiando Washington, mas, ao mesmo tempo, exporta seu petróleo. E o faz isso porque os EUA são o único cliente que lhe paga em espécie, os outros compram por meio de credores”, disse à reportagem. Segundo o político, a indústria petroleira da Venezuela está decadente. “Quando Hugo Chávez chegou ao poder, em 1999, a estatal PDVSA produzia 3,6 milhões de barris diários, com menos de 40 mil funcionários. Hoje, produz menos de 1,2 milhão e tem mais de 140 mil empregados.”
Para a deputada Adriana Pichardo, do partido opositor Voluntad Popular, a pressão da comunidade internacional é imprescindível para uma saída democrática. “Há sanções muito fortes, que têm consequências para o povo. Porém, com muita humildade, considero que são importantes e necessárias para conseguirmos a renúncia do presidente ou a convocação de eleições democráticas e transparentes”, afirmou ao Correio.
A organização não governamental Foro Penal Venezolano revelou que, na terça-feira, a Justiça Militar ordenou a prisão de 11 oficiais das Forças Armadas, acusados de planejar ações desestabilizadoras contra Maduro. “Foi-lhes imputado o delito de motim, instigação ao motim, delitos contra o decoro militar e traição à pátria”, disse à agência France-Presse a advogada María Torres, integrante da ONU. O deputado Julio Borges, ex-presidente da Assembleia Nacional, também assegurou que, na última semana, mais de 200 oficiais foram detidos por “rebelião”.
Frases
“Nós estamos bem cientes (da situação na Venezuela). Continuamos monitorando o regime de Maduro e seu comportamento destrutivo contra o povo da Venezuela”
“Estamos impondo uma nova pressão econômica no regime de Maduro para ajudar esse país a regressar à democracia”
Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano
“Nós denunciamos a eleição presidencial venezuelana, e seu resultado, como não representativos da vontade democrática dos cidadãos da Venezuela. O governo venezuelano perdeu a oportunidade de uma retificiação política urgentemente necessária”
Comunicado do G7, grupo das maiores economias do mundo — Estados Unidos, União Europeia, França, Itália, Alemanha, Canadá, Japão e Reino Unido
Chile desiste de nomear embaixador
O governo do Chile confirmou, ontem, que não designará um embaixador em Caracas, em ato de repúdio contra a reeleição do presidente venezuelano, Nicolás Maduro. O anúncio foi feito pelo chanceler chileno, Roberto Ampuero, ao receber em Santiago o secretário de Assuntos Exteriores do Reino Unido, Boris Johnson. “Não enviaremos um embaixador à Venezuela. Isso não significa que fecharemos a embaixada, mas que as nações que firmam o acordo do Grupo de Lima estabeleceram que o nível de embaixadores não é adequado para negociar, conversar ou instalar a comunicação com a Venezuela”, disse o chefe da diplomacia chilena, de acordo com a agência de notícias espanhola EFE.
Assembleia Nacional faz sessão em frente ao Helicoide
As comissões especiais de Política Interior e de Penitenciárias e Cultos da Assembleia Nacional, de maioria opositora, realizaram, na manhã de ontem, uma simbólica sessão diante do Helicoide — o centro de detenção mantido pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin). “Tivemos a presença de mais de 40 deputados. Nós escutamos as denúncias e os depoimentos de familiares de presos políticos e comuns que estão dentro do Helicoide, além dos advogados”, afirmou ao Correio, por telefone, a deputada Adriana Pichardo, do partido Voluntad Popular. “Uma sessão em frente à polícia política do Estado é um fato de suma transcedência. Em quatro anos, nunca pudemos fazê-lo, pois a perseguição era muito grande”, acrescentou. O Helicoide abriga 55 dos mais de 400 presos políticos do país.
Mais de 38 mil pedidos de refúgio ou legalização no Brasil
A Polícia Federal (PF) brasileira anunciou que pelo menos 10.079 venezuelanos solicitaram trâmites de regularização no Brasil desde o começo de abril. O número equivale a um quinto de todos os pedidos realizados em três anos pelo governo brasileiro. De 2015 a março deste ano, a PF recebeu 38.567 pedidos de legalização, por meio de refúgio ou residência. Até a última segunda-feira, 29.202 cidadãos provenientes da Venezuela solicitaram alguma documentação ao Brasil — 9.466 pediram residência e 9.978, uma entrevista para a realização de um dos procedimentos. Alexandre Patury, coordenador geral da Polícia de Imigração brasileira, explicou que 111.581 venezuelanos ingressaram no território brasileiro pela cidade de Pacaraima, enquanto que 60.601 saíram por terra e ar.
TUITADAS
“Vocês decidiram, votaram por um novo começo. E é por essa confiança que depositaram em mim que dedicarei todos os meus dias para trabalhar pela prosperidade, pela estabilidade e pela paz. Sei que, juntos, tudo é possível”
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela