Título: A conta do Serpro não fecha
Autor: Valadares, João
Fonte: Correio Braziliense, 22/04/2012, Política, p. 8

O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa pública com orçamento anual de R$ 2 bilhões, transformou-se num calo para o Ministério da Fazenda. Nos últimos cinco anos, a marca de eficiência em tecnologia da informação aliada a lucro milionário foi arranhada. O cofre secou. O Serpro conseguiu manter o padrão de qualidade, mas passou de um lucro líquido de R$ 157 milhões, em 2006, a um prejuízo, em 2010, de R$ 175 milhões. Mal das pernas, a empresa, que tem como maior cliente a Receita Federal, precisou de uma ajudinha da União para assegurar a demanda de serviços. Recebeu, em duas oportunidades (2008 e 2010), aporte de mais de R$ 500 milhões, de acordo com o Diário Oficial da União.

As cifras negativas preocuparam a Controladoria-Geral da União (CGU). O órgão chegou a apontar como possível consequência dos atropelos administrativos a descontinuidade da empresa, o que significa extinção ou absorção por outra entidade pública. O balanço de 2011 deve ser fechado até o fim de maio. Quando assumiu o comando, em 2007, o presidente do Serpro, Marcos Mazoni, tinha uma situação confortável. Pegou a empresa com um lucro de R$ 96 milhões. No ano seguinte, caiu para apenas R$ 722 mil. Em 2009, conseguiu alcançar lucro de R$ 43 milhões. Mas em 2010, o pior ano, fechou com R$ 175 milhões negativos. A derrocada financeira gerou clima de insatisfação entre os servidores por não receberem um centavo do programa de participação nos lucros.

O relatório número 201108703 da CGU em relação ao exercício 2010 é direto. "Em nosso entendimento, essa possibilidade de descontinuidade vem sendo postergada em razão dos sucessivos aportes de capitais efetuados pelo Ministério da Fazenda." Foram duas operações de salvamento. Em 2008, o Serpro precisou receber recurso adicional de R$ 271 milhões e, em 2010, R$ 250 milhões.

Além de apontar dependência da empresa em relação a transferências de recursos do governo federal, a CGU indica fragilidade na efetividade de políticas tendo por base faturamento ou resultado. Outro ponto crítico destacado é o chamado fluxo de caixa em relação às atividades operacionais e de financiamento. "O Serpro obteve sucessivas reduções de caixa no triênio. Mesmo o encaixe na atividade de financiamento no valor de R$ 271 milhões — aporte de capital — , no exercício de 2008, não foi suficiente para suplantar as saídas, tendo que utilizar R$ 54 milhões do estoque de caixa de exercícios anteriores."

Nos anos seguintes, conforme a CGU, a utilização do estoque de caixa de anos anteriores continuou ocorrendo: R$ 80 milhões em 2009 e R$ 191 milhões em 2010. Saiu de um estoque de R$ 315 milhões no fim do exercício de 2008 para R$ 43 milhões em 2010, o que representa uma redução de 86,3%.

"A gestão do Serpro não está gerando caixa suficiente na atividade operacional para a manutenção do negócio da empresa, levando ao esgotamento dos estoques acumulados em exercício anteriores e aumentando a dependência a financiamentos externos, via aporte de capital da União, fragilizando a posição do Serpro de empresa estatal independente."

Contratos rígidos O presidente do Serpro, Marcos Mazoni, informou que o grande prejuízo registrado em 2010 deveu-se ao lançamento, no balanço, de R$ 265 milhões referentes a uma causa trabalhista perdida pela empresa em 1994. De acordo com ele, houve uma mudança na legislação e a empresa foi obrigada a fazer o provimento. "Sem dúvida, isso puxou o prejuízo." Outro fator levantado por Mazoni para justificar o declínio financeiro da empresa diz respeito a contratos mais rígidos. "Houve uma reorganização dos contratos. Eles passaram a ter um rigor maior." Na prática, de acordo com o Serpro, o volume e os custos dos serviços prestados não foram reduzidos na mesma proporção da redução do preço.

Mazoni refuta o relatório da CGU em relação à sugestão de descontinuidade. "Não existe esta possibilidade. Prova maior são os investimentos que o Ministério da Fazenda fez. É a prova de que acredita no Serpro." O presidente relatou que os chamados aportes de capital não têm nenhuma relação com lucro ou prejuízo. Ele ressaltou que, apesar de não ter pagado participação nos lucros em razão dos prejuízos, o Serpro aumentou o salário dos servidores. "Em alguns casos, funcionários receberam até 56% de aumento."

Para ele, o lucro é secundário e o prejuízo em nada altera o rendimento do Serpro. "O importante é termos uma empresa equilibrada. E isso nós conseguimos. Somos uma empresa pública e o mais significativo é prestar um bom serviço. Nosso padrão de qualidade, atestado mundialmente, continua elevadíssimo. Além disso, não devemos a ninguém e não atrasamos salários." Mazoni defende que as questões econômicas são circunstanciais. "Estamos num processo de melhora e, em 2012, vamos ter lucro."

"A gestão do Serpro não está gerando caixa suficiente para a manutenção do negócio da empresa, levando ao esgotamento dos estoques acumulados" Trecho de relatório da Controladoria-Geral da União

86,3% Redução no caixa do Serpro registrado em três anos