Correio braziliense, n. 20069, 02/05/2018. Brasil, p. 5

 

Em chamas, prédio invadido desaba

Hamilton Ferrari e Ingrid Soares

02/05/2018

 

 

TRAGÉDIA » Morador de edifício onde viviam 170 famílias de sem-teto em São Paulo está desaparecido. Há 150 construções ocupadas irregularmente na capital paulista

Uma tragédia na maior cidade do país ontem impactou os brasileiros e destacou a mazela das moradias irregulares. Um edifício de 24 andares da União invadido por cerca de 170 famílias no Largo do Paissandu, na região central central de São Paulo, desabou ao ter sua estrutura queimada em um incêndio. Pelo menos um morador morreu.

Foi uma tragédia anunciada, cujo risco já era oficialmente previsto pelo Corpos de Bombeiros desde 2015. De acordo com o governador de São Paulo, Márcio França, no quadrilátero onde ocorreu o acidente, há oito prédios na mesma situação. Na capital paulista, são mais de 150. Os resgates ainda estão sendo realizados.

A ocupação era feita pelo movimento Luta por Moradia Digna (LMD). O incêndio começou às 1h30 da madrugada de ontem e se espalhou rapidamente por conta da grande quantidade de colchões, roupas, alimentos e lixo no local. Uma vistoria feita em 2015 no prédio revelou problemas nas condições de segurança contra incêndios. O capitão da corporação Marcos Palumbo disse que havia obstrução nas rotas de fugas. A inspeção detectou também instalações irregulares de botijão de gás.

Instante fatal

O edifício desmoronou às 3h, no momento em que o Corpo de Bombeiros fazia os resgates. Um homem, identificado como Ricardo, estava preso a uma corda, mas foi levado pelos escombros no momento em que o p rédio desabou. O sargento Diego, do Corpo de Bombeiros, orientou o morador a sair do local, mas, antes disso, a estrutura veio abaixo e a corda se rompeu, levando o morador para baixo dos escombros. “Não levariaria mais do que 40 segundos para finalizar o processo”, lamentou o sargento. “A equipe deu o melhor”, completou.

Newton Prestes Neufeld, engenheiro de segurança contra incêndio e pânico, afirmou que, a princípio, o foco começou por conta do uso de álcool. “Tinha muita carga de incêndio, papelão e plástico que propagam fogo rapidamente. Como era uma área de invasão, não teve o controle do Corpo de Bombeiros no local. Era um prédio muito antigo. A falta de hidrantes e extintores agravou a situação”, afirmou o especialista. Outra complicação é que a instalação original de energia elétrica foi substituída por uma fiação improvisada, exposta. “As ligações clandestinas causam sobrecarga”, ressaltou Neufeld.

Os moradores pagavam uma taxa de R$ 400 para as despesas do prédio, que tinha até funcionários. Para o sociólogo Gilson Dantas, a União deveria ter entregue o prédio aos moradores. “Eles que o administrassem em assembleia. Também deveriam ter instalado um sistema de fogo e para-raio. O governo foi negligente por deixá-los em situação insalubre”, analisou.

Após a tragédia, as famílias deverão receber auxílio moradia de R$ 1,2 mil no primeiro mês e, a partir do segundo, de R$ 400 em 12 meses. As informações serão divulgadas pela Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo. A Cruz Vermelha de São Paulo está recebendo doações de todos os tipos, como água, alimentos não perecíveis e roupas.

Por conta do incidente, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, anunciou que cinco edificações e ruas próximas vão ficar interditadas pelos próximos 15 dias para ajudar na remoção dos escombros. “As ruas do entorno estão sendo definidas com o Corpo de Bombeiros sobre quais delas devem ser isoladas e interditadas”, disse.

Covas lamentou a tragédia e destacou que a Prefeitura tentou meses atrás desocupar o local. “Só neste ano foram seis reuniões feitas entre a Secretaria de Habitação e as pessoas que lá moravam. Fizemos cadastro, tentamos convencê-los a sair. Tinha um processo conjunto para que as famílias desocupassem aquele espaço. Sabíamos que não era o local adequado para receber aquelas famílias”, comentou.

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Imóvel foi sede da Polícia Federal

02/05/2018

 

 

De acordo com o Ministério do Planejamento, o edifício Wilton Paes de Almeida, que pegou fogo ontem em São Paulo, foi cedido provisoriamente pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) à Prefeitura do município de São Paulo, em 2017. O edifício seria usado para acomodar instalações da Secretaria de Educação e Cultura de São Paulo. O imóvel foi sede da Polícia Federal (PF) em São Paulo até a construção de uma nova sede, na Lapa, Zona Oeste, em 2003. Construído nos anos 1960, o edifício era tombado pelo patrimônio histórico como ícone modernista. Passou à propriedade do governo federal em função de dívidas fiscais.

O Planejamento destacou que a responsabilidade pelo pedido de reintegração do prédio era da SPU, que é vinculada ao Planejamento, e da Prefeitura paulistana. “A SPU em parceria com a Secretaria de Habitação de São Paulo estavam atuando para tentar a reintegração amigável do edifício. Já havia sido feito o cadastramento dos ocupantes, que somavam cerca 400 pessoas reunidas em cerca de 150 famílias”, comunicou o órgão. As pessoas cadastradas no momento do acidente foram encaminhadas à assistência social da prefeitura do estado.

Sobre outros prédios em situação de ocupação irregular, o Planejamento destacou que está trabalhando no recadastramento de todos os imóveis inativos da União e que vai implementar o plano para o seu aproveitamento.

O presidente Michel Temer enfrentou vaias e ofensas ao visitar o local. Ele disse que serão tomadas as providências para aqueles que perderam “seus entes queridos” e habitação. “Não poderia deixar de comparecer aqui em São Paulo, sem embargo dessas manifestações, pois eu estava aqui e após essa tragédia para prestar apoio. Defesa Civil e ajuda do governo federal estão à disposição”, garantiu.

O presidente chegou às 10h da manhã e foi hostilizado por moradores, que o xingaram de “golpista” e jogaram objetos. Temer determinou ao Ministro da Integração Nacional, Antonio de Pádua, o “empreendimento de todos os esforços para minimizar os danos causados”.  (HF)