Título: Tormenta maior está no solo dos aeroportos
Autor: Ribas, Sílvio; Freitas, Jorge
Fonte: Correio Braziliense, 22/04/2012, Economia, p. 16

Enquanto a administração privada ainda não desembarca nos maiores aeroportos do país — Brasília, Guarulhos (SP) e Campinas (SP) —, sobram reclamações de usuários com os serviços prestados nos terminais. A falta de equipamentos, pessoal de apoio, tecnologia adequada e padronizações obriga os passageiros a terem uma jornada em solo, entre o avião e o táxi, bem mais longa e tortuosa que o trecho voado. Na média, uma viagem de Brasília ao Rio, de 1h20, pode ser mais curta do que a espera em salas de desembarque, corredores e saguões. Até as autoridades reconhecem o problema, agravado por omissões do marco regulatório e pela falta de investimentos das companhias aéreas.

A vida de quem transita pelos aeroportos do país é, no entanto, um martírio constante. A demora para embarque e desembarque é apenas um dos muitos transtornos para os que pagam por um bom serviço. No Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, não faltam exemplos das ineficiências. Começam pela má educação e pouca paciência dos funcionários das empresas aéreas e desembocam nos constantes atrasos das conexões. Que o diga a estudante Wellen Cristina Cruz da Silva, 18 anos. Ela desembarcou na capital do país às 12h30 da última terça-feira, vindo de Boa Vista (RR), e ficou no aeroporto até às 21h aguardando um voo para Marabá (PA), sem qualquer informação. "Saí de casa às 4h55 da manhã para embarcar, troquei de avião em Manaus, onde esperei duas horas para reembarcar. Passei o dia inteiro viajando e perdi tempo no aeroporto, onde tudo é caro", diz.

O empresário Lauro Damasceno, 26 anos, teve que aguardar das 11h às 17h10 para viajar de Brasília para Cuiabá. "Esperei três horas e meia para voar só 30 minutos", conta. O engenheiro baiano Francisco Mutti, 63, reclama, por sua vez, dos serviços em solo, sobretudo para a entrega das bagagens. "Não vejo razão para demorar tanto para receber as malas", afirma. O pior para ele, no entanto, é o jogo de empurra. Ninguém, nem Infraero nem empresas aéreas, se responsabiliza por tanto desrespeito.

"Sabemos que não basta investir pesado em obras sem melhorar a gestão dos aeroportos", reconhece Gustavo do Vale, presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). Nesse sentido, os investimentos previstos pela estatal neste ano, de R$ 2,3 bilhões, terão pouco impacto. A melhora dos serviços depende de novas práticas. Isso vale inclusive, na opinião do executivo, para a presença de contadores de passageiros na porta de entrada das áreas de embarque, processo que poderia ser eletrônico. "É um controle exigido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em razão do receio de que taxas sejam pagas sem se provar o real número de pessoas embarcadas", conta.

Ele acredita que o custo de manter esse pessoal deve ser maior do que a pequena margem de erro das informações prestadas. Mas não é só: a maquininha de contar passageiros também impede a adoção de sistemas modernos, como o de pagamentos e identificação pelo celular. O advogado Fernando Alves Moura, sócio do escritório FHCunha e especializado em infraestrutura, lembra que gestão e tecnologia nos aeroportos terão efeitos sobre os serviços maiores que as obras anunciadas pelo governo. "Metade do lucro das concessionárias virá de ganhos nãotarifários, que precisam expressar qualidade", afirma.

Especialistas em tecnologia aeroportuária argumentam que automação de procedimentos e integração de sistemas entre os atores públicos e privados trazem retornos rápidos e expressivos. Na avaliação do diretor de Vendas da Sita para o Brasil, Daniel Coslovsky, a aplicação de tecnologias eficientes em operações e procedimentos nos aeroportos e nas companhias aéreas pode ajudar a aliviar a pressão sobre a infraestrutura aeroportuária.

"No Brasil, só Galeão (RJ) e Guarulhos (SP) trabalham com integração digital dos agentes, em razão de seu fluxo internacional. Mas o conceito terá de se generalizar", resume Coslovsky. Para ele, também não se justifica as maiores empresas do país (Gol e TAM), donas de mais de 80% do mercado, manterem soluções tecnológicas que não interagem, perdendo em eficiência e em gastos desnecessários.

Embora não existam dados consolidados sobre problemas com bagagem, sabe-se que o Brasil está muito atrasado neste quesito em relação aos padrões internacionais. Segundo o relatório da Sita, 99,1% das bagagens despachadas no mundo em 2011 foram entregues dentro do prazo esperado para os passageiros, sem atraso, dano, furto, perda ou roubo. O índice é o quase o dobro do apurado em 2007. Sérgio Lazzarini, professor de administração do Insper, espera que a gestão privada traga modernidade aos aeroportos "sobretudo no momento em que o usuário está cada mais vez exigente e conectado à velocidade digital".

José Eirado, diretor de Administração da Infraero, também acha que o sistema aeroportuário precisa usar a tecnologia da informação a seu favor, para otimizar o espaço físico, identificar transtornos e não sobrepor tarefas. Mas ele também reclama da dificuldade de contratar melhores serviços dentro dos demorados rituais de licitação, centrados no menor preço, e da pouca clareza na legislação sobre quem é o responsável por monitorar bagagens. "Não adianta dobrar o número de esteiras sem haver ganhos de produtividade na operação", finaliza.

Punição A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) está elaborando padrões mínimos de qualidade para os serviços prestados nos aeroportos, como espaços livres, segurança e atendimento a portadores de necessidades especiais. A infraestrutura será avaliada periódica e quantitativamente. Serão levados em conta os níveis de satisfação dos usuários com sinalização, informação de voo, limpeza, assentos e lojas. O concessionário que desrespeitar os padrões terá que reduzir as tarifas.