Correio braziliense, n. 20091, 25/05/2018. Política, p. 7

 

Um país travado

Ingrid Soares 

25/05/2018

 

 

CRISE DOS COMBUSTÍVEIS » Manifestações bloquearam rodovias em 25 estados e no DF. Em algumas cidades, motociclistas e motoristas de transporte por aplicativos aderiram aos protestos

Antes de o governo e caminhoneiros chegarem a um acordo para o fim da grave da categoria, os brasileiros tiveram um novo dia de transtornos ontem. As manifestações bloquearam rodovias em 25 estados e no Distrito Federal, comprometendo o transporte coletivo e o abastecimento de alimentos, medicamentos e de combustível nos postos. Ao todo, foram registrados 330 pontos de interdição em rodovias.

O Paraná liderou a lista de bloqueios, com 45. Em seguida, apareceram Minas Gerais, com 42; Santa Catarina, 37; Mato Grosso do Sul, 31; Goiás, 25; e Mato Grosso, 23. São Paulo e Rio de Janeiro tiveram nove pontos interditados. O único estado onde não houve barreiras foi o Amapá. Os caminhões que tentavam passar levavam pedradas ou tinham os pneus furados.

Ontem, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, centenas de motoristas de aplicativos e motociclistas se juntaram aos caminhoneiros e bloquearam as saídas da Refinaria Duque de Caxias (Reduc). O diesel não chegou às garagens de ônibus, e motoristas enfrentaram filas em vários postos. A paralisação também afetou a entrega dos Correios, que suspenderam temporariamente as postagens. Em São Paulo, os postos do interior e do Vale do Paraíba começaram a ficar sem combustível nas bombas.

Em São Paulo, além dos caminhoneiros, motociclistas e motoristas de Uber se juntaram aos protestos. Nas Marginais do Rio Tietê e de Pinheiros, motociclistas fizeram manifestação. Em Goiás, um grupo ateou fogo em pneus na GO-330, entre Ouvidor e Anápolis. Em Fortaleza, motoristas de aplicativos bloquearam as entradas da área de distribuição de combustível no cais do Porto do Mucuripe. No estado, o maior protesto aconteceu em Chorozinho, distante 64,1 km da capital, com cerca de 800 caminhões distribuídos em seis quilômetros de extensão. Em Minas Gerais, também houve protestos em vários pontos.

Em nota, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse acompanhar com preocupação o impacto da greve e afirmou que o bloqueio das rodovias do país prejudicou a operação das indústrias, o que aumenta os custos, pune a população e tem efeitos danosos sobre a economia.

Ferrovias

Na opinião do presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente), José Emanuel Ferreira, caso o governo tivesse investido em linhas férreas, o Brasil não estaria passando por desabastecimentos. “O governo é incompetente. Não consegue interagir com os segmentos sociais. As ferrovias que temos viraram esteiras rolantes para interesse de grupos econômicos. Em São Paulo, são 5000km de ferrovias e apenas 2000km funcionam. No país, há 29 mil km, e só funcionam 12 mil”, afirmou. “Se o governo tivesse investido antes, não estaríamos passando por esta situação. O trem suporta uma quantidade grande de mercadoria. Um trem com 6 mil toneladas tira de circulação cerca de 200 caminhões. O problema é que, no Brasil, 80% das cargas dependem de caminhões. Falta investimento nessa área.”

Antes do acordo entre grevistas e governo, a diretora da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Márcia Oliveira, pediu às lideranças do movimento dos caminhoneiros que cargas de gases medicinais, como oxigênio, medicamentos e outros insumos essenciais fossem liberados. “No DF, em São Paulo e no Rio Grande do Sul temos hospitais com pouco estoque de oxigênio e outros quase zerados. Estamos com plano de contingência, tentando evitar desperdícios, mas esperamos que a situação seja resolvida logo. O direito à saúde e a vida devem prevalecer.”

330

Número de bloqueios em estradas registrados ontem no país

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Greve faz casamento ser adiado em Minas

Juliana Cipriani

25/05/2018

 

 

A greve dos caminhoneiros adiou o dia dos sonhos do casal de psiquiatras Larissa Lanza, 30 anos, e João Marcelo, 28, que seria hoje, em Sete Lagoas, região central de Minas Gerais. O casamento e a festa para mais de 300 convidados, planejados com 16 meses de antecedência, não vão ocorrer porque os fornecedores não chegarão a tempo em Belo Horizonte. Um deles, que levaria flores para a decoração, teve a caçamba do caminhão atingida por um tiro.

A noiva Larissa contou que a maioria dos fornecedores é da capital e, desde quarta-feira, começaram a ligar. “Eles nos informaram que estavam tendo grandes dificuldades, e tivemos de tomar essa decisão (de cancelar a festa de hoje). Os caminhões foram abordados e alguns (caminhoneiros) quase agredidos”, conta.

As flores chegariam de Holambra, interior de São Paulo. “Ficaram presas, no trânsito parado. Os móveis também não conseguiram chegar, os lustres”, lamentou Larissa. Ela contou que o melhor amigo do noivo veio da Austrália, e os irmãos da noiva viajaram dos Estados Unidos e da Suécia. Os convidados de outros estados foram avisados, mas também tiveram problemas com passagens e hotéis. “Estamos muito tristes, mas a gente compreende os motivos. Não esperávamos que fosse na nossa semana”, disse a noiva.

A psiquiatra afirmou que os fornecedores foram compreensivos e não falaram em cobrar multa para remarcar as datas. O pai dela, o engenheiro Luiz Cláudio Lanza Silva, 64 anos, lamentou o transtorno, mas disse apoiar as reivindicações dos motoristas. “Apesar de tudo, sou a favor da paralisação. Acho que é a única maneira de esses políticos e o povo acordarem. Já são mais de 20 anos de desgoverno. Está na hora de mudança”, frisou.

A nova data, segundo Larissa, será marcada. Antes, ela e o noivo vão antecipar a lua de mel em Orlando, nos Estados Unidos. “Vamos fingir que nada aconteceu e, na volta, a gente pensa e decide”, contou.

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Retrato do atraso

Antonio Temóteo

25/05/2018

 

 

A aposentada Isa Guimarães, 75 anos, acordou ontem com uma sensação estranha. Ao longo do dia, refletiu bastante e chegou à conclusão de que as experiências vividas eram um déjà vu. Madrugou às 5h30, tomou banho, fez o café da manhã e, às 6h30, correu para um posto de combustível para encher o tanque. Levou uma hora na fila. O medo era de ficar sem gasolina durante a próxima semana. Depois que largou o serviço público, se limita a ir ao médico, à farmácia, ao banco e ao supermercado. E se espanta semanalmente com a escalada de preços nas gôndolas.

De lá, correu para um atacadista porque não sabia quando a greve dos caminhoneiros acabaria. Fez estoque de comida, de produtos de limpeza e de água. Até ração para os cachorros dos netos ela comprou. A despensa, as duas geladeiras e os freezers ficaram abarrotados. Aproveitou para ir ao banco onde mantém conta há 35 anos e sacou uma quantia significativa para ter dinheiro numa eventual emergência. “Achei de eu estava em 1989, no meio daquela hiperinflação, quando a gente sacava o dinheiro correndo para ir ao mercado, fazia estoque de comida, morria de medo de desabastecimento. Uma loucura”, relembrou.

Para ela, o país regrediu nos últimos anos. O desemprego está em alta, a violência voltou a atormentar a população e os governantes continuam corruptos e a adotar medidas populistas. “Naquela época, congelaram preços, levaram o dinheiro da poupança. Era uma crise doida”, comentou. Isa avaliou que a situação parece a mesma. Só mudaram os protagonistas. Em busca de aprovação popular com o objetivo de se cacifar para concorrer ao Palácio do Planalto em outubro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quer baixar o preço dos combustíveis na marra, com a redução de impostos.

Seria uma resposta à greve dos caminhoneiros, que paralisou o transporte de cargas em todo o país. Os trabalhadores do setor de transportes reclamam do preço dos combustíveis. Com as contas públicas do país em frangalhos e a expectativa de que o rombo fiscal chegue a R$ 159 bilhões em 2018, a solução proposta foi zerar o imposto sobre os combustíveis. Além de acabar com a cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), Maia e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), querem reduzir o PIS/Confins sobre o diesel até o fim do ano. Uma medida paliativa, que não acaba com o problema, mas empurra a bomba para o próximo presidente da República.

Descaso

Em meio ao imbróglio, Oliveira viajou ao Ceará, seu curral eleitoral. Após críticas, voltou às pressas para Brasília. Convocou uma reunião de líderes para sinalizar que a proposta de reoneração da folha de pagamentos, contrapartida para a queda de impostos, deve ser votada em regime de urgência. Todo o esforço dos parlamentares parece ter um único objetivo: garantir votos. Debates como a reforma da Previdência foram deixados de lado com a justificativa de que têm um alto custo eleitoral para os deputados e senadores.

Esquecem-se de que, assim como o Plano Real, que não tinha apoio popular, a mudança nas regras para concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem potencial para mudar a percepção de investidores em relação ao país. Com a aprovação da medida, o país voltaria a atrair recursos, gerar empregos, e a economia entraria em rota de crescimento.

Mas o retrato do atraso continua. Para piorar, o presidente da República, Michel Temer, ignorou a crise. Com o presidente da Petrobras, Pedro Parente, bombardeado de críticas pela política de preços adotado pela companhia, o emedebista parece blindado. Como chefe do Executivo, deveria estar em Brasília, em busca de soluções plausíveis para os problemas. Preferiu viajar ao Rio de Janeiro, estado em frangalhos, para uma entrega de carros.

A falta de bom senso dos políticos brasileiros parece não ter fim. O foco é apenas em medidas oportunistas para garantir a reeleição. A bomba fica para o próximo presidente, que pode ser um deles. E os brasileiros assistem passivos a todo esse espetáculo. Aguardem as cenas dos próximos capítulos. Elas prometem ser emocionantes.

ICMBio 1

» Cairo Tavares, 31 anos, é a nova tentativa do Pros para abocanhar a presidência do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), responsável pelos parques nacionais. Ele é diretor técnico da Fundação Ordem Social, ligada ao partido. Ontem, esteve na sede do órgão e se reuniu com diretores. O ICMBio é a cota do partido por compor a base do governo, no esforço do Palácio do Planalto para conservar o apoio que ainda lhe resta no Congresso. A tentativa anterior, de nomear um ruralista para o cargo, foi rechaçada por funcionários e pela bancada ambientalista na Câmara.

Gastos no exterior

» Os brasileiros têm ignorado a alta do dólar e mantêm o ritmo de viagens para o exterior como se não houvesse crise econômica. Dados do Banco Central (BC) mostram que até 22 de maio os turistas desembolsaram US$ 1,1 bilhão em passeios em outros países. Por sua vez, os estrangeiros deixaram no Brasil, no mesmo período analisado, apenas US$ 303 milhões. Sem segurança nas principais cidades turísticas, nem o real enfraquecimento atrai visitantes.