Correio braziliense, n. 20091, 25/05/2018. Política, p. 8

 

Os desafios da democracia

Bernardo Bittar e Gabriela Vinhal

25/05/2018

 

 

FAKE NEWS » A divulgação de informações falsas pelas redes sociais será um dos grandes desafios a ser enfrentado nas próximas eleições. Conteúdos fraudulentos podem prejudicar candidatos e comprometer a lisura do pleito. Combate à prática, contudo, não é simples

Diante do desafio representado pela divulgação de notícias falsas às vésperas de uma eleição curta e com a internet tendo papel de destaque, é necessário criar mecanismos para combater a divulgação de informações fraudulentas. As fake news, como são chamadas, interferem diretamente na democracia, que se vê ameaçada pela manipulação de conteúdos muitas vezes criados apenas para prejudicar alguém. Para debater o assunto, o seminário Correio Debate: Fake News — O Impacto das Notícias Falsas na Democracia contou com a presença de especialistas e autoridades, como o ministro da Justiça, Torquato Jardim, em uma tentativa de desenvolver estratégias úteis para as eleições de 2018.

Marcelo Vitorino, especialista em marketing digital e professor de marketing político da Escola Superior de Propaganda e Marketing, afirmou que os responsáveis por produzir e divulgar fake news são pessoas especializadas, que se dividem por setores para que as informações cheguem às pessoas escolhidas. “Não é impossível enfrentar as fake news, mas aquelas que são responsáveis por mexer em eleições são feitas por uma quadrilha especializada em elaborar o conteúdo, outra para organizar tudo e escolher a quem distribuir e, outra, para disseminar”, explicou.

O especialista criticou ainda o anonimato nas redes sociais. “A identidade do cidadão carrega direitos, mas traz deveres. Isso é cidadania. Não é algo unilateral, nem incondicional. Será que vale a pena a proteção extrema do anonimato? Enquanto essa definição não for tomada pelos órgãos competentes, como os de imprensa, não vamos evoluir nesse debate”, pontuou. Vitorino ressaltou ainda que, para quem compartilha fake news em cenário eleitoral, as multas podem chegar a R$ 50 mil. “É uma forma de educar o brasileiro”, completou.

Murillo de Aragão, membro do Conselho de Comunicação do Congresso Nacional, ressaltou o papel das notícias falsas na história política e social do mundo. Para o especialista, essas informações podem mudar o cenário político de um país. Ele mostrou-se confiante, contudo, observando que a luta contra o conteúdo fraudulento tem se intensificado em diversos setores da sociedade.

Conscientização

“As fake news vão continuar existindo, por isso é importante a conscientização da população. Não há tempo para evitá-las, porque não existe uma fórmula para tal. A produção, a transmissão, a distribuição e a recepção desse tipo de conteúdo são muito rápidas”, acrescentou. Aragão afirmou ainda que o Legislativo está atento ao assunto e, no Congresso, há, pelo menos, 14 projetos sobre o tema à espera de análise pelos parlamentares.

O secretário de Estado de Comunicação do GDF, Paulo Fona, acredita, porém, que dificilmente o Brasil conseguirá acabar com as notícias falsas. Isso, porque, cada indivíduo que tem um smartphone tem potencial midiático nas redes sociais. Fona se diz “pessimista” quanto ao combate às fake news, mesmo que as autoridades produzam uma legislação específica na área. “Esse universo é mutante e, além de tudo, é uma plataforma em que internautas colocam suas opiniões. A linha entre repreender as fake news e limitar a liberdade de expressão é tênue. Não há, até agora, um instrumento concreto de defesa”, lamentou.

Fernando Paulino, diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), reforçou o importante papel da imprensa no combate às notícias falsas. O jornalista, contudo, afirmou que as autoridades não podem se apoiar apenas nos veículos de comunicação. “A missão da imprensa de colocar o poder público em xeque é essencial. Mas devem ser tomados os cuidados necessários para que ela se ampare na responsabilidade, como contrapartida à liberdade”, afirmou.

Além disso, Paulino ressaltou a responsabilidade da educação em instruir crianças e adolescentes a aprimorar a leitura crítica — principalmente neste ano de eleições. “Leitura e compartilhamento pelo celular exigem uso saudável, ligado ao treino para interpretação textual. Acho que, ao ler tudo no telefone, com a tela menor, compartilhamos de forma mais rápida, sem, porém, compreender o que isso implica”, acrescentou.

Ricardo Pereira, diretor executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), explicou que a disseminação de fake news tem um agravante no Brasil, por ser um país onde as pessoas fazem largo uso das redes sociais. “Mais projetos de lei precisam ser examinados para buscar a criminalização dessas notícias”, disse.

Edgard Marsuki, fundador do site Boatos.org, passou a checar informações na internet desde 2013, porque ficava incomodado com a quantidade de notícias falsas propagadas pelo meio digital. Para o jornalista, o aplicativo Whatsapp vai ter papel fundamental nessas eleições. “Brasileiros usam o Whatsapp para se informar. Participam de grupos de futebol, da família, da igreja. Quando alguém próximo a você compartilha uma notícia, as chances de acreditar na informação são maiores. Você confia mais na pessoa do que, de fato, na notícia”, comentou.

O que assusta a população a respeito da internet, segundo Carolina Bazzi Morales, vice-presidente da Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi), é a rápida inovação das ferramentas que pouca gente tem capacidade de analisar. “A novidade assusta o público. Já houve falta de controle maior entre os internautas. Mas acredito que o cenário, em breve, trará uma situação melhor”, disse.

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Fronteiras difusas

25/05/2018

 

 

O debate sobre fake news ultrapassa as fronteiras de conteúdos fraudulentos e alcança, na maioria das vezes, a discussão sobre liberdade de expressão e de imprensa. Frederico Meinberg, promotor de Justiça e coordenador da Comissão de Proteção de Dados Pessoais do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), ressaltou a importância de manter a autonomia dos veículos de comunicação no cenário democrático do Brasil.

Ao pensar em fake news, Meinberg explica que esse tipo de conteúdo é só uma parte do problema. Além das notícias falsas, há hackers e, principalmente, ferramentas de redes sociais, como o impulsionamento de postagem, que podem representar um risco à democracia. “Sempre digo que fake news são só 25% do desafio. Nessas eleições, hackers e impulsionamento de conteúdo vão ter mais peso. Vai ganhar a eleição quem souber usar essa ferramenta”, avaliou.

O especialista ressaltou que, no país, há um tabu de que liberdade de expressão e liberdade de imprensa são a mesma coisa. No entanto, ele entende que são coisas completamente diferentes. “Liberdade de expressão é a possibilidade de que eu, como um cidadão comum, fale o que quiser. A imprensa está em outro patamar. Se analisadas juntas, a liberdade dos veículos de comunicação pode ficar ameaçada. Essa ligação pode causar confusão, como ocorre nos Estados Unidos. Se o repórter pergunta algo a Donald Trump de que ele não gostou, e divulga, o presidente fala que é fake news”.

Para o promotor, a quantidade de recursos financeiros aplicados em campanhas eleitorais na internet vai ser o principal diferencial na corrida ao Planalto neste ano. Meinberg avalia que, após a reforma política, as redes sociais ganharam ainda mais importância na cena eleitoral. “O impulsionamento entrou no lugar do tempo de propaganda na televisão e desempenha um papel fundamental nas eleições”, afirmou.

Quanto a projetos que visam a criminalização da produção e divulgação das fake news, Meinberg afirmou que não vê resultado em consequências no âmbito penal. “Tenho arrepio só de pensar em criminalização de fake news, porque essa medida é o canto da sereia. Para combater o conteúdo ilegal, o debate precisa ser mais amplo, como investigar, nas redes sociais, outros tipos de crime além de fake news, como injúria racial, tráfico de drogas e pedofilia”, exemplificou. (BB e GV)

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Os vários ângulos da informação

25/05/2018

 

 

Discutir o papel da informação qualificada e analisar prejuízos causados por notícias falsas são duas atividades importantes para projetar um panorama das eleições em 2018. Afinal, o fato antecede a interpretação ou a interpretação cria o fato? O questionamento é do ministro da Justiça, Torquato Jardim, que abriu, ontem, o seminário do Correio.

“Uso três ângulos para tratar deste assunto: primeiro, a informação imprecisa. É a informação compartilhada sem intenção de causar dano, passada adiante sem crítica, sobre tema desconhecido, fora do domínio de quem dá a notícia. Segundo, a desinformação. É informação falsa, sabidamente falsa, fabricada e compartilhada com intuito de causar emoção, influência e direcionar interesse. Por fim, temos a má informação, que é genuína, compartilhada para causar dano tirando do âmbito privado um assunto que não deveria chegar ao âmbito público”.

Para o ministro, as fake news serão o grande tema de 2018. A quatro meses das eleições, pondera-se que elas são as inimigas da boa imprensa. “Você precisa definir o que é racionalidade e o que é emoção. Quem propaga fake news tem algum resultado em vista. Raramente isso é involuntário. Ninguém manipula informação sem querer gerar consequências, apenas pelo prazer de criar confusão. Verdade e realidade são duas palavras que terão importância daqui para frente.”

Durante seu discurso, Torquato Jardim lembrou que, historicamente, as fake news (ainda que não tivessem essa nomenclatura) já estavam presentes no mundo desde a Revolução Francesa. “Isso vem desde o século XIX, quando um capitão judeu foi acusado de trair a pátria. Décadas depois, o exército reconheceu o erro, mas não se desculpou. É isso que não pode acontecer. É necessário criar alguma maneira de tentar evitar os danos e a necessidade de compensações. Afinal, a compensação para um candidato em ano de eleição é a manutenção de seus votos. Se o cara perde eleitores, aí o dano já foi criado e não tem mais jeito”, complementou o ministro.

No Brasil, Jardim lembrou das eleições de 1950, quando supostamente Getúlio Vargas, então candidato à Presidência da República, teria espalhado boatos sobre seu adversário. “Ele disse que o concorrente não gostava dos marmiteiros, referindo-se aos pobres. Isso, claro, atrapalhou o outro candidato. Tanto que Getúlio venceu.”

Como a campanha eleitoral começou ano passado e há muito dinheiro envolvido, as bases ainda estão sendo criadas. A grande dificuldade, no entanto, deve ser a manipulação e a entrega das mensagens. É necessário traçar o perfil do receptor que dará credibilidade à mensagem falsa sem conferir de onde ela veio. Evitar que a má informação distorça o resultado final é um dos grandes desafios do que o ministro qualificou como “sociedade do  espetáculo”. Onde, segundo ele, “você tem que ser agradável acima de tudo. Pois não basta ser inteligente. Tem que estar com a gravata certa e a barba arrumada. Pão e circo, como sempre”. (BB e GV)