Título: A CPI do Cachoeira
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 22/04/2012, Opinião, p. 22

Criada para apurar supostos crimes praticados pelo contraventor Carlos Cachoeira com envolvimento de agentes públicos e privados, incluindo políticos de monta no cenário nacional, como governadores, senadores e deputados federais, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), ou simplesmente CPI do Cachoeira, tem, como dizem os mais experientes no Congresso, início certo, mas ninguém pode assegurar como será seu fim. Cercada de expectativas e de medos, tanto pelo governo e seus aliados quanto pelos parlamentares da oposição, é certo que os trabalhos da comissão vão seguir por território pantanoso, com potencial para provocar o fim de carreiras políticas e o enterro de reputações.

Não devem faltar tentativas de parte a parte de transformá-la em calvário de inimigos ou blindagem de aliados. Nem por isso a CPI deixa de oferecer oportunidade de se promover boa faxina em quadros e em hábitos condenáveis da política brasileira e de amadurecimento da democracia e fortalecimento das práticas republicanas entre nós. Desmoralizadas por excesso de blindagens recentes, as comissões parlamentares de inquérito são instrumento que precisa ser resgatado em sua função saneadora da vida pública. Se o parlamento pode ser questionado por sua crescente inaptidão para legislar — o que abriu espaço para as medidas provisórias do Executivo e as regulações assumidas pelo Judiciário —, melhor não tem sido seu desempenho na função fiscalizadora, também essencial à vida democrática e ao Estado de direito.

Quanto mais sensível e bombástico forem o alvo e o campo das apurações da CPI, mais concreto e relevante poderá ser a recuperação desse instrumento, o qual a sociedade espera que o Legislativo reaprenda a manejar com sobriedade, imparcialidade e bom senso. Há outra janela que se abre com a CPI do Cachoeira e que não pode ser perdida. Pela primeira vez em muitos anos se cria uma comissão para apurar em primeiro plano o corruptor, em vez do corrupto, como quase sempre ocorre. Como bem lembrou o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Jorge Hage, esta é uma oportunidade imperdível para se retomar o debate e caminhar no sentido da aprovação de lei que acabe com a impunidade de quem corrompe o agente público.

A extensão dos tentáculos do investigado Carlos Cachoeira sugere a importância de estancar o sucesso de operações que ganham capilaridade e garantem impunidade a seus principais beneficiários pelo uso dos chamados laranjas. É nesse sentido que vai o Projeto de Lei de Responsabilização Administrativa e Civil de Pessoas Jurídicas (PL nº 6.826/10), que torna o dono ou controlador da empresa envolvida em ilícito contra o dinheiro público responsável direto pelos crimes. Aos membros da CPI do Cacheira toca, portanto, responsabilidade muito maior do que abater adversários políticos que sujaram suas próprias fichas. Eles podem reduzir o fosso que separa a população do Congresso ou torná-lo ainda mais profundo.