O Estado de São Paulo, n. 45465, 10/04/2018. Metrópole, p. A15

 

Suspensa a anulação dos júris do Carandiru

Felipe Resk

10/04/2018

 

 

STJ determina que Corte paulista refaça julgamento; 74 PMs são acusados no caso

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu a anulação dos júris do massacre do Carandiru, envolvendo a ação que resultou em 111 presos mortos após uma rebelião em 1992. O caso, que caminhava para realização de novos julgamentos, mudou de rumo após o ministro Joel Ilan Paciornik aceitar recurso do Ministério Público (MP-SP) e derrubar o acórdão que invalidava a condenação de 74 policiais militares acusados de participar do crime. Agora, o Tribunal de Justiça de São Paulo terá de rever sua decisão sobre o caso.

Os policiais foram condenados em cinco júris, realizados entre 2013 e 2014. Na segunda instância, porém, a 4.ª Câmara Criminal do TJ-SP decidiu anular, em 2016, o resultado dos julgamentos. Para isso, os desembargadores acataram o recurso da defesa e justificaram que o MP-SP não conseguiu individualizar a conduta dos réus – ou seja, não apontou exatamente o que cada um dos PMs fez, como, por exemplo, contra quem cada um deles atirou durante o massacre.

A derrota na segunda instância fez com que a acusação entrasse com recurso especial no STJ e também com embargos de declaração no TJ-SP. O recurso é previsto quando a parte entende que houve ambiguidade, omissão, contradição ou obscuridade em uma decisão.

Para a defesa, a condenação contrariava as provas dos autos. Um dos argumentos era que não havia sido feito confronto balístico (prova pericial necessária para indicar de quais armas partiram os tiros que mataram os presos), e, portanto, não seria possível esclarecer a autoria dos crimes.

No Tribunal Superior, o MPSP argumentou que os PMs eram acusados de “concorrer” para os homicídios. Ou seja, prestaram algum tipo de apoio que possibilitou os assassinatos, mas não necessariamente mataram os presos. Segundo a acusação, os policiais estavam no pavilhão que era alvo da chacina e também admitiram disparos de arma de fogo.

“A nossa acusação é de participação. Nenhum desses réus está sendo acusado de ter matado qualquer pessoa”, afirmou ao Estado o subprocurador-geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais, Mario Sarrubbo. Segundo ele, os desembargadores não haviam levado o argumento em conta ao anular os júris e, agora, devem reavaliar a questão. “O STJ determinou que o TJ dê uma nova decisão, levando em conta que se trata de participação e não de autoria”, disse. No entanto, não há prazo para esse novo julgamento.

Recurso. Proferida na quinta-feira passada, a decisão monocrática do ministro Paciornik reconheceu as queixas do MP-SP e cassou a anulação dos júris. O Tribunal Superior, entretanto, determinou que o julgamento dos recursos descesse, de novo, para o TJ-SP. “Dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão proferido pela Corte (...) determinando o retorno dos autos àquele Sodalício para que seja realizado novo julgamento”, escreveu.

No recurso apresentado ao STJ, a promotoria argumentou que os desembargadores paulistas haviam, na verdade, concordado com a tese apresentada pela defesa durante o júri, o que não deveria ser suficiente para anular as condenações. “Existindo duas teses contrárias e havendo plausibilidade na escolha de uma delas pelo Tribunal do Júri, não pode a Corte Estadual cassar a decisão do Conselho de Sentença”, afirma o recurso.

Com as idas e vindas do processo, o MP-SP também avalia que há risco de algumas penas prescreverem e tem expectativa de que o TJ-SP acelere o julgamento. “Vamos brigar para que os júris sejam validados, a decisão dos jurados é soberana, ninguém pode decidir por eles”, disse Sarrubbo. “Nós entendemos que eles obedeceram todas as regras e cabe apenas ao Judiciário adequar eventuais erros teratológicos por parte dos jurados – e não foi o que aconteceu. O que aconteceu é que os jurados acolheram uma das teses, a de acusação, e ponto final.” Procurado, o TJ-SP afirmou que “não emite nota sobre questões jurisdicionais”.

 

Velocidade

“O fato (Massacre do Carandiru) é de 1992. Sem sombra de dúvida, dada a complexidade do nosso sistema processual e o alto número de recursos, é um caso em que a decisão final vem se protelando muito.”

Mario Sarrubbo

SUBPROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DE POLÍTICAS CRIMINAIS DO MP-SP

 

CRONOLOGIA

2/10/1992

A PM é acionada para conter uma rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção, no Carandiru. A ação deixou 111 mortos.

 

3/10/1992

Um dia após o massacre, o Comando-Geral da PM instaura inquérito policialmilitar para apurar o ocorrido na cadeia.

 

2/3/1993

O inquérito da Polícia Militar é encerrado e surge a primeira denúncia contra 120 policiais pela atuação durante a rebelião.

 

13/2/1996

Esta é a data designada para o início do julgamento, mas o Conselho da Justiça Militar remete o caso para a Justiça comum.

 

27/11/1996

O Superior Tribunal de Justiça decide que o caso deve ser realmente julgado pela Justiça comum e não pela Militar.

 

26/3/1998

Ocorre a primeira decisão de pronúncia do caso, encaminhando os policiais acusados para sessão do júri popular.

 

7/2/2000

Defesas recorrem e o TJ anula a decisão, determinando que ela seja refeita por não ter considerado todos os crimes.

 

4/10/2000

Novamente em 1.ª instância, a decisão de pronúncia é dada. Prescrevem as acusações referentes a lesões leves.

 

27/12/2005

Órgão especial do TJ diz que apenas será julgada lá a parte do coronel. Os demais serão apreciados pela seção criminal.

 

15/3/2003

O coronel Ubiratan Guimarães, comandante da operação, toma posse como deputado. O processo vai para a 2.ª instância.

 

9/2/2010

Após tramitar por oito anos, o Tribunal de Justiça confirma que os policiais acusados pelo massacre vão a júri popular.

 

10/9/2006

Com 63 anos, o coronel Ubiratan é encontrado morto em seu apartamento. Ninguém foi responsabilizado pelo crime.

 

21/3/2013

Acontece o primeiro dos cinco júris que condenariam, até dezembro daquele ano, 74 policiais a penas de até 824 anos de prisão.

 

27/9/2016

A 4.ª Câmara decide anular os júris. Os magistrados determinam que os julgamentos sejam refeitos. Sartori vota pela absolvição.

 

5/4/2018

O STJ decide suspender a anula ção dos júris e remeter o processo para novo julgamento pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

26/9/2017

O TJ admite que a procuradoria leve ao STJ pedido de revogação da decisão. O Ministério Público é contra a decisão do tribunal.