O Estado de São Paulo, n. 45467, 12/04/2018. Metrópole, p. A18

 

Vacina contra dengue atrasa e fica para 2019; queda de casos prejudica pesquisa

Paula Felix  e Fabiana Cambricoli

12/041/2018

 

 

Saúde. Primeira previsão para imunizante feita pelo governo do Estado era 2017 e incluía construção de fábrica para a produção das doses. Iniciado há dez anos, o trabalho paulista esbarrou nos poucos registros, que impedem comprovação de eficácia do produto

Prometida pelo então governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) para 2017, a vacina que está sendo desenvolvida pelo Instituto Butantã continua em fase de testes sem que sua eficácia tenha sido confirmada na última e mais importante etapa da pesquisa. A queda do número de casos da doença no País impediu a aplicação do imunizante nos grupos voluntários, atrasando o estudo.

A promessa do governo do Estado previa ainda a construção de uma fábrica para a produção das doses, que deveria estar pronta no fim do ano passado, mas que também não foi concluída na data estimada. Agora, a nova previsão é para 2019.

A vacina do Butantã foi anunciada em 2015 como a opção mais promissora para proteção contra a dengue, em um momento em que a doença batia recordes de casos e mortes no Estado de São Paulo e no País. Naquele ano, mais de 1,6 milhão de pessoas entraram para o balanço de casos suspeitos de infecção.

Alckmin, que já era uma aposta como presidenciável, pediu prioridade à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na aprovação do início dos testes da fase 3 e viajou para várias cidades brasileiras para acompanhar o trabalho dos pesquisadores. O então governador esteve em pelo menos 5 dos 16 centros de pesquisa da vacina: Recife (PE), Cuiabá (MT), Porto Alegre (RS), Campo Grande (MS) e São José do Rio Preto (SP).

Já a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) esteve em São Paulo, em fevereiro de 2016, para anunciar verbas federais para financiar a última fase de pesquisas. Na ocasião, destacou que o Brasil dava um passo importante no desenvolvimento daquele que poderia ser o primeiro imunizante contra a dengue do mundo de alta eficácia.

Os testes da vacina do Butantã, no entanto, não evoluíram como anunciado. Iniciada há dez anos, a pesquisa recebeu, em 2015, a autorização para a fase 3, após ser avaliada “em regime de prioridade” pela Anvisa, antes mesmo que os testes da fase 2 tivessem sido finalizados. A autorização foi dada em dezembro daquele ano e os testes começaram, efetivamente, em 2016.

 

Exposição menor. Segundo o Butantã, a queda de casos de dengue no País observada nos anos seguintes atrasou a pesquisa porque os participantes do estudo ficaram menos expostos à doença. “A ocorrência de dengue no País está extremamente baixa, completamente diferente do que foi anos atrás. Isso faz com que não consigamos comprovar eficácia. Temos coletados, até o momento, os dados de segurança e todas as análises, mas a dengue ocorre em picos e tem períodos com maior incidência de casos”, explica Alexander Precioso, diretor do Laboratório Especial de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantã.

A informação de que a vacina começaria a ser distribuída em 2018 chegou a ser divulgada pela gestão estadual. O pesquisador nega que tenha havido precipitação nas datas anunciadas pelos governantes. “Se pegar os dados de 2014 a 2016, a incidência era muito alta, particularmente em 2015.”

O diretor afirma que, se o número de casos voltar a crescer no próximo verão, é possível que a eficácia da vacina consiga ser testada. Em nota, o instituto disse que está trabalhando para que adultos comecem a receber as doses em 2019.

A predominância de circulação de um dos quatro sorotipos da dengue também teria interferido no processo. Isso porque, segundo Ricardo Palacios, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento Clínico do Instituto, quando um sorotipo está circulando há mais tempo, o número de casos cai porque muitas pessoas já foram infectadas e ficaram imunes à doença. Quando muda o sorotipo, há um pico de casos porque há mais pessoas suscetíveis àquele tipo. Como o sorotipo 1 continuou predominante, não houve o pico.

Atualmente, a vacina está sendo testada em voluntários de três grupos etários: 2 a 6 anos, 7 a 17 anos e 18 a 59 anos – esta última faixa foi a primeira a recrutar voluntários e já alcançou o número suficiente de participantes. Não será necessário alcançar os resultados de eficácia nos três grupos para fazer o pedido de registro. “Podemos solicitar o registro em qualquer momento para o grupo com informação de segurança e eficácia”, destaca Palacios.

Prazos. Para especialistas em pesquisa, o tempo entre a fase 3 e obtenção do registro costuma ser de pelo menos três anos. “Considerando a fase 3 especificamente da vacina da dengue, devem ser apresentados dados de eficácia e segurança de pelo menos dois anos”, diz Alessandra Paixão Dias, gerente-geral substituta de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa.

Diretor do Núcleo de Estudos e Publicações da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, Marco Aurélio Sáfadi diz que o desenvolvimento e a produção de uma vacina são sempre um desafio, além do fato de o vírus da dengue ser complexo. “Como a doença é imprevisível, podemos ter uma nova explosão de casos no ano que vem.”

 

Sem previsão

“Sempre coloquei que isso (prazo) é uma informação difícil de dizer, porque depende da epidemiologia do vírus.”

Alexander Precioso

DIRETOR DO INSTITUTO BUTANTÃ

 

CRONOLOGIA

DEZ ANOS DE ESTUDO E PESQUISA

2008

Instituto Butantã firma parceria de colaboração com o National Institutes of Health (NIH) para desenvolver uma vacina similar à que era estudada pelo instituto americano nos Estados Unidos.

2000 a 2010

Primeira fase do estudo é feita com 1 mil pessoas nos Estados Unidos. A etapa verifica segurança e a resposta imunológica ao produto.

2013

Segunda fase do teste é feita com 300 pessoas no Brasil. A etapa também analisa a segurança e a resposta imunológica ao produto. Os voluntários são acompanhados por cinco anos.

2015

Instituto recebe autorização para iniciar a fase 3, que verifica eficácia da vacina.

2016

Teste da fase 3, utilizando 17 mil voluntários, tem início.

2018

Continuam os testes da fase 3. Voluntários para os grupos etários de 2 a 6 anos e de 7 a 17 anos ainda estão sendo recrutados.

 

Fábrica deve estar pronta até o fim do ano, diz Butantã

reportagem entrou em contato com o governo do Estado, ainda quando Geraldo Alckmin (PSDB) exercia o cargo de governador, para questionar sobre a previsão de chegada da vacina em 2017. A pasta informou que a resposta seria dada pelo Instituto Butantã. Em nota, o instituto disse que a “previsão de início da produção da fábrica de vacinas contra a dengue foi estimada pela antiga direção da instituição”. Sobre a fábrica, disse que ela está em processo final. “A fábrica pronta não significa só a estrutura, mas estar preparada para todas as atividades.”

A previsão é de que seja finalizada no último trimestre deste ano. “Após alerta da Anvisa em relação à vacina contra a dengue produzida por um laboratório francês (mais informações nesta página), feito em novembro de 2017, pesquisadores do Butantã foram destacados para realizar novos estudos, visando, desta forma, a aprimorar os processos de produção da futura fábrica”, informou, também em nota oficial. Segundo o órgão, o objetivo é garantir que a vacina é segura tanto para quem já teve o vírus quanto para quem nunca teve dengue./  P.F.