Valor econômico, v. 18, n. 4491, 26/04/2018. Empresas, p. B2.

 

A eterna busca pela felicidade no trabalho

Rafael Souto

26/04/2018

 

 

A felicidade no trabalho está na pauta das discussões sobre carreira e ganhou força nas últimas décadas. Essa busca surge em uma nova era das relações do trabalho. A época em que a empresa definia, de forma isolada, o futuro das pessoas não atende mais às expectativas dos indivíduos. Hoje, as pessoas querem encontrar equilíbrio em seus diversos papéis na vida.

No Brasil, o advento da estabilidade econômica após 1994 foi um dos fatores que impulsionou essa temática. Até então, as pessoas não conseguiam planejar sequer o próximo mês. O Plano Real e uma certa tranquilidade na economia permitiram um olhar de longo prazo e abriram espaço para discussões mais profundas nas dinâmicas de trabalho.

Pensar em satisfação e felicidade começou a ser possível em um país que passou a gerar mais oportunidades. Assim, a luta por propósito deu espaço às reflexões sobre carreira. Nessa direção, existe uma potente prática para refletir chamada "flow".

O conceito flow foi desenvolvido por Mihaly Csikszentmihalyi, psicólogo húngaro, PhD e professor da Universidade de Chicago (EUA), para designar as ótimas experiências de fluxo na consciência. Entrar no fluxo significa estar imerso em uma atividade sem precisar fazer esforço para se manter nela. São aquelas coisas que fazemos sem ver o tempo passar. Algo que desperta prazer e imersão genuína.

O psicólogo oferece como exemplo o estado de profunda conexão em que artistas, pintores, músicos e executivos ficam quando produzem determinadas atividades relacionadas às suas áreas de atuação. Podem ficar horas focados produzindo com naturalidade. Quando pensamos no flow para a carreira, estamos refletindo sobre um pilar fundamental para o desenvolvimento profissional: a satisfação.

É certo que o novo mundo do trabalho exige protagonismo do indivíduo. Os modelos antigos de plano de carreira nas organizações foram extintos. As empresas deixaram no passado a promessa de caminho pré-definido e previsível de crescimento. A necessidade de estar constantemente ajustando a estrutura e a instabilidade econômica fizeram com que os planos lineares oferecidos outrora se tornassem impossíveis de cumprir. Cada pessoa terá de construir o seu plano e navegar na instabilidade. Por isso, a construção desse projeto deve começar com uma reflexão sobre interesses, motivações e valores.

O flow é uma maneira de aprofundar essas questões. Para começar, pergunte a si mesmo quais atividades ou projetos trazem mais satisfação na execução. Ou quais coisas você faz com prazer e nem percebe o tempo passar.

Na brilhante construção de Csikszentmihalyi, ele adiciona dois pontos importantes para o estado de flow: habilidades e desafios. Quando conseguimos conectar as melhores habilidades e os desafios possíveis de serem atingidos, temos mais chances de encontrar o estado mágico do fluxo. Ao entrarmos nesta zona, realizaremos nossas tarefas em alto nível de desempenho e, consequentemente, encontraremos muita realização. Teremos fluidez e naturalidade na execução das atividades.

Há algumas semanas, participei de um evento sobre o novo universo do trabalho organizado pelo Valor. O foco era discutir o impacto da nova legislação trabalhista nas relações entre empresa e funcionários. Uma das questões centrais do debate foi a mudança no modelo de comando e controle para uma visão mais construtivista nessas relações.

No sistema hierárquico tradicional, a empresa definia as atividades e as pessoas simplesmente executavam. Esse sistema dá sinais de colapso porque não atende às exigências das pessoas mais qualificadas. É limitante do ponto de vista da contribuição do indivíduo e não favorece a inovação.

O caminho é uma abordagem de diálogo com o colaborador para identificar interesses e zonas de flow a fim de buscar a efetivação da satisfação no trabalho. Equilibrar o projeto empresarial com os interesses do indivíduo parece ser a abordagem mais contemporânea, inclusive para a construção de novos modelos de trabalho.

Estamos na era da trabalhabilidade. Isso significa encontrar trabalho e ser atrativo para o mercado, não ficar preso ao modelo de emprego apenas. Ser empregado de uma empresa é apenas uma das formas de disponibilizar seu capital intelectual para a sociedade.

Pensar no estado de fluxo é uma boa estratégia para planejar essas novas formas de trabalho. A busca por satisfação e felicidade é legítima e deve fazer parte das reflexões de carreira.

Experimentar o flow é um caminho de investigação constante. Dedicar tempo para observar e refletir sobre satisfação são passos que levarão o indivíduo a ser o protagonista de sua carreira. Rafael Souto é sócio-fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado