Valor econômico, v. 18, n. 4489, 24/04/2018. Brasil, p. A3.

 

Acordo "ressuscita" solução para elétricas

 Daniel Rittner 

24/04/2018

 

 

O governo e o Congresso Nacional se alinharam em busca de uma solução para o risco hidrológico - conhecido pela sigla em inglês GSF - dos geradores de energia. Eles pretendem ressuscitar, em linhas gerais, um artigo que foi retirado de última hora da MP 814. A medida provisória, que ainda está em tramitação, deve ser alterada para garantir aos donos de usinas hidrelétricas a possibilidade de estender a vigência dos seus contratos como forma de compensação às perdas acumuladas nos últimos anos.

O acordo foi costurado com autoridades do setor em reunião, na semana passada, no Ministério de Minas e Energia. A pasta já era a favor de uma solução para o assunto no fim de dezembro, quando a MP 814 foi publicada, mas divergências com a Casa Civil e com a equipe econômica levaram o governo a excluir esse item. O novo texto será apresentado, hoje à tarde, em reunião da comissão mista responsável pela análise do assunto no Congresso.

A intenção de usar a medida provisória para resolver o problema do risco hidrológico foi confirmada ao Valor pelo secretário-executivo do ministério, Márcio Félix, que participou da reunião na quarta-feira. "Uma solução definitiva virá no texto que for aprovado pela comissão", reforçou o senador Eduardo Braga (MDB-AM), presidente do colegiado e ex-ministro de Minas e Energia.

Durante sua gestão na pasta, em 2015, saiu um acordo bem-sucedido com geradores que haviam negociado sua energia para as distribuidoras no ambiente de contratação regulada (ACR). No entanto, os agentes que comercializam sua produção no mercado livre preferiram manter ações judiciais contra suas perdas financeiras. Por isso, o embate ainda gera valores em aberto nas liquidações financeiras do mercado de curto prazo de eletricidade, que promovem mensalmente pagamentos e recebimentos entre as empresas do setor.

"Naquela época, o passivo do ACL [ambiente de contratação livre] era de R$ 1 bilhão. Hoje está em quase R$ 9 bilhões e não termina o ano abaixo de R$ 11 bilhões", diz Braga. Para ele, a regulamentação definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pesou contra os acordos no mercado livre. Quanto mais se demora para uma solução, mais cresce o valor. "Se tivéssemos resolvido lá atrás, não teria aumentado a esse ponto e nem criado problemas de liquidez no setor."

Várias emendas parlamentares foram apresentadas para tratar do problema. Segundo o senador, nenhuma delas será copiada na íntegra. O novo texto da MP 814, diz, deverá dar uma solução alongando o período de vigência dos contratos da hidrelétricas e sem ônus para a tarifa. "Em vez de esse custo ir para o consumidor, alonga-se o prazo de concessão, desde que o empresário desista das ações judiciais em andamento."

Em dezembro, quando a medida provisória foi editada, o Ministério de Minas e Energia propunha extensão das concessões por até 15 anos para recompor os prejuízos desde 2013. A esmagadora maioria das usinas, porém, precisava de apenas alguns meses adicionais de contrato para recuperar o equilíbrio econômico. Parte do governo não aceitou a proposta, porque algumas ações estavam para ser julgadas, o que de fato ocorreu nos tribunais superiores, mas sem ainda pacificar totalmente a questão.

O déficit hidrológico acontece quando as usinas, por causa da escassez de chuvas e da queda dos reservatórios, não conseguem produzir toda a energia comprometida nos contratos de fornecimento. Com isso, as geradoras precisam recorrer a outros fornecedores para honrar esses compromissos. Outros prejuízos assumidos pelas usinas têm ocorrido por atrasos na entrada em funcionamento de linhas de transmissão que escoam a energia.

A Abrace, associação dos grandes consumidores industriais de energia, apoia as mudanças, desde que não haja aumento de tarifas. "Só não tem cabimento jogar mais um ônus no colo dos consumidores", diz o presidente da entidade, Edvaldo Santana.

Em ofício assinado na semana passada pelo diretor-geral, Romeu Rufino, a Aneel colocou-se contra as mudanças propostas na MP 814. "Qualquer novo aprimoramento de regras deve ter efeitos para o futuro, e não para o passado. Para um ambiente de negociação regulatoriamente seguro, é imperioso que as regras do passado sejam preservadas", disse Rufino no documento, que foi enviado ao relator da medida provisória, deputado Julio Lopes (PP-RJ).

Mesmo para o atraso dos linhões, o diretor afirmou que é "inadequado" revisar uma regra em vigência há quase 20 anos. 

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Tesouro já não conta com os R$ 12,2 bi de usinas da Eletrobras

Fabio Graner/ Daniel Rittner

24/04/2018

 

 

O Tesouro Nacional já não pode mais contar com os recursos previstos com a descotização de usinas hidrelétricas da Eletrobras. São R$ 12,2 bilhões que entrariam nos cofres públicos em 2018. Oficialmente, essa valor já conta com um alerta no Orçamento, por meio de uma reserva dentro do conjunto de despesas, mas já está claro no governo que é impossível de ser recebido ainda neste ano, devido à redação final do decreto que trata da privatização da estatal.

Na sexta-feira, uma reunião da cúpula do setor elétrico verificou que não dá mais para o dinheiro entrar. A privatização da empresa ainda em 2018 ficou "extremamente improvável", segundo o diagnóstico. Apesar disso, o governo pretende seguir com o discurso de que será possível executar a operação e, para sustentar isso, deve manter por mais algum tempo essa reserva no Orçamento, bem como a previsão de receitas, embora em algum momento tenha que ser retirada em definitivo.

A preocupação em segurar o discurso, e os dados da contabilidade, é não só tentar manter viva a possibilidade de o Congresso ao menos aprovar o projeto de lei da privatização, mas também garantir força política para as operações de vendas de distribuidoras que hoje fazem parte da estatal e dão prejuízo a ela.

A situação se assemelha ao vivido na Previdência, onde o governo sustentou até o limite o discurso de que acreditava na votação e aprovação da matéria, mas depois teve que reconhecer a realidade. O problema é que o decreto editado na semana passada explicitou a remota chance de privatização neste ano, já que, se tudo der certo e o projeto for aprovado no meio do ano, há uma mínima possibilidade de ela ocorrer em dezembro. Mas, nesse caso, os recursos da descotização ainda entrariam no Orçamento de 2019 e não neste ano.

Uma das próximas discussões que ocorrerão no governo é se os R$ 12 bilhões serão incluídos ou não na proposta de Orçamento de 2019, sendo retirada de 2018. Isso não está sendo feito agora por conta da estratégia política, mas é uma decisão que as autoridades já sabem que terão de enfrentar.

Uma das dificuldades para incluir no Orçamento do ano que vem é a estratégia, anunciada na divulgação do PLDO 2019, de não incluir na proposta nada que dependa de decisão do próximo presidente. Esse seria o caso da Eletrobras, caso a privatização realmente não ocorra neste ano. Por outro lado, esse tema específico pode contar com o argumento de que o projeto já está no Congresso e, portanto, seria razoável incluir as receitas na proposta, até como elemento de pressão política para o próximo presidente prosseguir com a privatização.

Dentro da estratégia de manter vivo o assunto e a possibilidade de privatização da Eletrobras, a diretoria do BNDES se reúne amanhã para ver se tem como agilizar alguns aspectos necessários ao seu andamento mais célere.

Mesmo com o decreto vedando estudos antes de o projeto ser aprovado no Congresso, o banco decidirá se pelo menos avança na preparação e divulgação dos editais de concorrência das empresas responsáveis pelos estudos. De qualquer forma, a medida ganhará apenas alguns dias e/ou semanas, porque a contratação só poderá ocorrer depois que o Congresso aprovar o projeto de lei.