Valor econômico, v. 18, n. 4489, 24/04/2018. Política, p. A5.

 

Ruralistas derrubam presidente da Funai, mas PSC mantém a vaga

Daniela Chiaretti e Cristiano Zaia 

24/04/2018

 

 

Na sexta-feira à tarde, o general Franklimberg Ribeiro de Freitas reuniu os funcionários da Fundação Nacional do Índio, que presidiu por nove meses, e anunciou que havia pedido demissão na noite anterior. Apertou a mão de cada um dos presentes e, depois de breve discurso, foi aplaudido. Ao final, bateu continência "à Funai". O general caiu por pressão da bancada ruralista e teria sido demitido por estes dias, isso todos sabem. O que não está claro são os motivos, o momento em que o governo tomou a decisão e quais as credenciais para o cargo que qualificam seu sucessor.

Ontem a portaria anunciando a exoneração de Franklimberg ainda não havia sido publicada, mas o Ministério da Justiça, que controla a autarquia, publicou à tarde, em seu site, a indicação do substituto. Trata-se de Wallace Moreira Bastos, "administrador com especialização em mediação", segundo a nota. Informa-se que Bastos é subsecretário de Assuntos Administrativos do Ministério dos Transportes, que foi membro do conselho de administração da Companhia Docas do Maranhão e analista administrativo da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Não há nada em seu currículo que indique qualquer conhecimento de índios, Amazônia ou política indígena.

Ruralistas não o conhecem. Bastos teria sido uma indicação do deputado federal Andre Moura, do PSC. Foi o PSC quem indicou Franklimberg e seu antecessor, Antonio Costa. A Funai continua na conta do partido. "Andre Moura me procurou na semana passada e disse que teríamos interlocução com o próximo presidente da Funai. Queremos alguém que nos ouça", disse a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Em outubro, a bancada pediu a demissão de Franklimberg ao presidente Michel Temer. Foi logo depois do Encontro de Produtores Rurais, em Brasília, promovido pelo ex-presidente da FPA, deputado Nilton Leitão, do PSDB de Mato Grosso. Participaram lideranças indígenas que querem, diz Leitão, "produzir" e "sair da condição de miséria em que estão". A lista de presença do evento foi anexada a uma carta endereçada a Temer e entregue em janeiro. É assinada por Jocélio Xucuru, porta-voz do grupo de Agricultores Indígenas de Base. Ele pede a demissão do general "comunista" e "habilidoso tão somente para proteger servidores ongueiros nitidamente vinculados com ideologias do tipo bolivariana/venezuelana de Hugo Chaves e Maduro".

Na carta, que não é endossada pelas associações tradicionais de representação indígena, pede-se a substituição do general por Francisco José Ferreira, diretor de Administração da Funai, nome apoiado pelos ruralistas. Nada ocorreu, no entanto. "A maior pressão foi em outubro. Agora estou surpreso", disse Leitão. "Estou surpresa", repetiu Tereza Cristina. "Por que estourou agora? Não sei. O governo custa a tomar decisões, não é como a iniciativa privada", seguiu.

"Eu só tenho a agradecer a vocês essa experiência. Encontrei dificuldades, mas sempre pensei positivamente", disse Franklimberg na despedida, quando indicou como sucessor interino o antropólogo Rodrigo Paranhos Faleiro, diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai.

Franklimberg e Francisco Ferreira tiveram uma desavença pública no fim de 2017. O general estava em viagem, visitando uma aldeia Munduruku e ouvindo suas reivindicações. Ferreira ocupava a presidência e aprovou o pagamento de quase R$ 10 milhões para uma empresa de estudos de mapeamento, segundo nota da Associação dos Servidores da Funai. Teria assinado um Termo de Execução Descentralizada (TED) para o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Ferreira teria recolhido "os recursos financeiros das demais diretorias, à revelia", para bancar a operação, diz a nota.

Acontece que a Funai tem o Centro de Monitoramento Remoto (CRM), que justamente observa o que ocorre nas terras indígenas. Ao regressar da viagem, Franklimberg anulou a decisão de Ferreira.

Nos nove meses que esteve à frente da Funai, Franklimberg visitou muitas aldeias. Em seis meses já havia recebido mais de 500 lideranças indígenas, diz o site do órgão. Conseguiu nomear os 213 servidores aprovados em concurso de 2015. Lideranças indígenas de várias etnias e representando centenas de índios enviaram, nos últimos dias, cartas e emails à Funai, indicando seu apoio. O cacique Raoni é um deles. Os waimiri-atroari, de Roraima, com quem o general havia negociado a liberação da construção da linha de transmissão Boa Vista-Manaus, anunciaram a suspensão do acordo.

A derrubada do general deve-se, em boa parte, às fortes pressões dos ruralistas pelo arrendamento de terras indígenas, o que é proibido pela Constituição. A Funai tentou acomodar o pleito de lideranças indígenas (e a pressão ruralista) para viabilizar lavouras mecanizadas em suas terras com Termos de Ajuste de Conduta (TAC) com cinco anos de validade, como o celebrado com os Pareci (MT). O termo não foi autorizado pela AdvocaciaGeral da União (AGU). Sucederam-se propostas de portarias, projetos de lei e medidas provisórias, que ainda não vingaram.