Correio braziliense, n. 20095, 29/05/2018. Política, p. 4

 

Mais imposto para subsidiar o diesel

Hamilton Ferrari

29/05/2018

 

 

CRISE DOS COMBUSTÍVEIS » Ministro da Fazenda admitiu mudar tributos para cobrir os R$ 13,5 bi que serão gastos nas concessões aos caminhoneiros. Ele não detalhou as medidas para compensar a arrecadação

O contribuinte brasileiro, o principal afetado pela greve dos caminhoneiros, poderá desembolsar mais de R$ 13,5 bilhões, ainda neste ano, para bancar o acordo proposto pelo governo federal para redução do preço do óleo diesel. Por conta da quantia expressiva e do quadro alarmante das contas públicas, a equipe econômica do Executivo deve anunciar medidas para aumentar a arrecadação, com a possibilidade de aumentar impostos.

Se de um lado os caminhoneiros serão beneficiados com as medidas anunciadas no último domingo, de outro a população poderá arcar com mais tributos para compensar as perdas nos cofres da União. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, declarou, ontem, que o Executivo vai adotar medidas que aumentem a arrecadação. Isso porque as propostas de diminuir o PIS e a Cofins e de eliminar a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o diesel derrubarão as receitas do governo em R$ 4 bilhões no ano. A redução das alíquotas permitirá que o combustível fique R$ 0,16 mais barato por litro.

“Nos termos da lei, nós não podemos fazer redução de impostos ao longo do exercício sem a adequada compensação financeira. Para reduzir imposto, ou eu crio algum imposto, ou aumento a alíquota de outro imposto ou mudo a base de tributação”, disse o ministro da Fazenda. Eduardo Guardia não quis revelar, porém, quais serão as medidas para compensar os ganhos do governo. Uma das alternativas é diminuir o valor do Reintegra, que é o dinheiro devolvido do Tesouro Nacional aos exportadores por impostos pagos nas vendas ao exterior.

O Palácio do Planalto pretende usar recursos vindos da aprovação do projeto de lei da reoneração da folha de pagamento das empresas. Estimativas da área econômica calculam que a medida trará R$ 3 bilhões em 12 meses aos cofres públicos, mas ainda não há a conta do quanto será somado em 2018. “Fica evidente que isso não cobre a conta. Não será suficiente para suprir os R$ 4 bilhões, mas vai ajudar. A aprovação do projeto é uma condição necessária, mas não determinante”, ressaltou Guardia.

Além disso, o Executivo vai desembolsar mais R$ 9,5 bilhões para subsidiar o setor de petróleo para manter o diesel R$ 0,30 por litro mais barato, permitindo que o combustível fique com o preço R$ 0,46 menor, no total. Na prática, a Petrobras e os importadores do produto receberão recursos do governo para possibilitar a venda por valores abaixo dos parâmetros dos mercados internacionais sem prejuízos.

Segundo Guardia, para a redução ocorrer, será necessária a utilização de R$ 5,7 bilhões de uma “margem fiscal” das contas. O Executivo também vai cortar R$ 3,8 bilhões em despesas não obrigatórias (discricionárias), mas a equipe econômica ainda não as detalhou. O ministro garantiu que a meta fiscal, que é a de um deficit de até R$ 159 bilhões em 2018, não será comprometida.

Com o subsídio, a Petrobras adotará uma nova política de preços, com reajustes mensais. Nos primeiros 60 dias, o valor do diesel nas refinarias ficará congelado. A empresa estatal vai calcular o prejuízo que tiver por conta da diferença do preço frente ao mercado internacional e repassar ao Tesouro Nacional, que ficará encarregado de efetuar os pagamentos.

Contrário às medidas que subsidiarão o diesel para os caminhoneiros, o ministro da Fazenda perdeu a queda de braços com a paralisação. Ontem, Guardia ressaltou que foi preciso adotar as medidas diante da “gravidade das ocorrências”.

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Senado acelera votação de projeto

Gabriela Vinal e Antônio Temóteo

29/05/2018

 

 

No oitavo dia de paralisação dos caminhoneiros, o Senado Federal aprovou ontem, simbolicamente, o requerimento de urgência da proposta de reoneração da folha de pagamento de empresas. Cinco medidas provisórias que trancavam a pauta também foram aprovadas, e uma só rejeitada. Uma força-tarefa de senadores em plena segunda-feira acelerou o processo de votação do projeto, que faz parte da negociação entre o Congresso Nacional e os caminhoneiros, e pode pôr fim à greve da categoria. O presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), contudo, não falou em uma data para a votação.

Apesar da urgência, ainda não há um consenso acerca do conteúdo da proposta, que, além de prever a reoneração da folha de pagamento de 28 setores empresariais, determina a redução da taxa do Pis/Cofins sobre o óleo diesel — a medida causou desentendimentos entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o Palácio do Planalto, por não ter sido acordada entre Maia, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e os caminhoneiros que comandam a greve.

O líder do governo no Senado, o senador Romero Jucá (MDB), afirmou que o governo ainda negocia internamente a questão da mudança da alíquota do PIS/Cofins até 31 de dezembro deste ano. Por isso, o Senado deve analisar com cuidado cada detalhe do texto da proposta, disse Jucá. “O governo ainda está negociando e discutindo alguns pontos do projeto. Ele dialogou, cedeu, fez medidas que atendiam aos grevistas. Agora precisamos cobrar a seriedade dos caminhoneiros com o que foi acordado”, defendeu.

Jucá disse ainda que precisa estudar a planilha de valores da Petrobras para verificar e entender se é possível reduzir o valor dos combustíveis. O senador acredita na independência da empresa estatal em delimitar os próprios preços, no entanto, confirma que haverá uma discussão na Casa sobre a política de valores da empresa para “entender os critérios utilizados para aumento”. O emedebista sugeriu a criação de uma “Câmara de compensação”, para manter a transparência do preço definido pelo produto. Ainda não há, contudo, um acordo entre os partidos sobre a medida, que busca recursos para amenizar as perdas da União com descontos nos valores finais do diesel.

Com a medida, Maia afirma que os cofres públicos deixarão de arrecadar cerca de R$ 3 bilhões até o fim do ano. Porém, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, avaliou que o prejuízo deve ficar entre R$ 12 e R$14 bilhões. Se aprovado o texto no Senado, a expectativa do Ministério da Fazenda é elevar impostos e reduzir benefícios para compensar a diminuição do preço do diesel.

Originalmente, o objetivo da sessão era votar um projeto que estabelece uma política de preços mínimos para os fretes rodoviários, reivindicação antiga dos caminhoneiros. O presidente Michel Temer, no entanto, anunciou ontem que, em acordo com Eunício Oliveira, promoveria a mudança por meio de uma medida provisória para atender mais rapidamente o pedido da categoria.

Reforma

Diante da volta do debate sobre a alta carga de impostos do país, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pediu ao deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da comissão especial da Reforma Tributária, que construa um texto para ser apresentado ao colégio de líderes até o fim da semana.

O texto propõe a simplificação do sistema, unificando tributos sobre o consumo de modo que a carga tributária não aumente, e União, estados e municípios não percam arrecadação.

A proposta extingue nove tributos (IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis, todos federais, ICMS estadual e o Imposto sobre Serviços), e no lugar deles cria dois impostos: um sobre valor agregado, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e o Imposto Seletivo sobre alguns bens e serviços como combustíveis, cigarros, energia elétrica e telecomunicações.

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O fiel da balança

Luiz Carlos Azedo

29/05/2018

 

 

A cúpula do DEM se reúne hoje na residência oficial do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (RJ), para discutir a relação do partido com o governo Michel Temer. A reunião foi convocada pelo presidente da legenda, ACM Neto, prefeito de Salvador. Enquanto a velha guarda avalia que Maia “pisou no tomate” na crise provocada pela greve/locaute dos caminhoneiros, ao esticar a corda com Temer, outra parte da bancada, mais jovem, defende o desembarque do partido do governo, a exemplo do que foi feito pelo PSDB.

Maia é candidato a presidente da República e lidera uma coalizão formada pelo DEM, pelo PP do senador Ciro Nogueira (PI) (legenda que encabeça um bloco com 69 deputados, o maior da Câmara) e pelo Solidariedade, de Paulinho da Força (cuja central sindical apoia os caminhoneiros). O grupo soma 134 parlamentares. O presidente da Câmara, desde o início da greve, critica a condução dada à crise pelo Palácio do Planalto, inclusive a mobilização das Forças Armadas. Um desembarque do DEM, agora, pode desestabilizar o governo, que depende do apoio de Maia para aprovar as medidas provisórias que enviou ao Congresso em razão do acordo com as lideranças dos caminhoneiros.

Maia é um crítico da política de preços da Petrobras. Segundo ele, a empresa pode fazer uma política de mais previsibilidade para a sociedade, “com aumentos em períodos mais longos”. Nas contas do presidente da Câmara, com o aumento do preço do petróleo, os royalties, a participação especial e o bônus de assinatura, o governo vai receber neste ano mais de R$ 13 bilhões. Essa conta não bate com os cálculos do ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, que avalia em R$ 9,5 bilhões o rombo no Tesouro em razão do acordo com os caminhoneiros. Desse total, R$ 5,7 bilhões virão de uma reserva orçamentária e, os outros R$ 3,8 bilhões, do corte de despesas. Quem pagará essa conta será o consumidor, é claro.

O Congresso Nacional já recebeu as três medidas provisórias que resultaram do acordo com os caminhoneiros para pôr fim à greve nacional iniciada no dia 21, o que joga no colo de Maia a conclusão das negociações. Além das MPs, o governo anunciou a redução de R$ 0,46 no preço do litro do diesel por 60 dias. A redução do preço do combustível é um dos pontos principais da pauta dos grevistas. A MP 831/18 reserva 30% do frete contratado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para cooperativas de transporte autônomo, sindicatos e associações de autônomos.

A MP 832/18 institui a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, com a finalidade de promover condições razoáveis à realização de fretes no território nacional. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicará duas tabelas por ano (dias 20 de janeiro e 20 de julho) com os preços mínimos dos fretes por quilômetro rodado, levando em conta o tipo de carga (geral, a granel, frigorificada, perigosa e neogranel) e, prioritariamente, os custos do óleo diesel e dos pedágios. A ANTT publicará a primeira tabela, com vigência até 20 de janeiro de 2019, no prazo de cinco dias.

A MP 832 foi elaborada com base no Projeto de Lei 528/15, do deputado Assis do Couto (PDT-PR), aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado. O texto também institui a Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, com preços mínimos de frete fixados a cada seis meses. A aprovação do projeto é uma das reivindicações dos caminhoneiros. A última medida provisória editada pelo governo (MP 833/18) altera a Lei dos Motoristas para estender às rodovias estaduais, distritais e municipais a dispensa de pagamento de pedágio do eixo suspenso de caminhões, uma das principais reivindicações dos grevistas. Foi negociada com os caminhoneiros pelo governador de São Paulo, Márcio França (PSB).

 

Politização

Apesar do acordo, o governo não conseguiu normalizar o abastecimento de combustíveis, porque a greve continua e há muitos pontos de bloqueios nas estradas e nos terminais de abastecimento. Há um faz de conta: as forças federais conseguiram desobstruir mais estradas, mas fingem que não veem os artifícios usados pelos caminhoneiros para impedir que os caminhões-tanque vazios se reabasteçam. Na Petrobras, no fim de semana, não houve emissão de autorizações para abastecimento, somente foram abastecidos os que já tinha notas fiscais emitidas. (...)

A greve galvanizou a insatisfação da população com o governo, por causa da falta de combustível e do desabastecimento. De um lado, os setores que defendem a intervenção militar insuflam os grevistas, que receberam apoio do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). De outro, os petistas aproveitam o momento para defender a candidatura de Lula e unificar a oposição. Na prática, como candidatos a salvadores da pátria, apostam no caos.