Correio braziliense, n. 20095, 29/05/2018. Mundo, p. 14

 

Renúncia no Paraguai

Rodrigo Craveiro

29/05/2018

 

 

AMÉRICA DO SUL » Horacio Cartes apresenta carta de demissão e abre espaço para a Presidência ser ocupada, pela primeira vez, por uma mulher. Especialistas veem tentativa do líder de garantir influência no governo e obter foro privilegiado como senador ativo

O anúncio foi feito por meio de uma carta (veja foto) e do Twitter. “Apresento minha renúncia ao cargo de presidente da República do Paraguai. Para continuar servindo ao país desde o Senado da Nação, cumprindo com a vontade popular depositada nas urnas. Deus abençoe o Paraguai”, escreveu Horacio Cartes na rede social. A decisão de trocar o Palacio de los López, sede do Executivo, por uma cadeira no Congresso Nacional ocorreu 72 horas depois de o mandatário ser diplomado senador por Jaime Belstar, presidente da Corte Suprema de Justiça.

Caso o Legislativo aprove a renúncia, em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado  a ser realizada provavelmente amanhã, a juíza Alicia Beatriz Pucheta de Correa (leia o Personagem da Notícia), 68 anos, se tornará a primeira mulher a ocupar o posto máximo do Paraguai até 15 de agosto, quando Mario Abdo Benítez, eleito em 22 de abril, assumirá para um mandato de cinco anos.

Cartes luta para obter os votos necessários que lhe garantam a aceitação da renúncia. Basta uma maioria simples — 23 votos do total de 45 senadores, e 41, do total de 80 deputados. A analista política Estela Ruiz Díaz, colunista do jornal Ultima Hora, explicou ao Correio que o presidente negocia o apoio para levar adiante seus planos políticos. “Ele faz isso para seguir como um ator político na gestão de Benítez. Alicia, ex-ministra da Suprema Corte, alçada a vice-presidente após a renúncia de Juan Afara é uma aposta de Cartes. Apesar da indicação, não se vê muito júbilo entre as mulheres, pois Alicia chegou como uma decisão do presidente, não pela via eleitoral.”

Controvérsia

De acordo com Estela, o Paraguai convive com uma controvérsia sobre se um presidente pode ou não ser senador ativo. “A Carta Magna estabelece que chefes de Estado que completarem o mandato serão senadores vitalícios. O ex-presidente Nicanor Duarte Frutos havia passado pela mesma situação, mas, por causa dessa trava constitucional, não pôde assumir o Senado por mais de cinco anos.” Com a Constituinte prevista para o próximo ano, tudo indica que a reeleiçao será autorizada, o que possibilitaria a Cartes retornar como candidato em 2023. “A dúvida do presidente eleito Mario Abdo Benítez é se Cartes será mais conveniente dentro ou  fora do Senado. A metade de sua bancada se opõe a aceitar a renúncia.”

Por sua vez, Alfredo Boccia Paz — escritor, médico e colunista político do Ultima Hora —, explicou que a recente saída de Juan Afara, para disputar o Senado nas últimas eleições, e a nomeação de Alicia Pucheta para a vice-presidência tinham o objetivo de fazer com que a juíza completasse os dois meses de mandato restantes de Cartes. “Por ser uma  figura completamente afim ao presidente, ela terá função meramente decorativa. A forma de evitar que Cartes seja senador ativo é o Congresso não oferecer quorum ao tratamento do pedido de renúncia. Ele não pode ser presidente e senador ao mesmo tempo. Se aceitarem a renúncia, Cartes jurará com os novos parlamentares, em 30 de junho. Se a recusarem, ele terá de concluir o mandato e juramentar sozinho, posteriormente, frente ao novo Legislativo”, disse à reportagem. Nesse caso, existe o risco de esbarrar na falta de quorum.

Boccia vê dois motivos pelos quais Cartes demonstra interesse em ser senador. “Em primeiro lugar, ser senador ativo, e não vitalício, lhe garante foro privilegiado. A quantidade de negócios ilícitos ou duvidosos, nos quais ele estaria envolvido, torna tal condição muito importante nos próximos anos. Em segundo lugar, Cartes não deixará de ter ambições políticas.”

A carta de adeus

Em mensagem enviada ontem a Fernando Lugo, presidente do Congresso Nacional da Colômbia, Horacio Cartes afirma que invoca o Artigo 202, inciso 16 da Constituição, para apresentar sua renúncia ao cargo de presidente da República do Paraguai. “Eu adotei esta determinação para dar cumprimento à decisão democrática do povo expressa nas urnas, em 22 de abril passado, que me elegeu ao cargo de Senador da Nação para o período 2018/2023”, afirma o presidente paraguaio. “Temos trabalhado ao longo destes quase cinco anos com total dedicação para conseguir o desenvolvimento de nossa grande nação e ratifico meu propósito de seguir servindo ao nosso país e à nossa gente com dignidade e patriotismo desde o Poder Legislativo da nação”, acrescenta.

Personagem da notícia

Da Corte à história

Aos 68 anos, a juíza Alicia Beatriz Pucheta de Correa é doutora em ciências jurídicas pela Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidad Nacional de Asunción (UNA) e ex-ministra da Corte Suprema de Justiça. Em 30 de abril de 2018, ela apresentou a renúncia ao cargo para assumir a Vice-Presidência do Paraguai, ocupando o vácuo deixado pela saída de Juan Afara, do Partido Colorado. Antes de se tornar juíza, Alicia foi datilógrafa, procuradora, advogada e promotora. Na carreira como docente, especializou-se no direito de crianças e adolescentes. Foi a primeira mulher a exercer  o cargo de membro titular do Conselho Diretivo da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da UNA. É conhecida por ser leal a Cartes.

Tensão política

“O Paraguai enfrenta uma tensão política, uma disputa de poder entre o presidente eleito, Mario Abdo Benítez, e Horacio Cartes. Uma parte da bancada de Mario Abdo rejeita a renúncia. Cartes necessita de quorum de 23 senadores e de 41 deputados, na votação de amanhã. Se houver quorum, sua renúncia será praticamente aceita. Se a recusarem, ele terá de permanecer no poder até 15 de agosto, e, depois, tentar ser empossado senador.”

Estela Ruiz Díaz, analista política do jornal Ultima Hora