Correio braziliense, n. 20096, 30/05/2018. Cidades, p. 19

 

Acaba o gás em condomínios e casas

Augusto Fernandes,  Sarah Peres e Luiz Calcagno

30/05/2018

 

 

CRISE DOS COMBUSTÍVEIS » Ao menos seis conjuntos de prédios residenciais comunicaram ao sindicato do setor no Distrito Federal o colapso em seus estoques. Nas poucas distribuidoras que receberam botijões, eles se esgotaram rapidamente, com consumidores em filas

A greve dos caminhoneiros perdeu força, os bloqueios nas estradas diminuíram, mas os danos são muitos, graves e estão longe de serem resolvidos. As filas e os preços altos continuam nos postos dos Distrito Federal. Ainda escasso, o gás de cozinha é o mais disputado e, consequentemente, o mais caro dos combustíveis. Prédios residenciais adotaram medidas de racionamento.

Até o fim da tarde de ontem, seis condomínios estavam sem gás no Distrito Federal, de acordo com o Sindicato dos Condomínios Residenciais e Comerciais (SindCondomínio-DF). Um deles era o Edifício Reserva, em Taguatinga, com 1.396 apartamentos sem gás na cozinha desde sexta-feira. Segundo o síndico, Bruno Silveira Costa, 32, a empresa responsável pelo abastecimento, a Ultragás, não fez a entrega marcada para 15 de maio, antes do início da greve dos caminhoneiros. “Eles alegaram que tiveram um problema e, depois, com todo o caos, informaram que não podiam realizar porque o material está preso nas rodovias. Erraram e nós estamos sofrendo as consequências”, reclamou.

Desde então, os moradores estão comendo em restaurantes ou usando panelas elétricas e microondas. “Isso faz com que tenhamos gastos altos e acarreta em uma indignação generalizada”, comentou Bruno. Por meio da central de atendimento, a empresa Ultragás informou que o protocolo de reabastecimento do condomínio foi aberto e repassado para a central de logística, que avaliará a situação da distribuição do produto na região para fornecer o serviço.

O presidente do SindCondomínio, José Geraldo Pimentel, se queixa de uma suposta falta de responsabilidade das empresas fornecedoras de gás. “O problema começou com a falta de compromisso das empresas, que não forneceram o abastecimento antes da greve”, afirmou. Pimentel faz um alerta: “A capacidade dos demais condomínios, em média, está em 40% que deve durar até sábado. Caso não ocorra um novo reabastecimento, poderemos entrar em colapso.”

Fila nas revendas

Filas se formam em frente aos pontos de revenda de gás de cozinha, à espera de um botijão. Ontem e na segunda-feira, alguns estabelecimentos receberam o produto, mas ele acabou rapidamente. Para evitar brigas, Áurea Alves, administradora de uma revenda no Pistão Sul, distribuiu senhas para os consumidores. “Tivemos de limitar a venda de um botijão por pessoa, porque o povo queria levar a mais para poder estocar, o que não seria justo com quem estava na fila”, contou.

O aposentado José Nilton Costa, 64 anos, saiu cedo de casa, no Areal, para comprar o produto na loja de Áurea, por R$ 80. “Estou há quatro dias sem gás em casa, por isso, tenho que comprar comida no Restaurante Comunitário de Samambaia. Assim não gasto tanto, porque não tenho dinheiro para ficar comprando comida em qualquer lugar. Está tudo muito difícil”, lamentou. Ele ficou três horas na fila.

O presidente do Sindicato das Empresas Transportadoras e Revendedoras de Gás LP do DF (Sindvargas), Sérgio Costa, culpa os bloqueios nas estradas pela escassez. “Apesar do comboio fornecido pela Polícia Rodoviária Federal e pelo Exército, os motoristas ainda temem pela integridade física deles e do produto, que é um material perigoso”, afirmou.

O governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), disse, ontem, que o Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-DF) fez uma blitz em pontos de vendas de botijões e autuou quatro estabelecimentos por causa de preços abusivos. De acordo com o Sindvargas, os valores médios de compra são de R$ 65 a R$ 95 para o botijão e, no caso de um vasilhame novo com o gás, de R$ 200 a R$ 220.

Falta soro

A prioridade zero do gabinete de crise do Governo do Distrito Federal ontem era o estoque de soro fisiológico nas unidades públicas de saúde. De acordo com o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, a capital consome, com internações e cirurgias diversas, 2,5 mil frascos de 500ml do medicamento por dia. Ontem, unidades com uma quantidade maior repassaram parte do insumo aos que haviam consumido tudo. A secretaria não informou os hospitais desabastecidos.

Homens do Exército buscaram o estoque de soro em uma fábrica em São Paulo (SP), transportado para Brasília por meio de um avião Hércules da Força Aérea Brasileira. “Deveria ter havido uma entrega esta manhã (ontem), mas a empresa informou que não conseguiu sair de São Paulo por dificuldades de transporte e de contratação de seguro da carga. Estamos abastecidos de todos os produtos necessários, mas a preocupação é que, na continuação da crise, ocorram novos desabastecimentos. Ainda temos uma pequena dificuldade com óleo de caldeira. Temos oxigênio até o fim de semana, mas esperamos conseguir mais para internações e centros cirúrgicos”, explicou Humberto Fonseca.

No primeiro dia após a Secretaria de Saúde (SES/DF) restabelecer o atendimento nas farmácias de alto custo, quem foi atrás de medicamento precisou de paciência para conseguir os remédios. E muita gente voltou para casa sem. Na 102 Sul, faltavam 42 dos 216 medicamentos entregues pela unidade. No local, os usuários começaram a ser atendidos às 8h.

A empregada doméstica Maria da Paixão Marques, 53 anos, chegou às 8h30. Ela saiu de casa, em Planaltina de Goiás, às 5h. Com artrose, a cada dois meses ela precisa buscar medicamentos na farmácia. “Um dos remédios que preciso é intravenoso e, se eu fosse comprar em uma farmácia, gastaria ao menos R$ 3 mil”, disse. Maria conseguiu os insumos após esperar mais de duas horas. “Depois da greve dos caminhoneiros, fiquei preocupada. Pensei que chegaria aqui e não encontraria os remédios. Para quem depende do serviço público, é muito triste essa situação”, desabafou.

A também doméstica Edinalda da Silva, 54, não teve a mesma sorte. Ela saiu do Guará I às 7h e, após esperar quase 30 minutos na fila da senha, recebeu a informação de que sua medicação estava sem estoque. “Disseram que não tem previsão de quando vai chegar. Não sei o que vou fazer, porque não tenho condições de comprar o remédio”, lamentou. Edinalda tem asma e disse que sem o medicamento é difícil controlar crises.