O Estado de São Paulo, n. 45473, 18/04/2018. Política, p. A4.

 

 

Aécio vira réu com base na delação do Grupo J&F

Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura

18/04/2018

 

 

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal aceitou ontem a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) pelos crimes de corrupção passiva e obstrução da Justiça com base na delação premiada do Grupo J&F. Aécio, ex-presidente nacional do PSDB, se tornou réu pela primeira vez no Supremo por causa do episódio em que foi gravado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, acionista da J&F, grupo dono da JBS. O tucano também é acusado de tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato.

Aécio é alvo de outros oito inquéritos que tramitam no Supremo – cinco com base na delação da Odebrecht, dois relacionados à colaboração do senador cassado Delcídio Amaral (ex-PT-MS) e outro caso do acordo da J&F. O senador mineiro deixou o comando do partido após as acusações.

Ontem, senadores tucanos e até deputados do grupo da bancada mineira procuraram dissociar o caso da imagem da legenda. A preocupação é evitar que o desgaste de Aécio atrapalhe a candidatura do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin ao Palácio do Planalto .

Esta foi a primeira vez que ministros do Supremo receberam uma denúncia baseada na delação da J&F. O julgamento da denúncia de Aécio levou ao centro do debate a questão sobre a validade das provas trazidas por Joesley no acordo de colaboração premiada, que é alvo de um pedido de rescisão da Procuradoria-Geral da República.

A Primeira Turma seguiu entendimento da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de que uma eventual rescisão do acordo com a J&F não anula as provas colhidas na delação. Advogados dos acusados exploraram as polêmicas que envolvem a colaboração do grupo. Entre elas, o envolvimento do exprocurador Marcelo Miller na negociação das delações dos executivos da J&F enquanto ainda ocupava o cargo na PGR.

 

Ação penal. O recebimento da denúncia fará com que seja aberta uma ação penal e aprofundadas as investigações contra o senador, sua irmã, Andrea Neves, o primo Frederico Pacheco de Medeiros e Mendherson Souza, ex-assessor do senador Zezé Perrella (MDB-MG), que se tornaram réus por corrupção passiva.

Em junho do ano passado, o Supremo firmou o entendimento de que as colaborações premiadas homologadas só podem ser revisadas pelo colegiado se o delator descumprir os termos firmados com o Ministério Público Federal ou se forem verificadas ilegalidades que possam motivar a anulação do acordo.

O ministro Alexandre de Moraes citou essa decisão. “A questão da revogação ou não, mesmo nulidade da delação, isso será no momento propício analisado pelo plenário. Não é a Turma que neste momento (que decidirá isso), não teríamos aqui nem a competência.”

Luís Roberto Barroso observou que a atuação de Miller, se trouxer a rescisão do acordo, não tornará nulas as provas trazidas na delação. Rosa Weber disse que a irregularidade em torno de Miller “não produz o efeito pretendido pela defesa, não implica a nulidade de provas”. Marco Aurélio Mello, relator, afirmou que eventual rescisão do acordo “não contamina o que foi noticiado em termos de crimes pelos colaboradores”.

A delação da J&F embasou duas denúncias contra o presidente Michel Temer, que foram barradas pela Câmara dos Deputados no ano passado.

 

Crimes. Por unanimidade, os ministros entenderam que há indícios suficientes para a configuração do crime de corrupção passiva. “Há indicativos de solicitação e percepção de vantagem indevida pelo detentor de mandato eletivo, com o auxílio da irmã, de Frederico Medeiros e Mendherson Souza”, afirmou o relator Marco Aurélio.

Na acusação de obstrução da Justiça, os ministros divergiram. Vencido, Moraes entendeu que a denúncia não deveria ser recebida por esta acusação. Ele considerou “bravatas” e “falso poder” as declarações de Aécio em ligações telefônicas sobre a escolha de delegados para conduzir inquéritos na Lava Jato, o que foi entendido pela PGR como obstrução.

 

PLACAR

● Primeira Turma do STF tornou Aécio réu pelos crimes de corrupção passiva (5 votos a 0) e de obstrução da Justiça (4 votos a 1)

 

Marco Aurélio Mello (relator)

Há transcrição de conversas telefônicas (...) Assim surgem sinais de prática criminosa.”

 

Luís Roberto Barroso

Nos dias de hoje ninguém sai por aí transportando pela estrada malas de dinheiro.”

 

Rosa Weber

“(Indícios são suficientes) Especificamente quanto ao crime de obstrução da Justiça.”

 

Luz Fux

“Aplicando princípio in dubio pro societate, acompanho o relator recebendo a denúncia.”

 

Alexandre de Moraes*

Em relação à corrupção, o conjunto probatório é suficiente para que seja recebida a denúncia.

*ACEITOU PARCIALMENTE A DENÚNCIA; NÃO RECONHECEU O CRIME DE OBSTRUÇÃO DA JUSTIÇA

 

INVESTIGAÇÃO

Acusação formal

Aécio foi denunciado em junho de 2017 pelo então procuradorgeral, Rodrigo Janot, com base na delação da J&F. Ontem, o senador virou réu no Supremo.

 

Ação penal

Com abertura de ação penal, terá início nova fase, com produção de provas e depoimentos de testemunhas. O julgamento final no STF não tem data marcada.