Título: Êxito da decisão do Supremo cabe ao Sus
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2012, Opinião, p. 20

O Supremo Tribunal Federal decidiu pelo direito de as mulheres abortarem fetos sem cérebro. Passaram-se quase oito anos do início das discussões. Foi, segundo ministros da Corte, um dos julgamentos mais difíceis da história do Judiciário. Muitos consideravam que o martelo deveria ser batido pelo Congresso, antecedido de amplos debates dos diferentes grupos de interesses. Mas o Legislativo, além de se esquivar de questões polêmicas, sofre pesada pressão da bancada religiosa.

Por oito votos a dois, o STF pôs fim às discussões. Mas não aos problemas. Doravante, a mulher tem assegurado o exercício da escolha. Pode levar a gravidez até o fim. Ou interrompê-la se achar conveniente. A opção é dela. Trata-se de avanço nas reivindicações feministas. Nada mais libertador que a possibilidade de eleger.

Até a histórica deliberação de quinta-feira, a gestante precisava recorrer à Justiça para fazer valer a vontade de não carregar um natimorto por nove meses. Passado o período de espera, em vez de levar o filho para casa, acompanhava o cadáver ao cemitério. Não raras vezes, a lentidão da Justiça lhe contrariava o desejo.

Agora não há necessidade de suplicar concessão. O direito é indubitável. Mas transitar da teoria à prática implica percorrer longo caminho. Além da exigência de diagnóstico 100% correto, há que garantir atendimento médico, leito hospitalar e assistência psicológica. O Conselho Federal de Medicina criou comissão para fixar critérios aptos a evitar erros no laudo. Espera-se que chegue à conclusão sem demora.

Considerada a delicadeza do dilema proposto (abortar ou manter a gravidez) em face dos valores morais e religiosos da sociedade, impõe-se preparar unidades do SUS para acolher a gestante. Ela não pode ser tratada como a maioria das parturientes. Precisa de cuidados especiais. Segundo o Ministério da Saúde (MS), o Brasil terá, até o fim de 2012, 95 hospitais da rede pública qualificados para realizar o aborto de fetos anencéfalos.

Hoje, de acordo com o MS, existem 65 unidades preparadas para o procedimento nos casos de estupro ou risco à vida da gestante. Elas têm, diferentemente dos demais hospitais, quadro de funcionários treinados e, por isso, aptos ao atendimento diferenciado que se exige. Urge apressar o passo. Os 26 estados e o Distrito Federal têm de contar com unidades de referência suficientes. Só traduzida em atos, a conquista garantida pelo STF será completa.