Título: A armadilha do status quo
Autor: Tuly, Hassan
Fonte: Correio Braziliense, 14/04/2012, Opinião, p. 21
A América Latina se insere na VI Cúpula das Américas, em Cartagena, ostentando posição única no cenário global — em forte contraste com a reunião de Trinidad e Tobago, realizada há quase três anos. Naquela época, havia o temor de que a crise financeira global de 2009 (que não fora criada pela região) acabaria com muitos ganhos econômicos e sociais conquistados na década anterior, resultado de sólidas decisões econômicas e políticas.
Como pudemos testemunhar, nada disso aconteceu, especialmente na América do Sul. A região emergiu do furacão global praticamente ilesa e hoje está em posição privilegiada para enfrentar os desafios que potencialmente podem surgir no caminho do crescimento contínuo das oportunidades para todos.
Ao tirar 73 milhões de pessoas da pobreza moderada, simultaneamente melhorando índices de desigualdade social da última década, a região claramente provou que criar mais oportunidades para o progresso traz benefícios à economia e vice-versa. Também fez grandes avanços na arena internacional.
Hoje, o México lidera o G-20, do qual a Argentina também é membro ativo, e o Brasíl é integrante dinâmico dos Bric e a sexta economia do mundo. Na área comercial, os acordos de livre comércio dos Estados Unidos com a Colômbia e o Panamá reconhecem o crescente papel das duas dinâmicas economias.
Tendo nascido e sido criado em país de renda média como a Turquia, eu seria descuidado se não mencionasse a natureza similar dos obstáculos ao desenvolvimento que se apresentam tanto para o meu país quanto para as economias da América Latina. Em ambas as situações, os países precisam evitar a armadilha do status quo – a armadilha da renda média, que descreve a situação da qual países não conseguem escapar das desigualdades sociais apesar de apresentarem melhoras marginais.
Para evitar a cilada, a região deve valer-se do sucesso das exportações de commodities para aprofundar as iniciativas visando ao aumento do valor agregado da produção para os mercados internos e externos. É salto quântico, capaz de produzir empregos de boa qualidade, que só podem ser alcançados se o foco da região for travar o bom combate pela produtividade e competitividade.
A experiência do Sudoeste da Ásia e a de meu próprio país mostra que, para romper a nova barreira, é necessário abordar problemas do século 20 como os gargalos de produção. Obviamente, devem ser abordados sem que os ganhos sociais dos últimos anos sejam negligenciados, mantendo as iniciativas que favorecem os ainda não beneficiados pela prosperidade regional.
Escapar da armadilha do status quo requer abordar várias questões pendentes: redução do custo logístico, atualmente bem acima da média dos países da OCDE ou de Cingapura; renovação de infraestruturas defasadas ou deterioradas por desastres naturais; modernização do sistema educacional que não produz as habilidades necessárias para os mercados atual e futuro; modernização de um Estado que não é suficientemente eficiente para oferecer os serviços básicos demandados pela população.
Essa agenda não pode ser refém dos altos e baixos do ciclo político. A região tem abundantemente demonstrado que a continuidade de políticas sociais e econômicas fundamentais é garantia para o sucesso. Agora é a hora de pôr a agenda em prática. A oportunidade apresenta-se para ser aproveitada neste momento. Esperar por outro dia ou pelo próximo governo para agir significa abrir mão de muito em um mundo que parece não esperar.
A China está repensando seu atual papel econômico e pesando as reformas necessárias para assumir liderança em 2030. A América Latina não fica atrás. Em conjunto com nossos parceiros regionais, vamos continuar a ajudar os governos a transformar desejos em realidades, removendo os obstáculos para desenvolvimento mais inclusivo e para que esta realmente seja a década da América Latina.