Correio braziliense, n. 20094, 28/05/2018. Mundo, p. 12

 

Polarização nas urnas

28/05/2018

 

 

COLÔMBIA » Futuro presidente será escolhido em segundo turno entre candidatos antagônicos: o direitista conservador Iván Duque e o esquerdista radical Gustavo Petro. O pacto firmado com as Farc em 2016 guiou os debates na primeira etapa da disputa

Um país cuja história recente foi impactada por um histórico acordo de paz firmado em 2016 mostrou nas urnas o quanto continua dividido. A Colômbia foi ao primeiro turno das eleições presidenciais pautada pelo pacto com as Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc) e não chegou a um consenso. Terá um segundo turno entre candidatos de polos extremos.  O candidato da direita conservadora Iván Duque, do partido Centro Democrático, recebeu 39% dos votos e vai para a disputa final, em 17 de junho, com o esquerdista radical Gustavo Petro, do Colômbia Humana, que obteve 25% dos votos.

Ambos os candidatos comemoram o desempenho nas urnas ressaltando que tentarão enriquecer o debate político no segundo turno. “Digo a Gustavo Petro que estamos prontos para debater nossas ideias, e sabemos que os interesses do povo colombiano estão acima das lutas ideológicas. Essa campanha não pode se limitar a discursos emotivos”, discursou Duque.

Petro tentou desvincular sua imagem do radicalismo e valorizou a pluralidade. “Muitos creem que vamos tomar caminhos ditatoriais que retiram a liberdade e a democracia. Sei que existe esse temor, mas não utilizaremos instrumentos do Estado para perseguir a oposição. Agora, sim, podemos afirmar que o pluralismo pode ser uma arma da democracia. Essa diversidade é nossa maior riqueza.”

Um dos pontos marcantes do primeiro turno foi o primeiro voto de Rodrigo Lodoño, conhecido à época de guerrilheiro como Timochenko, ex-chefe máximo das Farc e hoje dirigente do Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc), o partido originado da guerrilha. Ele desistiu de se candidatar devido a problemas de saúde. Aos 59 anos, confessou ter ficado nervoso e foi tomado pela emoção diante das urnas. Questionado se teme que o novo presidente altere o acordo de paz, Lodoño afirmou que “toda mudança traz temor”, mas acrescentou que “é preciso criar expectativas”.

O ex-guerrilheiro também pregou a reconciliação entre os colombianos. “Acredito que a Colômbia quer transitar pelo caminho da paz e da reconciliação para construir a paz. Acredito que a grande maioria está aqui por isso e tenho certeza de que vamos nos expressar dessa forma”, disse o ex-guerrilheiro. “Estamos aqui vivendo um momento muito especial, o convite é para que todos exerçam esse direito e vamos fazer desse dia um dia de reconciliação.”

Tranquilidade

Autoridades governamentais destacaram o “sucesso” e a normalidade do processo na eleição presidencial. Segundo o secretário nacional Juan Carlos Galindo, todas as 11.233 mesas de voto funcionaram sem qualquer inconveniente. “Houve cerca de 52 transferências de assembleias de voto, cerca de 205 mesas, por razões de clima de inverno, nenhuma de ordem pública”, completou.

As mesas de votação foram fechadas às 16h (18h, em Brasília), após oito horas de pleito. Galindo disse que, de acordo com dados preliminares, até as 13h30, 12,3 milhões colombianos haviam exercido o direito de votar, número considerado “um fato histórico nas eleições presidenciais da Colômbia”. Eram esperadas 36 milhões de pessoas, mas o histórico de comparecimento às urnas tem sido baixo. No primeiro turno das eleições presidenciais de 2014, a taxa de abstenção foi de 61%. Nas eleições para o Senado, em março deste ano, 52%.

Também disputaram as eleições o candidato independente de centro Sergio Fajardo (23%), o ex-vice-presidente Germán Vargas (7%), o ex-negociador de paz com as Farc Humberto de la Calle (2%) e o evangélico Jorge Trujillo (0,3%). Nenhum candidato reivindicou as bandeiras de Santos, que deixará o poder em agosto, após dois mandatos de quatro anos marcados pela baixa popularidade.

Em sua tentativa para selar uma paz completa, Santos segue dialogando com o Exército de Libertação Nacional (ELN) e combatendo dissidentes das Farc e quadrilhas de narcotraficantes. O ELN declarou uma trégua unilateral devido às eleições e, segundo o ministro colombiano do Interior, Guillermo Rivera, cumpriu com o anunciado para “permitir à sociedade colombiana se expressar nas eleições”.

Frases

"Não utilizaremos instrumentos do Estado para perseguir a oposição. Agora, sim, podemos afirmar que o pluralismo pode ser uma arma da democracia”

Gustavo Petro, candidato do Colômbia Humana

"Sabemos que os interesses do povo colombiano estão acima das lutas ideológicas. Essa campanha não pode se limitar a discursos emotivos”

Iván Duque candidato do Centro Democrático

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Desafios vão além do acordo de paz

28/05/2018

 

 

A implementação do acordo que desarmou as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), transformadas em um partido político com a mesma sigla, não é a única demanda urgente dos colombianos, embora seja um dos grandes desafios do próximo presidente do país. Para 19,2% da população, conforme o instituto de pesquisa Invamer, o atendimento à saúde é a principal preocupação, seguida da corrupção (18,8%) e do desemprego (16,2%), um problema que afeta 10,8% dos trabalhadores e corresponde ao segundo maior índice na América Latina, atrás apenas do Brasil (13,1%, segundo o IBGE).

Na política externa, o próximo presidente terá a deteriorada relação com a Venezuela entre as prioridades. Principal opositor do regime chavista na América Latina, Juan Manoel Santos, atual governante, tem enfrentado uma crescente imigração de venezuelanos que cruzam a fronteira para buscar melhores condições de vida na Colômbia. Nos últimos dois anos, entraram no país 762.000 venezuelanos, dos quais 518.000 não pretendem retornar. Bogotá praticamente não tem relações com o governo de Nicolás Maduro.

O clima entre os vizinhos tende a se desgastar ainda mais depois que a Colômbia formalizar, nesta semana, o ingresso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na qualidade de “primeiro sócio global” latino-americano. Para Caracas, por trás dessa aliança com os Estados Unidos e outras potências, está uma estratégia de desestabilização política no continente.

“A Venezuela denuncia (...) a intenção das autoridades colombianas de se preparar para introduzir na América Latina e no Caribe uma aliança militar externa com capacidade nuclear, o que, sob todas as luzes, constitui uma séria ameaça para a paz e a estabilidade regional”, destacou um comunicado da chancelaria venezuelana.

19,2%

Quantidade de colombianos que apontam o atendimento à saúde como o ponto mais crítico no país, segundo o instituto de pesquisa Invamer