Correio braziliense, n. 20123, 26/06/2018. Mundo, p. 13

 

Aplausos tímidos a Erdogan

26/06/2018

 

 

EUROPA » Aliados cumprimentam o presidente da Turquia reeleito em primeiro turno, mas ressaltam a importância da democracia. Novo mandato terá poderes ampliados para o chefe do Executivo, que governará por mais cinco anos com maioria absoluta no parlamento

Em meio a observações contidas sobre o valor da democracia e do Estado de direito, os aliados europeus e ocidentais cumprimentaram ontem o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, pela reeleição conquistada no domingo, em primeiro turno. Com pouco mais de 53% dos votos, o islamista conservador não apenas garantiu mais cinco anos à frente do país: graças a uma reforma constitucional aprovada em referendo no ano passado, ele assumirá o novo mandato com poderes ampliados — que, segundo os adversários, colocam o país no caminho de um regime autoritário.

“Quero felicitar o presidente Erdogan pela reeleição. Também felicito o povo turco pela elevada taxa de participação nas eleições”, disse o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, ao chegar a uma reunião com os ministros europeus da Defesa e das Relações Exteriores da aliança, em Luxemburgo. Embora não faça parte da União Europeia (UE), a Turquia tem importância estratégia para o bloco militar liderado pelos EUA desde a Guerra Fria (1925-1991), pela posição estratégica na passagem entre a Europa e a Ásia.

“A Turquia é um aliado-chave para a Otan”, reiterou Stoltenberg, lembrando a “posição geográfica estratégica” e a participação do governo de Ancara na luta contra o terrorismo, em particular no enfrentamento com o Estado Islâmico (EI), durante a guerra civil na Síria. O líder político da aliança lembrou, porém, que o pacto formado para conter a expansão da hoje extinta União Soviética “se baseia em alguns valores fundamentais, como a democracia, o Estado de direito e a liberdade individual”. Em tom semelhante, os Estados Unidos também ressaltaram a vitória de Erdogan e encorajaram o presidente reeleito a “dar passos para fortalecer a democracia”.

O presidente turco recebeu ainda as congratulações de um aliado incômodo para o Ocidente — o presidente da Rússia, Vladimir Putin, considerado uma nova ameaça à Europa pelo comando da Otan. Em telegrama, Putin afirmou que os resultados de domingo “credenciam plenamente a grande autoridade política de Recep Tayyip Erdogan”, informou o Kremlin em um comunicado. A vitória em primeiro turno, diz o texto, confirma “o amplo apoio (dos eleitores) ao rumo marcado sob sua liderança nos temas sociais e econômicos que a Turquia enfrenta e o reforço da posição do país em termos de política externa”.

Embora tenham tomado partidos opostos na guerra da Síria — Moscou apoia o regime de Damasco e Ancara se aliou a grupos de oposição —, os dois presidentes se reuniram oito vezes no ano passado para negociar acordos parciais sobre o conflito. “O presidente Putin confirmou que está pronto a continuar um diálogo sustentável e um trabalho bilateral estreito em torno da agenda regional e internacional”, diz o comunidado do Kremlin.

“Lição”

Erdogan, que se antecipou em proclamar a própria vitória ainda na madrugada, diante das primeiras parciais da apuração, voltou a se pronunciar ontem para correligionários reunidos diante da sede do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP). “ Turquia deu uma lição de democracia ao mundo”, discursou o presidente, que governa o país desde 2003 — até 2014 como primeiro-ministro. “A vencedora destas eleições é a democracia, a vontade nacional. O vencedor é cada um dos 81 milhões de nossos concidadãos.”

Com uma taxa de participação de 88% dos eleitores, Erdogan se impôs com 53,6% e uma vantagem superior a 20 pontos para o segundo colocado, Muharrem Ince, do Partido Republicano do Povo (CHP, centro-esquerda), que obeteve 30,7%. Mais importante para o presidente, o AKP manteve a maioria absoluta no parlamento, com votação semelhante à do candidato presidencial. A aliança de oposição costurada para a disputa do Legislativo somou 31%. Embora tenha admitido a derrota, o candidato do CHP classificou a eleição como “injusta”, por ter sido antecipada e conduzida com o país sob estado de emergência. Ele alertou que, com a ampliação dos poderes do presidente, a Turquia “passa a ter um regime autocrático”.

Frase

“A Turquia é um aliado-chave para a Otan”

Jens Stoltenber, secretário-geral geral a Organização do Tratado do Atlântico Norte