Título: De senador a lobista
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Fonte: Correio Braziliense, 15/04/2012, Política, p. 2

Novas gravações da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, reforçam as promessas de ingerência do senador goiano Demóstenes Torres (sem partido-GO), por determinação do bicheiro Carlinhos Cachoeira, em questões internas do Ministério Público (MP) de Goiás. Nas conversas, o contraventor ordena que o parlamentar acione o irmão Benedito Torres, procurador-geral da Justiça de Goiás, para resolver assuntos de interesse do bicheiro. Ontem, o procurador-geral do estado, Ronald Bicca, entregou o cargo, após as revelações publicadas pelo Correio.

Em uma das interceptações telefônicas, de maio do ano passado, Cachoeira pede a Demóstenes que consiga um promotor de Justiça goiano com posicionamento público contra a permanência da transportadora Gabardo (que aparece nas gravações como Gabarno) no Distrito Agroindustrial da cidade de Anápolis. Cerca de 20 dias depois, Cachoeira telefona para o senador e se queixa de que a procuradora de Anápolis designada para dar as declarações encomendadas pelo bicheiro não teria se posicionado contra a empresa. "(...) Ela falou "não, não tenho nada contra essa empresa aqui não, não vou fazer nada não"", reclamou o contraventor.

Demóstenes diz estranhar a situação porque, segundo o senador, naquela mesma manhã teria conversado com seu irmão sobre o tema, que teria telefonado em sua presença para a promotora. "Vou ligar lá, é estranho, hein? Até hoje, cedo, ele (Benedito Torres) foi e ligou de novo lá na minha frente, eu vou falar lá, ok?", diz. Cachoeira enquadra Demóstenes: "Tá bom, pô, mas é um absurdo (...)".

No mesmo dia, cerca de duas horas mais tarde, Demóstenes liga para Cachoeira e tranquiliza o bicheiro. Cachoeira vai direto ao assunto: "Conseguiu falar com ele (Benedito Torres)?". Demóstenes diz que está esperando um retorno e que a tal promotora de Anápolis estaria "investigando o trem".

Outro áudio da PF revela que Cachoeira telefonou para Demóstenes para pedir que Benedito Torres "segure uma promotora", chamada Sandra Lemos — ela seria transferida da comarca de Catalão para Valparaíso, no Entorno do DF. Nas gravações, o senador retorna os pedidos de Cachoeira, alegando ter acertado com Benedito o atendimento às ordens do bicheiro. Ao contrário do que desejava Cachoeira, no entanto, a transferência da promotora acabou ocorrendo, em fevereiro deste ano.

Perseguição Em um momento de desabafo, Demóstenes, que sempre trata Cachoeira por "professor", revela sua desconfiança de que esteja sendo seguido: "Rapaz, você sabe que eu tô com a sensação ruim de que tem alguém me seguindo... Eu não sei se tô ficando doido... toda hora tem aquele trem... tô meio... ficando maluco... estressado", diz. Cachoeira afirma estar atento e mostra-se confiante: "Tem nada. O povo não é doido não. Na hora que eu chego aí, fico olhando e não tem ninguém aí não...", afirma Cachoeira.

A defesa de Demóstenes alega que Benedito Torres "não tinha conhecimento das relações de Cachoeira com o irmão" e que o procurador-geral sabia das investigações, mas "nunca avisou nada" ao senador. "Meu irmão fez o trabalho que tinha que fazer, nunca comentou comigo sobre essa investigação", alegou o senador à sua defesa, ontem, após a reportagem do Correio.

Segundo a defesa de Demóstenes, não houve decisão do seu irmão no Ministério Público goiano que "pudesse justificar qualquer favorecimento a Cachoeira". Os advogados do senador afirmam que não comentarão episódios pontuais das gravações, já que a defesa se baseia na tese de que as escutas com conversas de Demóstenes devem ser invalidadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, na sexta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski negou pedido de liminar para a suspensão do inquérito que tramita na Corte. A validade das provas será analisada quando a liminar for julgada em plenário.