Correio braziliense, n. 20122, 25/06/2018. Mundo, p. 10

 

Efeitos colaterais

Rodrigo Craveiro

25/06/2018

 

 

ESTADOS UNIDOS » Política de separação de crianças migrantes ilegais dos pais e atritos com aliados, durante a cúpula do G7, podem prejudicar republicanos nas eleições legislativas, alertam especialistas. Trump teria firmado ordem executiva para reduzir impacto

Na política externa, troca de farpas, desavenças e mal-estar com aliados históricos durante a cúpula do G7 — o grupo de países mais industrializados do mundo. No cenário doméstico, um escândalo de proporções globais: mais de 2 mil crianças migrantes foram retiradas dos pais após atravessarem clandestinamente a fronteira entre os Estados Unidos e o México. Depois de tentar apaziguar os ânimos com parceiros comerciais, incluindo a França e o Canadá, o presidente norte-americano, Donald Trump, se viu forçado a ceder à pressão do próprio Partido Republicano e da comunidade internacional e assinou decreto no qual pôs fim à prática da separação de famílias de ilegais. A 134 dias das eleições legislativas de meio de mandato, consideradas cruciais para o projeto político da Casa Branca, especialistas admitem ao Correio que as mais recentes polêmicas envolvendo Trump podem surtir efeitos negativos nas urnas. Pesquisa feita pela Universidade Quinnipiac, em 18 de junho, mostrou que 66% dos eleitores do país se opõem à política de separação de crianças migrantes e pais. Na semana passada, até mesmo vozes republicanas ecoaram em dissonância com a “tolerância zero” implementada pelo governo.

A possível perda do controle da Câmara dos Deputados, em 6 de novembro, pode complicar a governabilidade de Trump e abrir caminho para um processo de impeachment, em meio às acusações de interferência da Rússia nas eleições presidenciais de 2016. Diretor do Centro para Política da Universidade da Virgínia, Larry Sabato vislumbra uma profunda polarização entre os eleitores americanos. “Apesar de muitos simpatizantes de Trump se colarem a ele, a clara maioria da população não apoia o atual presidente e se mostrou chocada com o seu comportamento rude e inútil durante a cúpula do G7”, afirmou. “A questão da separação das crianças migrantes é um desastre de relações públicas, tanto para Trump quanto para os republicanos. Certamente, isso não ajudará os governistas em novembro. Os quatro meses até as eleições são um longo tempo, especialmente se levarmos em conta o ritmo com que Trump cria notícias.”

Por sua vez, Michelle Mittelstadt — diretora de comunicações do Instituto de Política de Migração (em Washington) — explicou que, apesar de as taxas de aprovação de Trump terem aumentado e de ele contar com elevado grau de apoio dentro da base republicana, a condenação disseminada da política de separação de famílias foi fundamental para a reversão da medida pela Casa Branca. “Parece claro que o presidente não teria assinado a ordem executiva, ao menos que o governo reconhecesse que as imagens das crianças chorando danificaria o seu apoio político”, observou. Segundo ela, os congressistas republicanos, cautelosos em desafiar Trump, se mostraram bastante desconfortáveis com a “tolerância zero” em relação aos migrantes. “Isso pode ser interpretado como um sinal de que os governistas reconhecem um possível prejuízo no desempenho republicano durante as eleições de meio de mandato.”

Culpabilidade

Nos últimos dias, Trump tratou de politizar a polêmica migratória. Chegou a atribuir responsabilidade aos democratas, por não cederem em um projeto de lei com medidas mais conservadoras e por se oporem à construção do muro fronteiriço. Para James N. Green, historiador da Brown University, Trump encerrou a prática de separação das crianças por compreender a extensão dos danos políticos. “A ordem executiva foi desenhada para colocar toda a culpa sobre os democratas, sem reconhecer que os republicanos, que detêm maioria na Câmara, foram incapazes de obter apoio suficiente entre os conservadores para aprovar a nova lei de imigração”, declarou. “Agora que está se tornando claro que a reforma tributária não favorecerá a classe média ou os mais pobres, os republicanos creem que podem mobilizar sua base para ir às urnas em novembro ao redor de temas da imigração.” Green criticou o magnata por apresentar uma “série de falsas alegações” sobre a natureza perigosa dos migrantes. “Não há provas de que eles tenham qualquer efeito real sobre o crime ou sobre danos à economia.”

Steven Camarota, diretor de Pesquisa do Centro para Estudos de Imigração (CIS), um instituto em Washington que examina as consequências da imigração legal e ilegal nos Estados Unidos, lembra que a maior parte dos americanos pensa que os pais têm mais culpa do que Trump por levarem seus filhos ilegalmente aos EUA. “É difícil saber como o tema influenciará as eleições. Em geral, os americanos são favoráveis à aplicação da lei. A votação ocorrerá daqui a quatro meses e outros temas, provavelmente, serão muito mais importantes nas eleições. Se os republiccanos perdererem a Câmara, parece certo que será devido a outros fatores, que não a imigração.”

Pontos de vista

Por Michelle Mittelstadt

Promessa na economia

“Trump tem uma notável habilidade de manter o apoio de sua base eleitoral, mesmo em face de controvérsias que teriam destruído outros políticos. É muito cedo afirmar se essa crise na fronteira surtirá efeitos duradouros na maior parte de seus simpatizantes mais fervorosos. Provavelmente, ela teve mais impacto em sua base e no Partido Republicano entre os eleitores do sexo feminino e os independentes, os quais não têm sido prioridade para Trump e seus aliados. Os congressitas republicanos se encaminhavam para eleições difíceis na Câmara e, certamente, isso não ajudaria em suas chances. No entanto, o partido e a Casa Branca esperam que uma economia forte e a reorientação sobre cortes de impostos os ajudem a manter o controle do Senado — até com a obtenção de mais cadeiras — e a reduzir as perdas esperadas na Câmara.”

Diretor de comunicações do Instituto de Política de Migração (em Washington)

Por Steven Camarota

Derrota habitual

“É difícil saber, de um jeito ou de outro, se essa crise ajudará ou causará danos aos republicanos. Entre os simpatizantes de Trump, a atenção que o tema das famílias separadas na fronteira obtém da mídia provavelmente conta relativamente pouco. Se ele justificar tal política como algo necessário para reforçar a fronteira, isso poderia até mesmo ajudá-lo. No entanto, a eleição está muito distante e, embora a questão possa interessar a muitos repórteres, é considerada de baixa evidência para a maioria dos eleitores. Normalmente, o presidente em exercício perde assentos no Congresso nessas eleições. Tanto Bill Clinton quanto Barack Obama perderam o controle da Câmara em suas primeiras eleições de meio de mandato em 1994 e em 2010. Esta é a norma. George W. Bush não passou por causa dos atentados de 11 de setembro de 2001.”

Diretor de Pesquisa do Centro para Estudos de Imigração (CIS), em Washington

Por James N. Green

Queda entre as mulheres

“Enquanto alguns republicanos foram forçados a se opor a Trump em relação ao tema da separação familiar, são muito poucos aqueles dispostos a confrontá-lo diretamente e a desafiar suas políticas. O apoio de Trump entre os republicanos não está em declínio. A queda ocorre em um grupo demográfico muito importante, a saber, mulheres brancas suburbanas de educação superior, as quais votaram nele nas últimas eleições, mas são contrárias às suas políticas de imigração. Ele pode perdê-las para os democratas durante as eleições de novembro. Em relação ao papel de Trump durante a cúpula do G7, infelizmente, a vasta maioria dos eleitores americanos prestam muito menos atenção à política externa do que se esperaria. Os 51% que são desfavoráveis a respeito do governo também são contra a política externa.”

Historiador da Brown University (em Rhode Island)