Correio braziliense, n. 20122, 25/06/2018. Mundo, p. 11
Erdogan, o superpoderoso
25/06/2018
TURQUIA » Conservador é reeleito em primeiro turno, mantém a maioria no Parlamento e terá novo mandato reforçado por uma reforma que liderou
A Turquia amanhece hoje com um presidente ainda mais poderoso. Recep Tayyip Erdogan, ao contrário do que sugeriam as pesquisas, foi reeleito em primeiro turmo e conseguiu manter a maioria no Parlamento, o que abre caminho para um novo mandato de cinco anos fortalecido por uma reforma constitucional que ele aprovou no ano passado, por meio de um referendo.
“É uma vitória da democracia. Espero que ninguém tente danificar a democracia jogando sombras sobre o resultado da votação para esconder o próprio fracasso”, comemorou o conservador, antes mesmo de uma declaração oficial das autoridades eleitorais.
Com 97,7% dos votos apurados, o diretor do Alto Comitê Eleitoral (YSK), Sadi Guven, anunciou a vitória de Erdogan. A declaração foi comemorada na sede do partido do presidente turco, o AKP. Sadi Guven observou que, embora ainda houvesse células a serem apuradas, elas não seriam suficientes para reverter a vitória. O diretor do YSK não citou percentuais da votação, mas a agência de notícias estatal, Anadolu, informou que, naquela fase da apuração, o presidente havia recebido 52,5% dos votos, além de triunfado na votação legislativa, mantendo, assim, a maioria no Parlamento.
O principal adversário de Erdogan na corrida presidencial, o candidato do Partido Republicano do Povo (CHP), Muharrem Ince, ficou em segundo lugar, com 30% dos votos. A oposição criticou o fato de o presidente ter comemorado a reeleição antes da declaração oficial do YSK e denunciou a ocorrência de fraudes em várias zonas eleitorais, como tentativas de encher urnas e intimidação de eleitores.
“Revolução democrática”
Na eleição legislativa, a coalizão liderada pela legenda de Erdogan, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP), venceu com 53,82% dos votos uma aliança formada por várias forças de oposição, que ficaram com 34%, segundo a Anadolu. Erdogan está há 15 anos no poder — inicialmente como primeiro-ministro, depois como presidente — e, agora, se impõe mais que nunca como o mais poderoso líder turco desde o fundador da República, Mustafa Kemal. Após votar em Istambul, o conservador defendeu a reforma constitucional, que ele classifica de revolução democrática, enquanto seus partidários gritavam seu nome em frente ao colégio eleitoral. O chefe de Estado convocou as eleições durante o estado de emergência e mais de um ano antes da data prevista. Foi, porém, surpreendido pelo agravamento da situação econômica e por uma oposição unida.
Vendo nas atuais eleições a última chance de deter Erdogan na busca por um poder incontestável, partidos tão diferentes quanto o CHP (social-democrata), o Iyi (nacionalista) e o Saadet (islamita) formaram uma aliança sem precedentes para as legislativas, com o apoio do HDP (pró-curdo). O social-democrata Ince, um deputado tenaz, acabou emergindo como o principal rival, atraindo multidões em todo o país e despertando uma oposição atordoada por suas sucessivas derrotas.
Durante a campanha, o presidente turco adotou uma postura defensiva, prometendo, por exemplo, levantar rapidamente o Estado de emergência ou acelerar o retorno dos refugiados sírios ao país de origem, mas somente depois de Ince ter prometido o mesmo. O opositor conduziu uma campanha enérgica, prometendo reverter a transição para um regime presidencial, que entrará em vigor após as eleições.
Segundo Erdogan, essa reforma constitucional, que elimina o cargo de primeiro-ministro e permite que o presidente governe por decreto, é necessária para dotar o país de um Executivo forte e estável. Mas seus oponentes o acusam de querer monopolizar o poder.
___________________________________________________________________________________________________________________________________________
Um lugar na história
25/06/2018
Há 15 anos no poder, Recep Tayyip Erdogan, 64, transformou profundamente a Turquia e, nestas eleições, mediu forças para entrar definitivamente para a história, igualando-se ao fundador da república, Mustafa Kemal. A passagem pela prisão, os grandes protestos e uma sangrenta tentativa de golpe de Estado não conseguiram deter a ascensão do rais (chefe), como o chamam seus partidários.
Ele deixou sua marca com megaprojetos de infraestrutura e uma política externa firme e incômoda aos tradicionais aliados ocidentais. Promoveu reformas que libertaram a maioria religiosa e conservadora do país da dominação das elites laicas. Já os críticos o acusam de uma deriva autocrática, principalmente desde a tentativa de golpe de 2016, à qual se seguiram expurgos em massa.
Conhecido como bom orador, Erdogan venceu todas as eleições desde que seu partido, o AKP, chegou ao poder em 2002. Casado e pai de quatro filhos, ele nasceu em Kasimpasa, bairro operário de Istambul, e faz alarde com frequência de suas origens humildes. Educado em colégio religioso, o ex-ambulante sonhava ser jogador de futebol antes de se lançar à política pelo movimento islamista.
Em 1998, foi condenado à prisão por recitar um poema religioso, o que acabou por reforçar sua imagem. Triunfou em 2002, quando o AKP venceu as eleições legislativas e se tornou primeiro-ministro um ano depois, ao ser anistiado da pena de prisão. Com esse histórico, Erdogan é considerado por muitos turcos o único capaz de se manter firme diante do Ocidente e de guiar o país por meio das crises regionais.