Valor econômico, v. 18, n. 4486, 19/04/2018. Opinião, p. A14.

 

Opinião econômica de Joaquim Barbosa quando ministro do STF

Pedro Fernando Nery

19/04/2018

 

 

Cresce o interesse pela candidatura de Joaquim Barbosa, junto com as dúvidas sobre o que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), conhecido pelo combate à corrupção, pensa sobre a economia. Além das poucas entrevistas que Barbosa deu no período recente, como a de setembro passado neste Valor ("O nome da trégua"), tem restado o telefone sem fio em relatos de quem esteve com ele.

Entretanto, no período em que Joaquim Barbosa foi ministro, o Supremo debateu diversas ações que tentavam derrubar reformas tanto do período FHC quanto do período petista, frequentemente com divergência entre os ministros. Existem, portanto, diversos votos de Joaquim Barbosa sobre assuntos econômicos que ainda não saíram da pauta nacional. E eles são compatíveis com a agenda de reformas.

Do governo tucano, a quebra do monopólio estatal do petróleo foi considerada constitucional pelo STF, com voto de Barbosa, em duas ações diretas de inconstitucionalidade. Seu voto divergiu do relator, Ayres Britto, indicado por Lula junto com ele ao STF. Para Barbosa, a propriedade do petróleo pela União não deveria ser confundida com monopólio da exploração. Ele ressaltou que concessões à iniciativa privada se justificam se o Estado não tem recursos para prestar todos os serviços públicos ou se lançar em atividades de alto risco.

Ainda do governo Fernando Henrique, Joaquim Barbosa votou a favor da lei complementar dos pisos salariais estaduais, que diminui a pressão por aumentos do salário mínimo nacional. Também em relação ao salário mínimo, esteve com a maioria em um 7x3 que validou a política de valorização de Dilma, questionada por prever o reajuste de 4 anos de uma única vez, e não anualmente. A medida dá maior previsibilidade aos empregadores e às próprias contas públicas, pela vinculação dos gastos da Seguridade.

Do governo Lula, em um disputado 7x4, foi a favor do status de ministro para o presidente do Banco Central: "O Banco Central não é tecnicamente subordinado ao Ministério da Fazenda". Também defendeu a constitucionalidade da nova lei das falências.

Esteve vencido do lado menos corporativista em ações impetradas por associações de juízes questionando normas internas de tribunais, como quando o Supremo decidiu ser inconstitucional tribunal proibir juízes de darem aulas no horário de expediente.

Em especial, chama muito a atenção os posicionamentos de Barbosa em relação à reforma da previdência dos servidores de Lula e, mais recentemente, aumentos das alíquotas de contribuição pelos Estados. No caso das ações que questionaram a criação da contribuição de servidores inativos da reforma de 2003, Barbosa abriu a divergência que terminou vitoriosa, 7x4, garantindo a mudança. Relatora e MPF diziam que a contribuição era inconstitucional.

(...)

Os argumentos do ex-ministro continuam válidos, até porque respondem a críticas que a reforma atual sofre. Sobre o argumento de que os servidores possuem direito adquirido (ou "direito subjetivo incorporado ao patrimônio jurídico"), criticou o que chamou de "construção intelectual conservadora e antidemocrática" que abstrai "valores igualmente protegidos por nosso sistema constitucional", chamando atenção para as desigualdades do país.

Ainda no julgado da reforma de Lula, destacou o objetivo de manter viável um sistema que, nada fosse feito, comprometeria mesmo o bem-estar de futuras gerações de servidores. "A solidariedade deve primar sobre o egoísmo", é como fecha o voto.

Mais recentemente, em seus últimos anos na Corte, suspendeu liminares dos Tribunais de Justiça de Goiás e do Rio Grande do Sul que, por sua vez, suspendiam aumento de alíquotas de servidores - inclusive com progressividade. Note que foi este tema que tratou a Medida Provisória 805, que caiu em abril após ter sido suspensa pelo ministro Ricardo Lewandowski. Ela aumentava a contribuição dos servidores da União e, reflexamente, dos Estados e Municípios.

Os posicionamentos de Joaquim Barbosa sobre o tema são contundentes, inteligentes e atuais. Destaca que o desequilíbrio atuarial dos regimes próprios deriva da falta de proporcionalidade entre o custeio e os benefícios, explicando que, apesar das últimas reformas, os efeitos das distorções se prolongam no tempo.

Alegou estar plenamente provado o risco de ruptura social: "Se o servidor público não deveria responder pelos erros do Estado na condução da política previdenciária, muito menos legitimado estaria o cidadão comum a ser chamado para contribuir com benefícios que nunca lhe foram, nem serão, concedidos". Partilhar o déficit dos regimes próprios com trabalhadores do INSS e empresas seria injusto e abusivo.

Por fim, cabe destacar que o período de Joaquim Barbosa no Supremo não coincidiu com grandes reformas no INSS, onde a magnitude do déficit atuarial é maior. As discussões foram apenas residuais - como sobre a alteração na CLT feita pelo governo FHC, determinando que a aposentadoria nas estatais implica demissão. Foi considerada inconstitucional por Barbosa - que equiparou à demissão sem justa causa.

No conjunto, o que se observou de Joaquim Barbosa no STF em temas polêmicos e divisivos importantes para a economia é uma visão mais liberal do que a do partido a que hoje está filiado. Em temas que não saíram da ordem do dia, como as privatizações, o salário mínimo, a organização do Banco Central, o corporativismo e a reforma da Previdência, Joaquim Barbosa votou - e fundamentou decisões - em direção contrária ao que costuma entender a esquerda brasileira.

 

Pedro Fernando Nery, mestre em Economia, é consultor legislativo