Título: Esperando o TSE
Autor: Queiroz, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 16/04/2012, Opinião, p. 11

Ex-deputado federal, é secretário-geral do PSD

Nos próximos dias, o TSE decidirá se o PSD tem ou não direito a fundo partidário e horário gratuito proporcionais à bancada de deputados federais. Nessa discussão, existe uma questão fulcral, em que não interessa saber de que tamanho é o partido, quantos serão atingidos, quais as consequências, importância da pluralidade partidária e tantas outras conversas que estão por aí.

Essa questão foi a decisão tomada pelo TSE e pelo STF no primeiro semestre de 2007, quando deliberaram que está implícita na Constituição de 1988 a fidelidade partidária. Na oportunidade, o Supremo delegou ao TSE a tarefa de estabelecer as normas reguladoras da nova disciplina constitucional. Nas normas, o TSE estabeleceu que perde o mandato quem deixa o partido pelo qual se elegeu, obedecidos os ritos determinados, salvo se para participar como fundador na formação de novo partido ou se tiver motivos justos, reconhecidos pela Justiça Eleitoral.

Como a distribuição do fundo partidário e do tempo de propaganda eleitoral nas eleições está baseada na bancada eleita pelo partido para a Câmara Federal e nos votos apurados pela legenda na referida eleição, o que será deliberado, em última análise, é se, quando um deputado federal deixa o partido pelo qual se elegeu, apoiado em qualquer das justas causas reconhecidas pela Justiça Eleitoral, lhe é assegurado o direito de levar o que lhe cabe na definição do fundo partidário e tempo de televisão.

A primeira questão a analisar é a quem pertence o mandato: ao partido ou ao deputado. Evidente que ao deputado, com legítimo usufruto do partido pela regra da fidelidade. A legislação estabelece simbiose de interesses: o candidato precisa do partido para se candidatar, mas o partido precisa do deputado para garantir representação política, tempo de televisão e fundo partidário. O domínio e posse do mandato pelo partido só teria sentido se a eleição obedecesse ao sistema de listas, em que se vota no partido e não no candidato.

Outra questão é se a decisão do STF se aplica à legislação que vigorava até a data da decisão. Por se tratar de imperativo constitucional, lógico seria entender que o estabelecimento da fidelidade varreu da legislação qualquer dispositivo que conflite com o conceito da fidelidade partidária e as normas estabelecidas para sua aplicabilidade. Nesse entendimento, é óbvio que o dispositivo na lei dos partidos de 1995 — que estabeleceu que fundo e tempo estavam vinculados ao resultado das últimas eleições para a Câmara — ficou em conflito constitucional com a decisão do Supremo, porque não premia as exceções de justa causa estabelecidas pelo TSE ao regulamentar a matéria.

Mais do que isso: se o STF tivesse reconhecido, antes de 1995, que a fidelidade estava implícita na Constituição, não teria nenhum sentido estabelecer na lei dos partidos, aprovada naquele ano, a vitaliciedade do resultado da eleição sobre os direitos dos partidos ao tempo de televisão e fundo partidário. Isso seria desnecessário, visto que quem mudasse de partido perderia o mandato, e depois inconstitucional, ao não contemplar as justas causas reconhecidas para a mudança.

Será preciso regulamentar os limites de movimentação de quem deixa o partido por justa causa reconhecida e se filia a outro partido, em fundação ou pré-existente. Deve ficar claro que o princípio de fidelidade o vincula ao novo partido, como se por ele tivesse sido eleito. Mas para tanto é indispensável que os direitos sejam resguardados na transferência.

Hoje a jurisprudência similar existente no TSE é de 1983, quando foi deliberado que os senadores eleitos em 1978 pela Arena ou MDB, filiados aos vários partidos que foram criados com o retorno do pluripartidarismo, poderiam mudar de filiação sem perder o mandato, porque foram extintos os partidos pelos quais se elegeram. Foi com base nessa decisão do TSE que o senador José Sarney deixou o PDS em 1984, sem perder o mandato, e se filiou ao PMDB para compor a chapa com Tancredo. Mas, para regular esse vazio, o TSE precisa reconhecer que, havendo justa causa para que alguém mude de partido, direitos e deveres devem acompanhá-lo para a nova casa.

Vamos examinar uma situação em tese: um deputado federal é ofendido publicamente e desmerecido na sua atuação política por ação dos dirigentes do seu partido. Com provas contundentes, recorre ao TSE requerendo o direito de se desfiliar. O TSE lhe assegura prontamente a justa causa. Não faria sentido que o parlamentar, perseguido e ofendido, fosse embora deixando para os detratores o principal patrimônio político: tempo de televisão e fundo partidário. Seriam duas decisões pela metade: a punição ao partido pelo malfeito e o reconhecimento dos direitos do deputado.

Cabe ao TSE, ao deliberar sobre o pleito do PSD, que leve em conta que seus filiados fundadores, principalmente quando exercem mandato eletivo, são litisconsortes na petição do PSD porque a decisão vai influenciar seu futuro político. Nas próximas eleições, qualquer candidato do partido a vereador ou prefeito perderá muito a capacidade competitiva se não lhe couber espaço no horário gratuito de rádio e televisão. Isso é fato. É o que acontece, por exemplo, com a prefeita de Ribeirão Preto, Darci Vera, que estará exposta a esse risco como candidata à reeleição. Não cabe alegar que ela o bancou ao participar da fundação do PSD. É muito mais justo afirmar que lhe embalou a convicção de que a regra da justa causa estabelecida pelo TSE garantiria eficácia plena aos direitos dos que nela se enquadrassem.