Correio braziliense, n. 20125, 28/06/2018. Política, p. 2

 

"É equivocado falar em vitória ou derrota"

Renato Souza

28/06/2018

 

 

INVESTIGAÇÃO » Relator da Lava-Jato, Fachin afirma que juiz não tem causa e quem obtém sucesso é a parte envolvida. Integrantes da força-tarefa dizem que decisões como a de Toffoli, Mendes e Lewandowski tiram o Brasil dos trilhos que poderiam conduzir ao fim da impunidade

 

Um dia após ver seu voto vencido na ação que concedeu liberdade ao ex-ministro José Dirceu, o relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, chamou de “equivocada” a interpretação de que ele sofreu uma derrota na Segunda Turma. Em liberdade, Dirceu, passou o primeiro dia fora da cadeia. Ele saiu do Complexo Penitenciário da Papuda, em São Sebastião, na madrugada de ontem e seguiu de carro até o apartamento onde mora, na Quadra 305 do Sudoeste. A liminar que determinou a soltura foi concedida por iniciativa do ministro Dias Toffoli.

Ao minimizar a decisão da maioria dos integrantes da Turma, Fachin invocou o dever de imparcialidade da Justiça. “Creio que antes de tudo é equivocado se falar em derrota ou vitória eis que juiz não tem causa, quem tem causa é a parte que obtém sucesso ou não no seu respectivo resultado”, disse Fachin ao ser abordado por jornalistas na manhã de ontem, pouco antes de uma sessão extraordinária. O ministro completou argumentando que as decisões ocorreram em conformidade com a Constituição e atribuiu o resultado a diferença de pensamento entre os juízes. “O colegiado (da 2ª Turma) é formado de posições distintas, o dissenso é natural no colegiado e é por isso que, nessa mesma medida, os julgamentos se deram todos à luz da ordem normativa constitucional e cada magistrado aplicando aquilo que depreende da Constituição. Foi um dia de atividade normal do Supremo”, disse Fachin.

Lula

A liberdade de Dirceu, condenado a 30 anos e nove meses de prisão por corrupção, causou forte impacto no meio jurídico e levantou críticas em relação a possível soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mantém um pedido parecido no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Toffoli assume a presidência do STF em setembro deste ano, um mês antes das eleições. A atual presidente, Cármen Lúcia, vai ocupar o lugar na Segunda Turma e deve desfazer a maioria que atualmente é contra a prisão após condenação em segunda instância.

Mas deixa nas mãos de Toffoli a tarefa de decidir quais ações serão levadas ao plenário da Suprema Corte. Entre as possibilidades de ações que podem levantar os debates em torno do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância estão três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs). Uma delas, sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, já foi encaminhada ao plenário e aguarda inclusão na pauta — o que só pode ser realizado pela presidente do tribunal.

Mas, antes mesmo da posse de Toffoli no cargo mais alto do STF, os ministros criaram uma situação que causa divergência entre juristas e ameaça a continuidade das prisões realizadas no âmbito da Operação Lava-Jato. O advogado criminalista Luciano Santoro, mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, afirmou que a partir de agora, outros pedidos devem ser remetidos ao STF, pleiteando o mesmo benefício. “Tenho certeza de que esse caso vai nortear outros pedidos do tipo. Cria grande insegurança jurídica, pois, dependendo da distribuição do processo, o réu é libertado ou não. Como isso será explicado para a sociedade? A impressão que fica para o cidadão é de que a lei vale para alguns e para outros, não.”

Ontem, mesmo em clima de feriado por conta do jogo entre Brasil e Sérvia, integrantes da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público lançaram críticas ao ato da Corte. O coordenador da força-tarefa da operação em Curitiba, Deltan Dallagnol, afirmou: “Desobedecendo ao colegiado do STF, não reconheceram a execução da pena após a decisão em 2ª instância, apesar do esforço retórico para dizer o contrário, o que foi desmascarado pelo ministro Fachin”, escreveu. “Decisões dos ministros Gilmar, Toffoli e Lewandowski sobre preventivas e execução provisória tiram o Brasil dos trilhos que poderiam conduzir ao rompimento da impunidade dos poderosos”, completou.

A procuradora Thaméa Danelon, que integra a equipe da Lava-Jato de São Paulo, disse que o trabalho de combate à corrupção realizado pela equipe está ameaçado. “O STF deve ser o guardião da Constituição, e não da injustiça e impunidade. A Lava-Jato está seriamente ameaçada”, afirmou.

Recesso

No mês de julho, o Poder Judiciário entra em recesso em todo o país. A data de início e de término do período de descanso ainda não foi concretizada. Mas, tradicionalmente, a Justiça entra em regime de plantão no primeiro dia útil do sétimo mês do ano. Ou seja, no próximo dia 2 apenas decisões com urgência serão votadas. A volta só ocorre no dia 1º de agosto, uma quarta-feira, dia em que o pleno do STF se reúne.

Os ministros terão um mês para analisar a situação e conversar entre si para tentar apaziguar o clima. O STJ ainda não definiu um prazo para que a 5ª Turma da Corte avalie um pedido de tutela provisória que pode resultar na libertação do ex-presidente Lula. Mas nada impede que os advogados ingressem com um pedido semelhante ao de José Dirceu no STF.

Assim como o colega de partido, Lula também alega erros no julgamento do caso dele pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O advogado Daniel Gerber, professor de direito penal e processual penal, afirma que houve uma mudança de ideologia no Supremo. “A meu ver, a decisão do ministro Toffoli é comum e está expressamente prevista no Código Penal. Notamos que está havendo mudanças ideológicas entre os ministros do Supremo, é isso que cria instabilidade”. afirmou.