Correio braziliense, n. 20125, 28/06/2018. Economia, p. 6

 

STF restringe venda de estatais e agita mercado

Rosana Hessel e Hamilton Ferrari

28/06/2018

 

 

CONJUNTURA » Liminar de ministro do STF determina que a venda de qualquer empresa controlada por União, estados ou municípios seja submetida previamente ao Poder Legislativo. Decisão provoca queda de ações na Bolsa e desvalorização do real

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski concedeu, ontem, liminar que proíbe a venda do controle acionário de quaisquer empresas estatais sem autorização específica do Poder Legislativo. Em outra decisão, o magistrado suspendeu o leilão de privatização da Ceal, distribuidora da Eletrobras que atua em Alagoas e estava com leilão marcado para 26 de julho. As medidas causaram nervosismo nos mercados, num dia que deveria ter sido mais calmo devido ao jogo do Brasil contra a Sérvia, na Copa da Rússia, e fez a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) despencar e o dólar encerrar o dia com alta de mais de 2%.

Os papéis da Eletrobras recuaram quase 4% logo após a liminar ter sido anunciada. A estatal está com processo de desestatização tramitando no Congresso, que também discute projeto de lei para a venda de seis distribuidoras deficitárias da companhia que operam no Norte e no Nordeste. As duas propostas enfrentam dificuldade no Legislativo, mas a reação negativa dos investidores refletiu sobretudo a interpretação de que a liminar fortalece as correntes políticas que se opõem à privatização.

A liminar que restringe a venda de estatais foi concedida por Lewandowski em resposta à ação movida por entidades sindicais. A decisão prevê que o Poder Legislativo seja consultado sobre a privatização de qualquer estatal — federal, estadual ou municipal —, desde que a venda da participação seja superior a 50%, inclusive, nas empresas de economia mista, como é o caso da Eletrobras, da Petrobras e do Banco do Brasil. A suspensão do leilão da Ceal atende a pedido da Procuradoria-Geral do estado de Alagoas. As medidas são válidas até que o mérito das ações seja julgado pelo plenário do Supremo.

Para analistas, as decisões de Lewandowski jogaram um balde de água fria nos planos do governo para privatizar empresas e aumentaram as incertezas quanto à segurança jurídica dos negócios no país. Guilherme Macêdo, sócio da Vokin Investimentos, afirmou que a liminar do ministro do STF deu um sinal “péssimo” para o mercado. “O Congresso Nacional não precisaria mexer nisso. É uma mensagem péssima aos investidores, tanto é que as empresas que poderiam passar por esse processo, como a Eletrobras, estão com as ações em queda”, ressaltou.

Instabilidade

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), disse que as decisões de Lewandowski “mais uma vez” judicializam a economia brasileira. Na avaliação dele, as medidas criam instabilidade, insegurança jurídica e afastam o investidor. “Uma privatização, dependendo do tamanho, não precisa passar pelo Congresso. As distribuidoras da Eletrobras, por exemplo, não precisam”, disse. “Além disso, o Legislativo não está cumprindo o papel dele. Não está votando o que é colocado em pauta. Isso gera uma instabilidade regulatória dobrada”, acrescentou.

Um economista de uma gestora de recursos que preferiu não ser identificado apontou que a liminar de Lewandowski deu ao Congresso “todas as ferramentas” para barganhar seus interesses com o governo federal, que é o interessado nas privatizações. “No mínimo, isso coloca tudo numa onda de judicialização e de mais entraves no processo. Essas barreiras atrapalham e criam mais insegurança política para o país”, avaliou.

Pires, da CBIE, reforçou que o país necessita de investimentos para alavancar a economia e criticou a liminar, que, segundo ele, atende a teses populistas. “O STF tem pouca sensibilidade para o que o Brasil está passando e não está fazendo o papel dele, que é proporcionar estabilidade regulatória e segurança jurídica”, afirmou. “De um lado, os políticos empregam amigos, parentes e apadrinhados nas empresas que, em vários casos, estão dando prejuízos para a União. O Judiciário, que poderia contribuir para reverter essa situação, está do lado das associações. Então, os contribuintes ficam reféns da Justiça e do Congresso, enquanto os sindicalistas não abrem mão de seus privilégios, tomando conta da economia” completou.

Representação

Lewandowski é o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.624/2017, ajuizada na Corte pela Federação Nacional das Associações de Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT), em novembro de 2016. A liminar do ministro ainda prevê consulta ao Legislativo, inclusive, na abertura de capital de estatais se a operação envolver a venda de mais de 50% de participação acionária.

“O Estado não pode abrir mão da exploração de determinada atividade econômica, expressamente autorizada pela lei, sem a necessária participação do seu órgão de representação popular, porque tal decisão não compete apenas ao chefe do Poder Executivo”, afirmou o ministro na sentença. Conforme o documento, a autorização do Legislativo é determinante quando houver perda de controle acionário das empresas públicas e, inclusive, para as licitações.

Lewandowski anexou à decisão parecer da Procuradoria-Geral da República, também favorável à ADI, e questionou dispositivos da chamada Lei das Estatais (Lei nº13.303/2016). Segundo o ministro, a dispensa de licitação apenas deve ocorrer no caso de venda de ações que não implique a perda de controle acionário. De acordo com o magistrado, a urgência da medida foi necessária diante de “uma crescente vaga de desestatizações que vem tomando corpo em todos os níveis da Federação”. Lewandowski deve julgar ainda outras duas ADI, abertas pelo PCdoB e pelo estado de Minas Gerais, que também questionam a Lei das Estatais.

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BC age, mas dólar vai a R$ 3,87

Antonio Temóteo

28/06/2018

 

 

Nem a intervenção do Banco Central (BC) no mercado, que vendeu US$ 2,45 bilhões em leilões de linha foi suficiente para conter a alta do dólar, ontem. No fim de um dia agitado, a moeda norte-americana fechou a sessão em alta de 2,08%, cotada a R$ 3,875. Foi o segundo dia consecutivo de encarecimento da divisa norte-americana. Para completar o cenário desfavorável, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) interrompeu uma série de três elevações seguidas e terminou o dia com o índice Bovespa, principal indicador das ações negociadas no pregão, com queda de 1,1%, aos 70.609 pontos.

A piora do preço dos ativos brasileiros foi influenciada negativamente pela decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, de conceder liminar proibindo a venda do controle de estatais sem autorização do Poder Legislativo. A medida afetou significativamente as ações da Eletrobras. Os papéis preferenciais da companhia desabaram 5,05%, a segunda maior queda entre todas as ações do Ibovespa.

O mau humor dos investidores foi influenciado também pelo comportamento ruim dos mercados no exterior. Nos Estados Unidos, as bolsas foram afetadas após o Partido Republicano ser derrotado no Congresso e não conseguir os votos necessários para aprovar um projeto de reforma imigratória. O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, caiu 0,68%.

 

Intervenção

Na avaliação do diretor de operações da corretora Mirae Asset, Pablo Spyer, o dólar e a B3 também foram influenciados negativamente pelo fluxo cambial da última semana, que registrou a saída líquida de US$ 776 milhões do país na conta que registra operações financeiras. Além disso, segundo ele, a decisão do ministro Lewandowski sobre as estatais contaminou a percepção dos investidores em relação aos riscos de aplicar no Brasil. “O mercado não gosta desse tipo de intervenção e isso traz desconforto. Há uma impressão de que ficará mais difícil privatizar uma empresa e isso reforça as sinalizações de que menos dólares entrarão no país”, afirmou.

Os analistas ainda demonstram preocupação com a escalada da guerra comercial entre China e Estados Unidos. Num sinal de que a relação entre as duas potências está cada dia pior, o assessor-chefe da Casa Branca para assuntos econômicos, Larry Kudlow, disse que a administração norte-americana não está retrocedendo das posições firmes contra Pequim. “A economia dos EUA está crescendo, enquanto a da China não está tão bem”, afirmou. Essas sinalizações têm afetado o preço das ações das principais companhias do mundo. Os investidores temem uma redução significativa do faturamento das empresas em consequência da imposição de barreiras tarifárias ao comércio.

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Caem juros do cartão

28/06/2018

 

 

Apesar de ainda estarem em patamares muito elevados, os juros do cartão de crédito rotativo regular caíram pelo segundo mês consecutivo e chegaram a 243% em maio, conforme dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC). A queda em relação a abril totalizou 5,1 pontos percentuais. Já a taxa do crédito parcelado recuou pra 165,5%.

Para quem não paga nem o valor mínimo da fatura do cartão e cai no rotativo não regular, a taxa diminuiu para 346,1%, uma redução de 39,1 pontos percentuais na mesma base de comparação. A queda nos juros do cartão ocorreu mesmo com a elevação da inadimplência dos clientes. No caso do rotativo, a parcela das dívidas com atraso superior a 90 dias cresceu de 33,7% para 34,8%. No parcelado, a inadimplência subiu de 1,9% para 2%. Já a taxa do cheque especial caiu de 321% em abril para 311,9% em maio. O nível de calotes nessa modalidade recuou de 13,3% para 13,0%.

A economista-chefe da Rosenberg Associados, Thaís Marzola Zara, destacou que, mesmo com as elevações pontuais na inadimplência, a carteira de recursos livres está com uma taxa de 5% de atrasos acima de 90 dias, na mínima histórica. Para ela, isso pode indicar que os próximos meses tendem a ser melhores para o mercado de crédito. “É um bom sinal para a retomada das concessões a juros mais baixos, reforçando nossa percepção de melhora do mercado de crédito à pessoa física”, comentou.

O chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, explicou que a queda de juros ocorreu em diversas modalidades de crédito. Além disso, ele disse que os bancos podem ter antecipado movimentos esperados para os próximos meses em consequência de regulamentações definidas anteriormente.

Mudanças

A partir de 1º de julho, os bancos oferecerão aos clientes uma linha de crédito alternativa ao cheque especial para os clientes que usarem mais de 15% da linha de financiamento durante 30 dias consecutivos. O valor mínimo para parcelamento será de R$ 200. A medida foi tomada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) por meio de autorregulamentação. No caso do cartão de crédito, o Conselho Monetário Nacional (CMN) acabou com a diferenciação de taxas no rotativo.

Rocha admitiu que o processo de queda de juros não acontece na magnitude e intensidade esperada, mas observou que o processo é contínuo. “Essas taxas não cairão por um ato do Poder Executivo, mas com o processo de estabilização da economia, inflação e taxa básica de juros (Selic) menores e mais concorrência. Esse processo é gradual, mas já está acontecendo”, afirmou. (AT)