Título: Brasileiros devem R$ 2 trilhões ao Fisco
Autor: D'angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 15/04/2012, Economia, p. 16

O Leão da Receita Federal está cada vez mais voraz. Além dos R$ 100 bilhões que abocanha todo mês dos contribuintes brasileiros, o governo federal cobra cerca de R$ 2 trilhões em impostos e contribuições atrasados que não foram pagos pelos trabalhadores e pelas empresas. O montante mais que dobrou em cinco anos e equivale à metade do Produto Interno do Bruto do país e a 20 meses de arrecadação da Receita. Essa dinheirama é fruto da inadimplência, em que o contribuinte declara, mas não paga, e da sonegação, quando há intenção de burlar o Fisco.

Metade desse montante — R$ 958,5 bilhões — está ainda na esfera da Receita, em cobrança administrativa. A maior parte é de responsabilidade de 3,6 milhões de empresas, que devem um total de R$ 830,6 bilhões. Dá uma média de R$ 230 mil para cada uma. Já as pessoas físicas — total de 3,3 milhões — deixaram de pagar R$ 58,7 bilhões aproximadamente. O valor médio é de R$ 17,7 mil.

Outros R$ 998,7 bilhões já foram enviados pela Receita para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para inscrição na Dívida Ativa da União e cobrança na Justiça. Porém, grande parte desses valores nas mãos dos procuradores do órgão é considerada irrecuperável. O estoque, que inclui o valor principal devido, multa e juros acumulados, vem de décadas de sonegação e envolve impostos devidos por grandes grupos que já faliram e de grandes, média e pequenas empresas que já fecharam as portas, como a companhia aérea Transbrasil e a construtora Encol. Essa cobrança leva anos na Justiça. Muitos processos têm decisão favorável, mas o governo não localiza bens em nome dos devedores para penhora.

Mesmo com uma massa de tributos considerada relativamente jovem — constituída nos últimos dez anos — a Receita também tem dificuldade para receber os valores que estão em seus sistemas, constituídos a partir da declaração espontânea dos próprios contribuintes e de autuações feitas pela fiscalização. Dos R$ 958 bilhões no âmbito administrativo, apenas R$ 69 bilhões foram parcelados pelos contribuintes e R$ 173 bilhões estão em cobrança efetiva. A maioria — R$ 687 bilhões — está com a exigibilidade suspensa, isto é, ainda em fase de defesa pelo contribuinte ou com liminar obtida na Justiça suspendendo o pagamento.

Esses débitos foram os que mais cresceram, resultado da fiscalização sobre a contabilidade das empresas. Em 2006, eles representavam 56% do total cobrado pelo Fisco. Em janeiro de 2012, passaram a corresponder a 72% do montante existente. "Isso é fruto do trabalho da Receita no combate à sonegação, e os contribuintes discutem na via administrativa e judicial", afirmou ao Correio o subsecretário de Arrecadação e Atendimento da Receita Federal, Carlos Roberto Occaso. Estão nessa massa a contestação por diversos setores da indústria de impostos exigidos como a demanda envolvendo a mineradora Vale que contesta o pagamento de R$ 30 bilhões incidentes sobre o lucro de suas controladas no exterior.

Controle O subsecretário disse que o Fisco fez fortes investimentos em tecnologia nos últimos anos e tem hoje sistemas de controle e de cruzamento de informações de vários bancos de dados que permitem verificar a ocorrência dos fatos geradores de tributos a serem pagos pelos contribuintes. Ele destacou ainda o trabalho de fiscalização feito pelos auditores. "Não adianta enganar a Receita. Nós estamos vendo. O risco de ser pego sonegando impostos está maior", afirmou o subsecretário.

A obrigatoriedade de utilização de notas eletrônicas e escrituração digital, entre outros mecanismos desenvolvidos pelo Fisco nos últimos anos, contribuem para abastecer mais rapidamente o banco de dados da Receita, que pode iniciar a cobrança imediata do imposto devido. "Temos cobrança expressa. Tão logo o contribuinte apresenta declaração confessando o débito, fazemos o processamento e emitimos avisos de cobrança diretamente na caixa postal do contribuinte", diz. Segundo ele, antes, esse procedimento levava mais tempo e a cobrança era enviada para a residência do devedor pelos Correios.

A eficiência do Leão em cobrar tributos já provocou um outro resultado que não aparece claramente nas estatísticas divulgadas pela Receita todo mês, mas que ajudam a produzir essas arrecadações recordes, que vão além das provocadas pelo crescimento econômico. São os trabalhadores e empresas que recolhiam menos do que deviam ou nada que passaram a cumprir suas obrigações tributárias. "Com a percepção de risco maior, o contribuinte passa a pagar espontaneamente", afirma Occaso.

Recuperação menor A maior dificuldade do governo em receber os tributos devidos está no momento em que os débitos vão para a Dívida Ativa. Ali, inicia-se outra briga dentro do Judiciário, que consome mais uma década em média. Balanço Geral da Dívida Ativa divulgado pela Procuradoria da Fazenda Nacional revela que o órgão conseguiu devolver aos cofres públicos em 2010 e 2011 apenas R$ 5,4 bilhões e R$ 13,6 bilhões, respectivamente. Dá média de R$ 9,5 bilhões por ano, abaixo dos R$ 15,6 bilhões recebidos em 2008 e R$ 17,5 bilhões em 2009, mesmo com o estoque da dívida engordando mais a cada ano. Procurada, a PGFN não quis comentar as razões da piora no desempenho.

Para agilizar a cobrança e centrar fogo nos maiores devedores, o órgão decidiu que débitos inscritos em Dívida Ativa no valor de até R$ 20 mil não serão cobrados. Além de cuidar dos processos judiciais decorrentes de tributos inscritos em Dívida Ativa, os procuradores da Fazenda Nacional também defendem a Receita nas ações movidas pelos contribuintes que estão sendo cobrados na esfera administrativa.

Pendências

Os contribuintes que já entregaram a declaração de Imposto de Renda neste ano referente ao exercício 2011 já podem conferir na página da Receita na internet se ela foi processada regularmente ou ficou retida por causa de alguma pendência, como algum rendimento tributável não declarado ou "inconsistência" nas despesas médias deduzidas (o Fisco costuma reter declaração quando o valor é considerado alto). A regularização pode ser feita on-line, antes que o Fisco faça por sua própria conta e autue o devedor. A Receita recebe declarações on-line de empresas e pessoas físicas informando pagamentos a terceiros, que são cruzados imediatamente com as demais entregues pelos contribuintes. As corretoras que atuam na Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, são obrigadas a informar os ganhos dos investidores em ações nas chamadas operações daytrade (compra e venda da mesma quantidade de um papel no mesmo dia).