O Estado de São Paulo, n. 45488, 03/05/2018. Política, p. A8

 

Restrição do foro privilegiado tem 10 votos no Supremo

Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo

03/05/2018

 

 

Ministros ainda divergem sobre extensão do benefício para políticos; julgamento será retomado hoje com o último voto, de Gilmar Mendes

O Supremo Tribunal Federal retomou ontem o julgamento sobre a extensão do foro privilegiado para deputados federais e senadores, em uma sessão em que os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski defenderam a prerrogativa para os parlamentares federais apenas nos casos de crimes cometidos após a diplomação. Iniciado em maio de 2017, o julgamento foi retomado na Corte com a posição de Toffoli e deve ser concluído hoje, com o voto do ministro Gilmar Mendes.

Até ontem, dez ministros do STF já se posicionaram a favor da restrição do foro, mas há divergência sobre a extensão. O entendimento majoritário, que tem a adesão de sete ministros, é o de que a prerrogativa vale apenas para os crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, conforme a tese de Luís Roberto Barroso. Ele esclareceu na abertura da sessão que a hipótese em discussão é sobre delito praticado por alguém que não era parlamentar e depois se tornou um.

A tese de Barroso foi alvo de críticas e questionamentos. Gilmar apontou que o resultado do julgamento pode atingir outras autoridades, como os comandantes das Forças Armadas e integrantes do Poder Judiciário, como os próprios ministros do Supremo.

Para Alexandre de Moraes, o julgamento vai suscitar “várias questões de ordem”. “Alguém que era deputado estadual quando praticou o crime e agora é deputado federal. Ele praticou (o crime) antes (de assumir às funções de deputado federal), então aqui no Supremo (o caso) não vai ficar, ele volta para o Tribunal de Justiça ou para a primeira instância?”, indagou.

Para Toffoli, Lewandowski e Moraes, o critério de Barroso é subjetivo e dá margem a múltiplas interpretações, já que caberia a cada ministro concluir se o crime tem ou não relação com o cargo do político. Segundo o trio, fixar a data da diplomação como marco temporal do foro reduziria as incertezas.

“(A tese defendida por Barroso) exigirá que a Corte continue a se pronunciar caso a caso se o crime tem ou não relação com o mandato”, disse Toffoli. “Vamos supor que um parlamentar dê um soco em alguém porque foi provocado em função da sua atuação no Parlamento. Foi em razão do mandato ou não? Isso criará discussões”, afirmou.

Segundo o Estado apurou, a tese de Barroso pode ser ajustada para amarrar melhor as situações em que as investigações contra parlamentares permaneceriam no STF. No julgamento, Luiz Fux destacou os casos em que os delitos foram praticados com a finalidade de exercer um cargo, antes que o político venha a ocupá-lo. Barroso discutiu o assunto depois da sessão com Fux e Celso de Mello.

‘Bagunça’. Gilmar fez uma série de intervenções durante a sessão e endossou as críticas dos colegas. Disse ser um “mau profeta” e avisou que “dará muito errado” a alteração das regras da prerrogativa nos termos defendidos por Barroso.

“Estamos fazendo uma grande bagunça. Aquilo que estamos estabelecendo para os políticos estamos estabelecendo em linha geral para todos os ocupantes. Aqui não é um jogo de esperteza, é um jogo de sinceridade na interpretação da Constituição Federal”, disse Gilmar.

Para ele, o entendimento a ser firmado para os parlamentares federais deverá ser estendido para outras autoridades da República. “Como sustentar isso a qualquer outro ocupante de cargo que não esteja sendo acusado de algum crime que não tenha nada a ver com a função?”, questionou o ministro.

Durante seu voto, Lewandowski citou editorial publicado anteontem pelo Estado intitulado “O escândalo pelo escândalo”. “É um editorial extremamente contundente”, disse o ministro, ao mencionar trecho que critica a atuação de “determinados policiais, procuradores e juízes” que agem sem se importar com a “consistência de indícios e provas”.

 

Plenário

A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, com o ministro Marco Aurélio Mello na sessão de ontem da Corte

 

50 páginas​. O julgamento sobre a extensão da prerrogativa de foro será retomado hoje com voto do ministro Gilmar Mendes. Seu voto tem mais de 50 páginas.