Valor econômico, v. 18, n. 4485, 18/04/2018. Brasil, p. A4.
Venda de distribuidoras pode ser adiada outra vez
Rafael Bitencourt
18/04/2018
A venda do controle das seis distribuidoras da Eletrobras pode ser novamente adiada, ficando para depois de maio, se o Tribunal de Contas da União (TCU) não encurtar os prazos previstos de análise do processo. Ontem, o relator do caso no tribunal, ministro José Múcio, disse que as conclusões sobre modelo de privatização devem ser levadas à apreciação do plenário em um pouco mais de um mês.
A privatização das distribuidoras poderia ter sido liberada pelo tribunal há cerca de três semanas, quando o relator submeteu a proposta de acórdão à aprovação em plenário. Na ocasião, a procuradora-geral Cristina Machado, que representa o Ministério Público junto ao TCU, levantou uma série de questões sobre a operação.
O BNDES havia marcado o leilão para 21 de maio. Na semana passada, no entanto, o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior disse que deve ficar para dia 31.
Múcio disse que a data indicada pelo banco é considerada inviável. "Já era, não tem condições. Se colocar aqui três ou quatro semanas, [a previsão] passa do dia 21", disse. De praxe, os órgãos que realizam as licitações públicas costumam aguardar o posicionamento do tribunal, com alguma recomendação ou determinação, para, só então, lançar o edital. Em geral, o leilão é realizado após 30 dias, para dar tempo de interessados analisarem regras e minutas de contratos.
A Eletrobras estabeleceu, em assembleia de acionistas, que a venda das distribuidoras deve sair até 31 de julho. Se isso não ocorrer, as empresas devem ser liquidadas. "A liquidação nunca houve porque significa simplesmente fechar as empresas. E quem fica com a responsabilidade de prestar o serviço? Temos que encontrar uma fórmula que a sociedade não pague por isso", afirmou Múcio logo após reunião com os ministros Eduardo Guardia (Fazenda), Esteves Colnago (Planejamento) e Moreira Franco (Minas e Energia).
Moreira disse, após a reunião, que o governo apresentará dentro de dois a três dias os esclarecimentos técnicos solicitados pelo tribunal. Questionado sobre a viabilidade de cumprir o os prazos estabelecidos, Moreira disse apenas que isso não foi tratado na reunião.
"Não viemos tratar aqui de cronograma. Viemos conversar com o tribunal mostrando as razões técnicas, a necessidade desse programa prosseguir", afirmou. O ministro do TCU disse que os ministros do governo foram à reunião exatamente com o propósito de saber o "timing" da liberação dos estudos.
A venda das distribuidoras é considerada etapa preliminar à privatização da holding, cujo modelo proposto vem sendo discutido na Câmara. Ontem, a aguardada audiência pública com o presidente da Eletrobras mostrou que o esforço do governo em mobilizar aliados para fazer coro à favor da privatização ainda não deu resultado. Os discursos de deputados de oposição dominaram mais uma vez o debate da comissão especial.
Em sua apresentação, Ferreira Jr. disse que o modelo proposto deverá atrair investidores com interesse de longo prazo. "A empresa de energia tem uma rentabilidade menor, mas que é compatível com investimentos de fundos de pensão, de infraestrutura, de países emergentes".
Segundo o presidente da Eletrobras, os competidores diretos da estatal não devem querer assumir fatias minoritárias na privatização. O modelo proposto pelo governo prevê a diluição do controle da União permitindo que os agentes privados assumam até 10% de participação individual.
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Falta de gás em térmicas provoca pressão sobre tarifas
Daniel Rittner
18/04/2018
Em apenas 45 dias, os consumidores de energia elétrica em todo o país ficaram com uma conta de R$ 128 milhões nas mãos por causa da falta de suprimento de gás natural da Petrobras para a usina Termofortaleza (CE). A estatal deixou de fornecer o insumo para a térmica, operada pela italiana Enel, entre 28 de fevereiro e 15 de abril.
Durante todo esse tempo, mesmo em plena temporada de chuvas, a usina de 332 megawatts (MW) foi acionada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Ela tem o terceiro custo mais baixo de operação entre 40 térmicas no Nordeste. Por isso, torna-se uma das primeiras a ligar as turbinas. Se fica indisponível, o ONS recorre a fontes mais caras para tapar o buraco. É o que se conhece no setor como geração fora da ordem de mérito - justamente por não respeitar a ordem do custo de geração. A diferença vai para o Encargo de Serviços do Sistema (ESS) e chega às tarifas de energia.
Para especialistas, o problema na Termofortaleza é um prenúncio do que pode ocorrer com mais de 5 mil MW em usinas do Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), criado em 2000. Esses projetos - em Estados como Ceará, Pernambuco, Bahia e Rio - tinham garantia de suprimento da Petrobras. Só que o preço do combustível está fixado em US$ 4 por milhão de BTU nos contratos originais e ficou defasado. A Petrobras tem preferido pagar as multas do que fornecer o gás com prejuízo. Procurada, a empresa preferiu não se pronunciar.
Uma emenda deve ser incluída na MP 814 pelo deputado Julio Lopes (PP-RJ). Relator da medida, ele fará uma mudança no texto transferindo aos consumidores de energia a diferença entre o valor inicialmente fixado do gás e o "preço médio" do mercado - hoje em torno de US$ 7. A conta iria para o ESS e, depois, seria repassada às tarifas. A emenda desperta reação contrária da Abrace, associação dos grandes consumidores industriais, que calcula um impacto de R$ 2,5 bilhões.
As empresas controladoras das térmicas - como Enel, Neoenergia, EDF - admitem reservadamente que pode haver aumento de tarifa com atualização no preço do gás. Mas consideram as estimativas da Abrace exageradas e sustentam que o custo de não fazer nada seria várias vezes maior. O Instituto Acende Brasil estima que "não fazer nada" levaria a um gasto de até R$ 9 bilhões por ano - o que criaria uma pressão entre 9 e 10 pontos percentuais nas tarifas.
O presidente do instituto, Cláudio Sales, explica: a Termofortaleza, por exemplo, tem custo unitário de R$ 140 por megawatt-hora. Se outras térmicas forem precisando ser acionadas, algumas custam até R$ 950, como aquelas movidas a óleo diesel. Outras usinas do PPT estão ameaçadas de perder o fornecimento de gás. "Não faz sentido trocá-las por térmicas a óleo."
Levando tudo isso em conta, Sales acredita que a mudança na MP 814 é a "solução mais econômica" para os consumidores, principalmente quando se leva em conta a perspectiva de continuidade no acionamento das térmicas.
Do ponto de vista operacional, a indisponibilidade da Termofortaleza não gera dor de cabeça à segurança no suprimento, afirmou o ONS em relatório. A autarquia, porém, completou: "A indisponibilidade de geração da UTE Termofortaleza conduz à elevação dos custos de atendimento".