Valor econômico, v. 18, n. 4485, 18/04/2018. Política, p. A5.

 

Aécio vira réu no Supremo por corrupção e obstrução à Justiça

Luísa Martins e Maíra Magro

18/04/2018

 

 

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) virou réu ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de corrupção passiva e obstrução à Justiça, com base nas delações dos executivos do grupo J&F. Esta é a primeira vez que o parlamentar torna-se alvo de ação penal na Corte.

A Primeira Turma decidiu receber a denúncia oferecida em junho pela Procuradoria-Geral da República (PGR), como desdobramento da Operação Lava-Jato. A acusação - assinada pelo então procurador-geral da República Rodrigo Janot e reforçada esta semana pela nova titular, Raquel Dodge - leva em conta gravação feita pelo empresário Joesley Batista, da JBS, em que Aécio lhe pede R$ 2 milhões. O senador alega tratar-se de empréstimo para pagar sua defesa na Lava-Jato, mas a PGR considera ser propina.

Formado por Marco Aurélio Mello (relator), Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, o colegiado foi unânime quanto à acusação de corrupção.

Para Barroso, não há indícios de que o dinheiro pedido por Aécio tratava-se realmente de um empréstimo: "No mundo dos atos lícitos, empréstimo de R$ 2 milhões é materializado em contrato. Nesse caso, não existiu contrato. Ninguém sai por aí carregando malas de dinheiro, a não ser que haja algo errado."

Moraes afirmou que as provas colhidas a partir das delações de executivos da JBS são suficientes para aceitar a denúncia por corrupção. Mas destacou que a culpabilidade do réu só poderá ser atestada ao longo da instrução da ação penal.

O advogado de Aécio, Alberto Toron, tentou desqualificar a acusação de corrupção dizendo que a PGR não teria demonstrado o chamado "ato de ofício" - a contrapartida oferecida em troca do recebimento do dinheiro. "Para caracterização de corrupção, não há necessidade da prática do ato de ofício, mas há necessidade de que ela esteja no horizonte, de que potencialmente venha a ser praticada. E isso precisa estar na denúncia", afirmou Toron.

Já o representante da PGR, o subprocurador-geral da República Carlos Alberto Vilhena Coelho, exemplificou como ato de ofício o fato de Aécio ter oferecido a Joesley a possibilidade de nomear um diretor na Vale. Marco Aurélio disse, entretanto, que a discussão sobre ato de ofício só será feita na análise do mérito da acusação.

Em relação à imputação de obstrução à Justiça, houve três correntes de votos. A vencedora, formada por Barroso, Rosa e Fux, aceitou integralmente a denúncia, enquanto Marco Aurélio a restringiu. Para o relator, há indícios de que o senador tentou barrar o curso da Lava-Jato ao demonstrar interesse em influenciar na escolha de delegados da Polícia Federal para conduzir inquéritos relacionados à operação, mas não na intenção de aprovar a anistia ao caixa dois no Congresso Nacional, já que esse é um fato inerente à função parlamentar. "A articulação política é inerente ao presidencialismo de coalizão e não pode ser criminalizada. Poderíamos ter denúncia contra todos os integrantes do Congresso Nacional", criticou Marco Aurélio.

A terceira vertente foi o voto de Moraes, que rejeitou todos os fatos envolvendo a acusação de obstrução. "Por mais absurdos que tenham sido o conteúdo das gravações e as frases, que demonstram intenção ou apenas bravatas de falso poder, ficaram no mundo da cogitação, seja na parte congressual, de aprovar ou não projetos, seja na de intervenção quanto à nomeação de delegados."

A decisão do colegiado também torna réus por corrupção passiva a irmã de Aécio, Andréa Neves; um primo deles, Frederico Pacheco; e o ex-assessor parlamentar Mendherson Souza Lima, todos envolvidos no esquema de recebimento de vantagens indevidas de executivos da JBS.

Andréa, de acordo com a denúncia, foi a intermediadora do primeiro contato entre o irmão e Joesley. Depois, na gravação entre Aécio e Joesley, eles combinam como será feito o pagamento, dividido em quatro parcelas de R$ 500 mil. "Se for você a pegar em mãos, vou eu mesmo entregar. Mas, se você mandar alguém de sua confiança, mando alguém da minha confiança", propôs Joesley. "Tem que ser um que a gente mata ele (sic) antes de fazer delação", responde Aécio.

A JBS designou seu então diretor de Relações Institucionais, Ricardo Saud, para entregar as malas de dinheiro a Pacheco, primo do senador. A PF filmou um dos pagamentos. Os pacotes foram repassados a Mendherson, que os levou a Belo Horizonte e destinou o dinheiro a uma empresa agropecuária de propriedade de Gustavo Perrella, filho do senador Zezé Perrella (MDB-MG). As investigações apontaram, portanto, que o dinheiro não foi destinado aos advogados.

"Os autos deixam claro que Joesley não fez tal pagamento por cordialidade, altruísmo ou caridade. Ele o fez porque sabia e confiava que Aécio, na condição de influente político, no momento oportuno estaria preparado para prestar as devidas contrapartidas", assinalou Carlos Vilhena, da PGR.

Aécio responde a outros oito inquéritos no STF: cinco relacionados às delações de executivos da Odebrecht, dois derivados da delação do ex-senador Delcídio do Amaral e mais um aberto com base nas colaborações da JBS.