Correio braziliense, n. 20124, 27/06/2018. Mundo, p. 10

Temer se dispõe a buscar crianças

Rodrigo Craveiro e Rodolfo Costa

27/06/2018

EUA » Ao receber o vice de Trump, presidente cogita enviar avião da Força Aérea para repatriar 51 brasileiros retidos no país. Mike Pence reafirma política migratória, apela para que estrangeiros não entrem ilegalmente em território americano e cobra pressão sobre Caracas

O presidente Michel Temer admite enviar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para retirar dos Estados Unidos e repatriar as 51 crianças filhas de migrantes ilegais detidas em abrigos espalhados pelo país. Em conversa com um pequeno grupo de jornalistas, inclusive o Correio, o embaixador do Brasil em Washington, Sérgio Amaral, afirmou que Temer pretende atuar nos limites da legislação norte-americana e da vontade das famílias dos menores. “Ele está disposto, inclusive, se necessário, a mandar buscar as crianças”, disse o diplomata, antes da declaração conjunta de Temer e do vice-presidente dos EUA, Mike Pence, que fez ontem a primeira visita ao país desde a posse de Donald Trump, em 20 de janeiro de 2017.

O próprio Temer classificou a situação das crianças como “extremamente sensível”. “Pedi a especial atenção do vice-presidente Pence para assegurar a rápida reunião das famílias. Eu assinalei até que nosso governo está pronto a colaborar no transporte dos brasileiros de volta ao Brasil, se naturalmente, for o desejo das famílias.” O brasileiro garantiu que o Planalto e a Casa Branca seguirão em contato para solucionar a crise.

Por sua vez, Pence fez um apelo direto aos latino-americanos em relação à imigração ilegal. “Eu tenho uma mensagem para vocês, diretamente do meu coração e do coração de cada americano. Vocês são nossos vizinhos. Nós queremos que vocês e seus países prosperem e progridam. Não arrisquem suas vidas ou a de seus filhos tentando ir aos Estados Unidos em uma estrada feita por contrabandistas de drogas e por traficantes humanos. Se vocês não podem vir legalmente, não venham. Se alguém disser que vocês podem trazer suas crianças para a América, não acreditem nisso”, aconselhou. “Segurem seus filhos, construam suas vidas em sua pátria e tenham a confiança de que seus vizinhos, os Estados Unidos, estão trabalhando  para assegurar um futuro melhor para todas as nações deste hemisfério.”

O visitante disse que, desde janeiro, 150 mil guatemaltecos, hondurenhos e salvadorenhos tentaram entrar ilegalmente nos EUA. “A todas as nações desta região, permitam-me afirmar, com respeito: assim como os Estados Unidos respeitam suas fronteiras e sua soberania, insistimos que vocês respeitem as nossas. Como o presidente Trump disse, se você não tem fronteiras, você não tem um país.” Ele defendeu a construção do muro na divisa com o México e instou o Congresso a aprovar rígidas leis migratórias.

O chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, admitiu o “efeito cruel” da lei migratória norte-americana. “Trabalhamos para que as famílias possam encontrar seus filhos e, aqueles que têm condições de ficar nos EUA, que fiquem. Eu respeito a legislação norte-americana e eles respeitam a nossa”, comentou.

A crise da Venezuela também esteve no centro das conversas. O vice de Trump cobrou de Temer mais medidas para ampliar o isolamento do regime de Nicolás Maduro. “Os EUA não ficarão de olhos fechados, enquanto a Venezuela se desmorona. Continuaremos a apoiar o bom povo venezuelano. A Venezuela merece algo melhor, merece a liberdade.” Para Pence, enquanto Maduro negar ao próprio povo a democracia e os direitos básicos, a população seguirá sofrendo. Ele chamou o vizinho do Brasil de “Estado falido” e agradeceu a Temer por acolher mais de 50 mil venezuelanos.

Planalto

O encontro entre Temer e Pence, que teve início depois do meio-dia, no Palácio do Planalto, estava desenhado. Conhecido por pregar respeito às leis, o emedebista evitou pedir a absolvição das penas dos os brasileiros detidos nos EUA. Solicitou no mínimo, que os menores fiquem com os pais. No entanto, mostrou mais sensibilidade do que Pence. Levou à reunião com o americano as medidas adotadas para acolher os venezuelanos e, de modo subliminar, confrontou a situação desses estrangeiros com o tratamento dispensado por Washington a ilegais.

Enquanto os EUA separam os migrantes não documentados de seus filhos, o Brasil iniciou um processo de interiorização para levar venezuelanos a Cuiabá e a São Paulo. Na quinta-feira, publicou portaria que trata dos procedimentos para a emissão de carteira de trabalho para imigrantes. Temer enalteceu as relações entre Washington e Brasília como “históricas” e afirmou que os números do comércio são “eloquentes”, ao atingir US$ 51 bilhões em 2017.

Bacalhau  no jantar

Depois dos compromissos oficiais, Mike Pence e dois assessores foram jantar no restaurante Dom Francisco, no Setor de Clubes Sul. O trio saboreou o bacalhau tradicional da casa e não pediu um salão reservado. Antes da chegada do vice-presidente americano, porém, mais de 10 seguranças revistaram a cozinha e as demais áreas do restaurante, além do clube em que o empreendimento funciona, a Associação dos Servidores do Banco Central (Asbac). Pence e os assessores chegaram por volta das 18h e saíram um pouco antes das 19h30.

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Parceria no espaço

27/06/2018

A aproximação entre Brasil e Estados Unidos resultou em uma parceria firmada na área da política espacial. O presidente Michel Temer e o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, assinaram ontem um acordo de cooperação estratégica que colocará a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Nasa trabalhando em conjunto. A ideia é dar uma finalidade comercial à Base de Alcântara, no Maranhão. A área será alugada aos norte-americanos para o lançamento de foguetes com satélites.

O uso comercial da Base de Alcântara Temer vem sendo estudado pelo governo Temer desde fevereiro deste ano. Em junho, as conversações com Washington começaram a tomar forma. Cálculos preliminares apontam que o “aluguel” da instalação possa gerar uma arrecadação de até US$ 1,5 bilhão por ano. A base tem localização privilegiada para a execução de programas espaciais.

A assinatura do acordo foi comemorada por Temer. “Nossa cooperação espacial, por exemplo, sai extremamente fortalecida. Pence preside, nos EUA, o Conselho Nacional do Espaço, o que nos ajuda muitíssimo nessa matéria. Vamos aproximar a AEB e a Nasa. Vamos progredir nas negociações de salvaguardas tecnológicas com vistas ao uso comercial da Base de Alcântara”, disse o presidente.

Segurança

O tratado foi igualmente celebrado por Pence. “Como presidente do Conselho Nacional do Espaço, deixe-me acompanhar pessoalmente o Brasil em se tornar a primeira nação da América Latina a firmar uma parceria compreensiva e estratégica para desenvolver tecnologias, criar empregos e investir nossas riquezas no espaço”, destacou.

A cooperação entre EUA e Brasil favorece, inevitavelmente, o terreno da segurança. Pence frisou que essa colaboração é forte e que os dois países vão enfrentar juntos os desafios regionais. “Trabalharemos em uma relação de forte confiança mútua”, disse. Temer ressaltou que Brasil e EUA vão unir esforços na luta contra o crime organizado e ressaltou que, nos últimos meses, ambos trabalharam para aprovar e promulgar acordos de uso do espaço exterior e de transporte aéreo.

O Diário Oficial da União publicou ontem o decreto que promulga um acordo de Previdência Social entre Brasil e EUA. O tratado foi assinado em 2015, mas aguardava o parecer do Congresso Nacional, que ratificou o texto apenas neste ano. O acordo entra em vigor em 1º de outubro e permite que trabalhadores brasileiros residentes nos EUA, bem como norte-americanos que moram no Brasil, somem os períodos de contribuição à Previdência dos respectivos países para atingir o tempo mínimo exigido para ter o direito à aposentadoria. Cerca de 1,3 milhão de brasileiros e 35 mil norte-americanos devem ser beneficiados. (Rodolfo Costa)