Correio braziliense, n. 20121, 24/06/2018. Política, p. 3

 

Alerta vermelho nas doações de campanha

Deborah Fortuna

24/06/2018

 

 

ELEIÇÕES » Especialistas levantam dúvidas sobre a capacidade da Justiça em fiscalizar os CPFs de financiadores individuais dos políticos. Identificação de lobistas deve ficar prejudicada

Três anos após a proibição da doação de empresas a campanhas eleitorais, o cenário não é otimista. Esta será a primeira eleição geral em que o novo método será implementado, mas especialistas ouvidos pelo Correio avaliam os riscos da decisão. O que surgiu como uma vontade popular de garantir que as entidades não influenciem nas eleições tornou-se um mecanismo que dificulta a transparência.

Além da possibilidade de aumentar o número de “laranjas” com a proibição, a tendência, segundo especialistas, é que a sociedade também enfrente obstáculos para descobrir os verdadeiros financiadores de partidos. Isso porque, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015, de proibir a doação por parte das empresas, isso não necessariamente impedirá que as instituições prestem esse tipo de serviço e burlem o sistema, como explicou o advogado criminalista Daniel Gerber. “(A lei) reflete uma ignorância quanto ao próprio conceito de empresa, que nada mais é do que uma extensão de pessoas voltadas a determinado fim. Eles fecharam a porta para o exercício legítimo de suas representações perante o Estado”, completou.

Considerando a possibilidade de que alguma empresa cometa uma irregularidade, há um problema central a ser enfrentado: a transparência. Antes da decisão da Corte, qualquer pessoa poderia acessar a página do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), digitar o nome do candidato e saber quais instituições doaram recursos para aquele político, e qual o valor.  Era também possível descobrir, por exemplo, qual o total de investimento que uma determinada entidade realizava para candidatos ou partidos. O interesse dessa fiscalização é saber se uma empresa fazia lobby para um político em troca de pautas que a favoreçam no Congresso.

O assunto voltou à tona após o início da arrecadação virtual, os chamados crowdfunding, e após a distribuição de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), aprovado pelo TSE. Os dois métodos vieram como uma alternativa para que um político consiga mais recursos para financiar a campanha eleitoral e, com isso, não depender da doação das empresas.

No sistema de financiamento coletivo, todos os sites, segundo a Corte Eleitoral, devem identificar as pessoas que fizeram a doação. Portanto, os dados, como Cadastro Nacional de Pessoa Física (CPF) e o valor depositado são informados. O problema é que, em alguns casos, políticos contam com mais de 1,8 mil doadores diferentes, e como não será possível a doação por parte de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), será mais difícil descobrir se há alguma ligação entre uma pessoa, com CPF, e uma empresa.

Para tentar coibir qualquer tipo de irregularidade, o TSE garantiu que cruzará os dados dos doadores com outros órgãos, como a Receita Federal. Mas essa fiscalização ficará por conta dos órgãos federais, e dificultará a vigilância por parte da sociedade civil. Para Gerber, as ações de controle do órgão são um “desperdício de energia pública”, já que ainda não se sabe qual será o custo dessa operação. “E também não existe fiscalização perfeita. O furo sempre pode ocorrer”, avaliou.

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Laranjal recorrente

24/06/2018

 

 

O sócio coordenador do departamento de Direito Eleitoral e Político do Braga Nascimento e Zilio Advogados, Tony Chalita, lembra-se das eleições de 2016, na qual a regra para proibir esse tipo de financiamento privado já funcionava. “Houve uma quantidade absurda de CPFs laranjas, de pessoas já mortas, de pessoas que recebiam verbas de programas sociais, bolsa família, PROUNI, outros programas sociais. Ou seja, de alguma forma conseguiu-se caracterizar uma transferência involuntária”, afirmou.

Com a proibição, a ideia é que os políticos se organizem e consigam gastar menos recursos durante o período eleitoral. Até porque, justamente, para coibir as fraudes e os “laranjas”, limitou-se o valor doado por pessoas físicas. No caso da “vaquinha virtual”, o limite máximo é de 10% do valor da renda declarada para a Receita Federal no ano anterior às eleições. Já no caso do FEFC, cada partido receberá um auxílio, no qual deverá gastar com as campanhas de candidatos. O valor para cada legenda depende de uma série de fatores. A sigla com maior parte do montante será o MDB, com R$ 234,2 milhões.

“Em 2014, Dilma gastou bilhões na campanha, e o Aécio, quase R$ 250 milhões. Hoje, a regra é que o teto de gastos para a campanha do presidente é de R$ 70 milhões. Ou seja, tem-se três vezes menos que o segundo candidato que mais gastou em 2014”, explicou Chalita. O problema, no entanto, é que os custos da campanha não diminuíram. “A redução do tempo de campanha pela metade não reduz pela metade os custos. As empresas que fazem a campanha não vão trabalhar menos, eles terão trabalho redobrado, a campanha acontece a todo vapor”, explicou Chalita. É esse desequilíbrio financeiro que justificaria, segundo o especialista, a análise que afirma que haverá fraudes entre empresas e candidatos. (DF)