O Estado de São Paulo, n. 45494, 09/05/2018. Política, p. A4

 

Barbosa recusa concorrer e eleição fica sem outsider

09/05/2018

 

 

Eleições. Um mês depois de se filiar ao PSB, ex-ministro do Supremo alega razão “estritamente pessoal” para deixar a disputa; sigla se divide e pode desistir de candidatura

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa informou ontem que decidiu não se candidatar ao Palácio do Planalto. Pouco mais de um mês após se filiar ao PSB, Barbosa surpreendeu líderes e dirigentes do partido com a decisão, classificada por ele como “estritamente pessoal”. O anúncio do ex-ministro deixa a eleição presidencial sem um pré-candidato com o carimbo de “outsider”.

O primeiro nome de fora da política a cogitar participar da disputa foi o empresário e apresentador de TV Luciano Huck – que, depois de idas e vindas, colocou um ponto final nas especulações sobre sua eventual candidatura ainda em fevereiro.

Barbosa avaliava uma possível candidatura à Presidência desde meados do ano passado. As conversas com o PSB evoluíram e ele se filiou no prazo final previsto pela legislação eleitoral (início de abril).

Porém, descrente e crítico do sistema político-partidário nacional, o ex-ministro manifestava receio de se lançar numa disputa eleitoral. Além disso, alegava um dilema pessoal: trocar a tranquilidade da função de advogado especializado na elaboração de pareceres jurídicos – que lhe garantem alto rendimento financeiro – e o impacto que a opção pela disputa eleitoral teria na vida de familiares.

“Está decidido. Após várias semanas de muita reflexão, finalmente cheguei a uma conclusão. Não pretendo ser candidato a presidente da República. Decisão estritamente pessoal”, escreveu o ex-ministro ontem em seu perfil no Twitter.

“Não acredito que esta eleição mude o país. O Brasil tem problemas estruturais gravíssimos, sociológicos, históricos, culturais, econômicos”, disse ele ao jornal Valor Econômico após da desistência. O ex-ministro afirmou temer que a escolha do novo presidente resulte no aprofundamento das desigualdades sociais. Na entrevista, disse ainda que nunca lhe atraiu “tudo aquilo que leva os políticos a conquistar o poder”.

Barbosa agitou o quadro eleitoral nacional nas últimas semanas ao somar até 10% de intenções de voto na pesquisa Datafolha. O potencial competitivo de sua eventual candidatura fez aumentar o assédio e a curiosidade sobre o pensamento do ex-ministro, que foi o relator do mensalão e deixou o Supremo em 2014.

Antes de anunciar a desistência no Twitter, Barbosa enviou mensagens aos aliados mais próximos. A reação foi de surpresa. Um correligionário afirmou que o ex-ministro não será candidato a nenhum outro cargo eletivo. A decisão abriu um racha no PSB sobre o futuro eleitoral da legenda e levou outros partidos a iniciarem ofensiva em busca do apoio dos pessebistas na disputa de outubro.

“Ele nunca havia dito que seria candidato. Isso não é para qualquer um. É muita pressão, muda totalmente a sua vida e da sua família”, disse ao Estado o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), que trabalha para que o partido apoie a candidatura de seu antecessor no Palácio dos Bandeirantes, Geraldo Alckmin (PSDB).

“A exposição é muito dura e assusta quem é de fora da política. Foi o que aconteceu com o Luciano Huck. Ele e o Barbosa tinham vontade de participar, de influenciar o debate, mas não aceitaram partir para o enfrentamento. Na vida pública, o grau de críticas é avassalador. Precisa ter estômago de aço para aguentar”, afirmou França.

Potencial. Para a diretora executiva do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, “não dá pra saber, a priori, o potencial de votos que de fato Barbosa teria ou os beneficiados (com a sua saída da disputa presidencial)”. “Até porque ele nunca foi testado e ainda era relativamente desconhecido”, disse Márcia em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Segundo ela, se Barbosa se mantivesse na corrida eleitoral, provavelmente retiraria mais intenção de votos de Marina Silva (Rede), Alvaro Dias (Podemos), Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB), nesta ordem. O que significaria, em teoria, que esses candidatos estariam entre os mais beneficiados com a desistência do pessebista. “O voto está muito pulverizado ainda”, disse a diretora do Ibope.

Em congresso partidário realizado em março deste ano, o PSB decidiu que havia três possibilidades para 2018: a candidatura própria; não apoiar oficialmente um candidato e liberar os Estados para apoios regionais; ou apoiar um candidato que se oponha à agenda de reformas e de privatizações proposta pelo governo do presidente Michel Temer.

‘Convencional’. Entre analistas da cena política nacional, a avaliação mais comum é de que a saída de Barbosa favorece uma disputa “convencional”, com nomes e legendas que já estiveram ou ainda estão no poder. “Sobrou pouco espaço para surpresas na corrida presidencial. Como a janela de filiação partidária está fechada, é difícil imaginar que apareça alguém completamente novo”, disse o cientista político Cláudio Couto, da FGV. “Estamos voltando para uma eleição mais convencional”, afirmou.

Partido

Ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa na primeira reunião com a cúpula do PSB, em Brasília, no dia 19 de abril

 

TRECHO

“Está decidido. Após várias semanas de muita reflexão, finalmente cheguei a uma conclusão. Não pretendo... ... ser candidato a presidente da República. Decisão estritamente pessoal.”

 

PARA LEMBRAR

Luciano Huck foi desestimulado

No ano passado, o empresário e apresentador de TV Luciano Huck se aconselhou com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa sobre o cenário eleitoral e uma eventual candidatura presidencial. O principal encontro ocorreu no início de novembro, no Rio. Na ocasião, segundo interlocutores próximos aos dois, Huck estava animado com os números de aprovação de sua imagem e com a participação em movimentos como o Agora! e o RenovaBR – além das conversas que mantinha com o PPS. Barbosa, conforme relatos, lembrou a Huck o quanto ele teria a perder se embarcasse num projeto político-eleitoral. Dias depois, o apresentador de TV anunciou que não seria candidato. Huck e o ex-presidente do Supremo construíram uma relação de amizade. O filho de Barbosa, Felipe, foi funcionário do apresentador na produção de seu programa na TV Globo, Caldeirão do Huck, em 2013. No início deste ano, Huck voltou a cogitar uma candidatura à Presidência. Em fevereiro, ele jantou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o que ampliou as expectativas de que pudesse aceitar concorrer ao Planalto. Huck, no entanto, reiterou que não iria entrar na disputa. “Não serei candidato, mas não quero falar mais sobre o assunto agora. Preciso digerir a decisão”, disse ele em fevereiro à coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy.