Título: Manipulação preocupante
Autor: Ribas, Silva
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2012, Economia, p. 9

Manipulação preocupante

Sem condições de reanimar a economia argentina, a presidente Cristina Kirchner apela para sentimentos nacionalistas e dados manipulados para disfarçar o tamanho da crise vivida pelo país. Não à toa, os economistas são unânimes ao afirmar que a segunda maior economia da América do Sul traçou "caminho perigoso" em direção ao aumento da pobreza, do desemprego e do crescente controle estatal. Alguns analistas, inclusive, classificam a Argentina como uma nação com um pé na ditadura, visão reforçada pela "nacionalização" de ativos da área petrolífera que pertenciam à espanhola Repsol.

A desconfiança em relação à Argentina é tamanha, que todos os dados econômicos são questionados, sobretudo por organismos internacionais. A manipulação chegou a tal ponto que o governo classificou como crime divulgar informações sobre a inflação. No ano passado, pelos contas da equipe de Cristina Kirchner, o custo de vida teve alta de 9,5%. Mas, pelos cálculos dos analistas, ficou de 23%.

De 2003 para cá, sete empresas entraram na mira do movimento kirchnerista, das quais seis foram estatizadas e uma delas, a Aerolíneas Argentinas, é alvo de disputada no Judiciário entre o governo e o grupo espanhol Marsans. As nacionalizações, somadas ao embate com a Inglaterra em torno das Ilhas Malvinas, são tentativas, na visão de especialistas, de tirar o foco dos problemas econômicos enfrentados pelo país. A Argentina tenta sair de uma crise que se instalou em 2001, quando decretou o maior calote de dívida soberana da história, de US$ 132 bilhões. Desde então, enfrenta séria escassez de moeda estrangeira.

Salto de 4,2% Além da crise cambial que criou um mercado com quatro moedas (peso, dólar, real e euro), a Argentina enfrenta desemprego próximo de 7% e uma severa desaceleração econômica. Esses dados, entretanto, são apenas projeções do setor privado. Os números oficiais são manipulados, o que levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a alertar o país para que corrija as informações e divulgue os dados verdadeiros. O organismo multilateral, por sinal, divulgou ontem sua previsão de crescimento para o país nesta ano: 4,2%, menos da metade do avanço registrado em 2011, de 8,9% — um dado que evidencia a severa desaceleração do país.

Peter Garnry, analista de mercado do Saxo Bank na Argentina e articulista do site Sala de Inversíon avaliou o reestatização da YPF como um sinal inequívoco dos perigos para empresas que querem investir na América Latina. "O projeto é realmente grotesco e as consequências para Buenos Aires vão ser graves. Os argentinos terão de suportar um maior isolamento e pobreza", avaliou.