Título: Confisco argentino custa US$ 10 bilhões
Autor: Ribas, Silva
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2012, Economia, p. 9

Estatização da YPF pelo governo de Cristina Kirchner faz Repsol pedir arbitragem internacional com o objetivo de compensar perdas. As ações da petrolífera europeia caíram ontem mais 6,49%NotíciaGráfico

Um dia depois de a presidente argentina Cristina Kirchner anunciar o confisco de 57,4% das ações da petroleira YPF, de propriedade da espanhola Repsol, apareceram as faturas do que pode se transformar em um grande embate internacional, com estragos por todos os lados. O presidente da Repsol, Antonio Brufau, disse que cobrará US$ 10 bilhões em indenizações. "Esses atos não ficarão impunes", alertou. Já o vice-ministro argentino da Economia, Axel Kicillof, um dos artífices da reestatização da petrolífera, assegurou que o seu governo só está cobrando uma dívida de US$ 9 bilhões que a companhia espanhola se recusava a pagar.

A disputa que varreu o mundo colocou no centro das atenções dois países que enfrentam crises econômicas gravíssimas e estão com a credibilidade arranhada. A Argentina vê o seu crescimento despencar, dificultando a política populista de Cristina Kirchner. A Espanha mergulhou novamente na recessão, ao tombar 0,3% nos primeiros três meses do ano. No governo do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, teme-se que o golpe imposto à Repsol, estratégica para a quarta maior economia da Zona do Euro, acabe se estendendo a outras empresas com presença maciça na América Latina.

O temor foi reforçado pelas declarações de Antonio Brufau. Ele contou que, na segunda-feira, as autoridades argentinas entraram de forma truculenta nas instalações da Repsol-YPF "sob amparo de lei da ditadura". Interventores, liderados por Kicillof e pelo ministro do Planejamento, Julio De Vido, invadiram gabinetes dos sócios na empresa e ordenaram que deixassem o local imediatamente. "Essa atuação não é própria de um país moderno. O povo da Argentina merece outra coisa", disse Brufau. As ações da Repsol, que foi colocada sob perspectiva negativa pela agência de classificação de risco Fitch, despencaram ontem 6,49% na Bolsa de Madri e as da YPF, 6,9%, no mercado de Buenos Aires.

Para justificar a expropriação das ações em poder da empresa espanhola, Cristina Kirchner alegou, no projeto de lei encaminhado ao Congresso, que a operação era de "de utilidade pública". Com um discurso populista, ela pediu que a reestatização da YPF, privatizada nos anos 1990 pelo governo de Carlos Menem, seja aprovada até a próxima semana. Apesar da gritaria contrária no exterior, até integrantes da oposição, entre eles Menem, disseram que votarão a favor do governo. Nas ruas, parte da população mostrou apoio à Casa Rosada ao pichar palavras de ordem contra a petrolífera espanhola.

A Repsol pedirá, em uma arbitragem internacional, compensação proporcional ao seu percentual no capital da YPF. Segundo o presidente da companhia, antes de partir para a expropriação, o governo argentino difundiu, ao longo de semanas, a intenção de reestatizar a YPF. O objetivo era desvalorizar as ações da petrolífera. No entender de Brufau, foi uma campanha calculadamente planejada para facilitar a arbitrariedade com preço reduzido. "É ilegítimo e injustificável", disse.

Treze anos após ter feito parceria com a argentina YPF, a Repsol terá que revisar sua estratégia e resignar-se, de imediato, em perder 25,6% de seus ganhos com a exploração de petróleo. O balanço da empresa de 2011 mostra que a Argentina representa um quarto da produção de óleo, 21% do lucro líquido e 33,7% dos investimentos. A despeito da clareza desses dados, o presidente da Repsol tentou reduzir o tamanho as perdas sem a YPF. "Em termos de geração de caixa, não afeta nada. São cifras importantes, mas que podem ser superadas", afirmou Brufau.

Tal argumento se sustenta no fato de a maior importância da YPF para a Repsol ser de longo prazo, com a reserva gigantesca de Vaca Muerta. A Repsol-YPF havia estimado, em fevereiro deste ano, que essa jazida continha 22,8 bilhões de barris de petróleo. O grupo classificou a descoberta, feita em 2011, como "a maior de sua história", avaliada em 13,7 bilhões de euros. "O valor a ser oferecido como indenização pelo governo argentino não contempla nem os lucros hipotéticos ou intangíveis, nem o valor futuro de projetos", observou Juan Carlos Barboza, economista do Itaú Unibanco.

Em meio a tanto transtorno, o ministro espanhol de Assuntos Exteriores, José Manuel García-Margallo, chamou o embaixador argentino em Madri, Carlos Bettini, para dar explicações. Foi a segunda convocação em quatro dias. Para especialistas, a YPF perderá lucratividade e a Argentina não conseguirá debelar sua crise inflacionária, com níveis superiores aos que declara, e de competitividade. Há tempos, Cristina Kirchner vem proibindo o reajuste dos preços dos combustíveis.

Só Chávez aplaudiu O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, chegou ontem ao México, onde se encontrou com dirigentes de vários países latino-americanos em busca de apoio contra a expropriação de ações da Repsol na Argentina. "A decisão argentina rompe o bom entendimento existente anteriormente entre os dois países", disse. Para Thomas Helbling, do Fundo Monetário Internacional (FMI), a reestatização da YPF é prejudicial para a estabilidade econômica do país latino. "A decisão da Argentina é decepcionante", disse o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. A postura argentina teve apoio externo declarado só do presidente venezuelano, Hugo Chávez.