Correio braziliense, n. 20112, 15/06/2018. Cidades, p. 13

 

O fim do racionamento

Pedro Grigori e Marlene Gomes

15/06/2018

 

 

CRISE HÍDRICA » Após 17 meses, o governo acaba com o rodízio de abastecimento com economia de 24,2 bilhões de litros de água. A inauguração do Sistema Corumbá IV, aliado à mudança de hábito da população, deve resolver o problema pelo menos até a próxima década

Após 514 dias, o racionamento chega ao fim no Distrito Federal. Em 17 meses, os investimentos em melhorias no sistema de distribuição hídrica superaram R$ 500 milhões. O saldo da economia foi de 24,2 bilhões de litros de água, segundo a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb). O volume é suficiente para abastecer todos os 3,013 milhões de habitantes do DF por 62 dias, caso a média de consumo se mantenha nos 129 litros diários por pessoa registrados no ano passado. O Governo do Distrito Federal acredita que a entrega do Sistema de Corumbá IV, prometido desde o começo dos anos 2000, garanta que a região não enfrente outras crises de abastecimento na próxima década. O novo prazo para conclusão das obras é até dezembro.

A partir de hoje, a Caesb está autorizada a captar 4,3 mil litros de água por segundo do reservatório do Descoberto. Antes da restrição, o limite era de 4,9 mil, e caiu para 3,3 mil no racionamento. Os produtores rurais terão o horário de captação de água dobrado, de 3 horas a 6 horas por dia. O governo garantiu também investir cerca de R$ 170 milhões em programas de redução e controle de perdas. Atualmente, 313 litros são perdidos por dia em cada ligação do DF, ou seja, cerca de 30% de todos os recursos que saem dos reservatórios não chegarem às residências dos brasilienses. A expectativa é de que até o fim de 2019 esse número caia para 250 litros.

A Caesb informou que a interligação dos sistemas também ajudou a aumentar o nível dos principais reservatórios. Antes da crise hídrica, o Descoberto abastecia 1.631.549 pessoas, ou seja, mais de 60% da população. Com a transferência de água entre os sistemas, ele passou a atender 52,09% (1.409.817 pessoas). Isso foi possível também devido à inauguração das captações do Bananal e do Lago Paranoá, em outubro de 2017. Isso possibilitou mais 1,4 mil l/s ao reservatório do DF. Com Corumbá IV, a expectativa é de que mais 1,4 mil litros de água por segundo (l/s) cheguem ao DF em um primeiro momento, subindo para 2,8 mil l/s na fase final.

Mudança de hábitos

Não ter água na torneira uma vez a cada seis dias alterou a rotina do brasiliense, que comprou caixas d’água e encheu baldes e garrafas nos dias de corte. A aposentada Maria do Socorro Rocha Freire, moradora de Águas Claras, conta que a situação deu origem a uma mudança de hábitos. “A gente se adaptou, e todo mundo deu uma ajuda para não ter problemas. Fiz uma programação dos dias de lavagem de roupa e de outros serviços para não precisar tanta água nos dias de corte. Mesmo assim, estou muito feliz com o fim do racionamento”, disse.

O comércio também comemorou o fim da crise hídrica. De acordo com a Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomércio), 180 salões de beleza fecharam as portas por causa do rodízio. Cerca de 10% dos 18 mil estabelecimentos tiveram prejuízos de R$ 2 milhões, o que significa redução de 3% no faturamento. O presidente da Fecomércio, Adelmir Santana, reforçou que o comerciante precisou se adequar. “Além dos salões de beleza, bares, restaurantes e postos de combustível tiveram dificuldades. Foi um período difícil, no qual, quem não se adaptou, enfrentou prejuízos”, explica.

No Yes Cabeleireiros, na 402 Norte, a proprietária, Lindalva Souza, lamentou as dificuldades nos dias de corte, principalmente na hora de lavar o cabelo das clientes, procedimento que teve de ser feito com baldes. “Felizmente, minhas clientes colaboraram bastante, e muitas até vinham de casa com o cabelo lavado. Mesmo assim, foi difícil. Houve reclamações e constrangimentos”, contou Lindalva.

Água mineral

Grande parte dos bares e restaurantes da cidade que não tinham reservas de água fizeram adequações na estrutura para não ficar sem o recurso, segundo o Sindicato dos Hotéis Bares e Restaurantes (Sindhobar). “Todo mundo teve de fazer algum tipo de investimento para solucionar o problema, como a instalação de caixa-d’água ou a adaptação de um sistema hidráulico, que exigiu gastos com tubulação, instalação e mão de obra”, detalhou o presidente da entidade, Jael Antonio da Silva.

O Santana Restaurante, na Praça do DI, em Taguatinga Norte, atende por dia cerca de 400 pessoas. No começo do racionamento, o dono do local, Adonias Santana, passou a comprar água mineral nos dias de corte. “Cheguei a pagar até cinco vezes mais pelo galão. Depois disso, percebi que era mais interessante instalar uma caixa d’água, tendo em vista que a crise não chegou rápido ao fim.” Ele ressaltou que o fim dos cortes não encerrará o período de economia no comércio dele. “Após o trauma inicial, fomos nos adaptando ao rodízio. Montamos uma boa estrutura e, agora, não falta água. Hoje, trabalhamos de forma racional para economizar o máximo. Esperamos continuar assim”, concluiu.