Valor econômico, v. 18, n. 4475, 04/04/2018. Política, p. A8.

 

Manifestantes a favor de prisão de Lula duvidam de decisão do STF

Cristiane Agostine

04/04/2018

 

 

Grupos antipetistas fizeram um protesto na noite de ontem na avenida Paulista para pedir a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com um público muito menor do que nos atos em defesa do impeachment de Dilma Rousseff, o ato foi marcado por críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), na véspera do julgamento do habeas corpus preventivo apresentado pela defesa de Lula para evitar a prisão do ex-presidente.

A maior parte dos antipetistas concentrou-se em volta dos carros de som do Vem Pra Rua e do Movimento Brasil Livre (MBL), que atuaram nos protestos contra Dilma. Nos locais onde esses dois carros de som estavam estacionados, cerca de meia quadra ficou lotada. Quem circulava pela Paulista percebia que nos outros quatro carros de som espalhados pela Paulista o público estava escasso e era fácil caminhar. Apesar do público menor do que em outros atos, havia um forte esquema de segurança da Polícia Militar.

No trio elétrico do Vem Pra Rua, manifestantes gritavam "Lula, ladrão, seu lugar é na prisão" e "Moooooro, Moooro", em referência ao juiz federal Sergio Moro, responsável pela condenação de Lula em primeira instância.

Um dos propositores do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o jurista Miguel Reale Junior pediu a prisão de Lula. "Queremos justiça, não vingança. Que não se faça privilégio de quem já foi julgado e quer se valer de sua condição de ex-presidente para não cumprir a lei. Não vamos deixar que isso aconteça", disse Reale Junior. "Queremos justiça para que o país se cubra de honra". O ministro do STF Gilmar Mendes foi criticado pelos manifestantes, que gritavam "Justiça".

O historiador Marco Antonio Villa criticou o Supremo e disse que o resultado deve ser favorável a Lula. "Vai ser um jogo de cartas marcadas, num 6X5 para Lula", afirmou. No mesmo carro de som, o jurista Modesto Carvalhosa estava em sintonia com Villa. "O Supremo tem que pedir desculpas pela indignidade do que vai fazer amanhã [hoje]".

O Vem Pra Rua pagou anúncio de página inteira em jornais de São Paulo anunciando a manifestação.

No carro do MBL, estacionado perto do Masp, o empresário Flavio Rocha (PRB) teve sua pré-candidatura presidencial defendida e atacou Lula, a quem chamou de "assaltante" e "chefe maior" de uma quadrilha. "Não podemos entregar o país para essa mesma quadrilha que destruiu nossa economia e nossos valores", afirmou.

Dezenas de manifestantes estavam com camisas da seleção brasileira de futebol e bandeiras do Brasil. O juiz Sergio Moro foi tratado como herói pelos manifestantes. Com uma faixa com a defesa da intervenção militar nas mãos, a aposentada Vanda Christiane, de 67 anos, mostrou-se descrente em relação ao Supremo. "Eles não estão nem ai para nada", disse. Nas eleições, a aposentada pretende votar em Jair Bolsonaro (PSL-RJ), por ter uma linha próxima aos militares.

O gerente comercial Eric Chistiane, 36 anos, filho da aposentada, foi ao protesto para pressionar o STF pela prisão de Lula e disse que a corrupção no país está ligada ao PT. "Lula é um dos líderes de uma das maiores organizações criminosas do mundo."

Hoje, o ex-presidente Lula deverá acompanhar o julgamento do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, seu berço sindical e político. Lula deve permanecer cercado de militantes, dirigentes petistas e integrantes de movimentos sociais em São Bernardo do Campo.

Um dia antes da decisão dos ministros do STF sobre seu futuro, Lula passou o dia em seu instituto, na capital paulista, com dirigentes petistas e de movimentos populares, como o presidente do PT-SP, Luiz Marinho, e o coordenador do MST João Paulo Rodrigues. O ex-presidente luta para manter-se em liberdade e recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo, contra a condenação a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

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Pedido de vista no Cade favorece empresas investigadas

Murillo Camarotto/ Lucas Marchesini

04/04/2018

 

 

Um processo de interesse das principais empresas do setor portuário está parado há quase dois anos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) devido a um pedido de vista da conselheira Cristiane Alkmin. Antes de ingressar no órgão antitruste, em 2015, ela trabalhou por três anos no grupo Libra, investigado na Operação Skala e um dos maiores interessados no tema.

A discussão trata de uma taxa conhecida no setor como THC2, que é cobrada pelos terminais pelo serviço de entrega de cargas importadas aos seus destinatários. Em 2005, o Cade já havia concluído que a THC2 era lesiva à ordem econômica, mas a cobrança continuou acontecendo com base em liminares judiciais e, anos mais tarde, em uma resolução da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

A questão, entretanto, retornou ao Cade em 2006, quando a empresa Marimex ingressou com uma ação contra a Rodrimar questionando a cobrança. Esse processo ficou quase dez anos em instrução na área técnica do órgão e só seguiu para o plenário no final de 2015. A votação foi iniciada em 22 de junho de 2016, quando Cristiane pediu vista. Na ocasião, o relator do processo, conselheiro Paulo Burnier, já havia se manifestado contra a cobrança.

A sessão foi marcada por alguns constrangimentos. Então conselheiro, o atual superintendente do Cade, Alexandre Cordeiro, chegou a comentar o fato de Cristiane ter trabalhado no grupo Libra. Desde o pedido de vista, a conselheira promoveu dez reuniões para debater o assunto, sendo oito em 2016 e duas no ano passado. Algumas das diligências determinadas por ela teriam sido feitas sem a anuência do plenário, o que alimentou críticas internas.

O caso voltou a ser discutido em agosto de 2016, quando Cristiane apresentou despachos pedindo novas providências. Na ocasião, ela sinalizou que poderia sugerir uma mudança no entendimento contrário à cobrança do THC2. "Discordo do argumento de que um juízo deve ser calcado no fato de que esse era o entendimento do passado; deve continuar sendo o entendimento do presente", disse a conselheira.

Cordeiro aproveitou a oportunidade para dizer que estranhava o pedido de vista e pediu para antecipar seu voto, também pela condenação da Rodrimar, ou seja, contra a cobrança da taxa.

Procurada, ela não se manifestou. Por meio da assessoria de imprensa, o Cade alegou que o pedido de vista foi feito para a melhor compreensão do caso. O órgão justificou ainda que Cristiane teve que relatar outros processos prioritários, o que ajuda a explicar a demora no retorno do tema à pauta do plenário do órgão.

Uma eventual derrota da Rodrimar no processo pode afetar diretamente a continuidade da cobrança por outras empresas, como a Libra, pois reforçaria a jurisprudência do Cade em relação ao tema e o entendimento de que a resolução da Antaq não garante a legalidade da cobrança da taxa.

Publicada pela agência em 2012, a Resolução 2.389 deu aval à cobrança da THC2, mas segundo os conselheiros do Cade isso não libera o descumprimento das normas de concorrência por parte dos terminais. Além do Cade, o Tribunal de Contas da União (TCU) se manifestou contra a cobrança da taxa e questionou a legalidade da resolução da Antaq.

Sempre que questionada, a direção da agência manifestou a intenção de reavaliar a resolução, mas isso nunca ocorreu. Nos bastidores, a justificativa é de que os dirigentes da agência não querem se indispor com os terminais.