Correio braziliense, n. 20118, 21/06/2018. Política, p. 2

 

Supremo dá poder à PF de fechar delações

Deborah Fortuna

21/06/2018

 

 

INVESTIGAÇÃO » Delegados federais comemoram decisão do STF que deu autonomia à corporação de negociar colaborações premiadas. Ministros, porém, reforçam que a polícia não pode interferir no trabalho dos procuradores. Guerra entre categorias deve permanecer

O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão de que os delegados da Polícia Federal podem fechar acordos de delação premiada sem o aval do Ministério Público. Apesar de autorizar a medida que concede mais poder aos delegados, os ministros da Suprema Corte reforçaram que a corporação não poderá interferir nas funções dos procuradores, assim como os policiais até podem sugerir punições aos delatores, mas a última palavra sempre será do juiz.

O assunto começou a ser discutido em dezembro do ano passado, e já tinha maioria formada nesse sentido desde então. O julgamento foi realizado em razão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5508, na qual a Procuradoria-Geral da República (PGR) questiona dois dispositivos da Lei 12.850, de 2013, que atribui a delegados de polícia o poder de firmar acordos de delação premiada com investigados. O pedido foi encaminhado pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e reafirmado pela sua sucessora, Raquel Dodge. Mesmo com a decisão, a guerra entre as categorias deve permanecer.

Na ação, a PGR afirmou que compete apenas ao Ministério Público liderar a investigação criminal, assim como definir quais provas considera relevantes para a ação penal e se haverá a formação da denúncia ou arquivamento do processo. O texto também diz que os trechos da Lei 12.850 contrariam o “devido processo legal”, e a “titularidade da ação penal pública conferida ao Ministério público pela Constituição (art.129, I), a exclusividade do exercício de funções do Ministério Público por membros legalmente investidos na carreira”. Além disso, a PGR também garante que “isso não exclui nem diminui o importante trabalho da polícia criminal nem implica atribuir ao MP a ‘presidência’ de inquérito policial”.

Fase de negociação

Apesar de a Corte entender que a Polícia Federal pode realizar as delações premiadas, o julgamento foi marcado por divergências entre os magistrados. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no STF, foi o único que defendeu que a Polícia Federal não poderia realizar o acordo com os investigados. Ele votou em dezembro do ano passado. Na época, Fachin disse que a polícia pode atuar na fase de negociação e orientação do investigado para eventual colaboração, mas afirmou que o acordo de colaboração premiada deve ser competência exclusiva do MP. Isso porque, segundo o ministro, há uma diferença entre colaboração e acordo de delação premiada. O primeiro caso é mais amplo e não há necessidade de um acordo com o Estado, enquanto o segundo, sim.

Já os ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli foram parcialmente vencidos. Eles seguiram o ministro-relator Marco Aurélio Mello em concordar com as delações feitas pela Polícia Federal, mas divergiram sobre os detalhes de como isso deveria ser feito. Na sessão de ontem, faltavam votar apenas os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e a presidente da Corte, Cármen Lúcia.

Segundo Cármen Lúcia, “os mecanismos colocados à disposição do Ministério Público, ou nesse caso específico da polícia judiciária, voltam-se a melhor forma de se obter as provas necessárias para se ter, então, o esclarecimento de todos os fatos”. O ministro Celso de Mello também foi contra ao argumento da PGR. “A atuação da autoridade policial nesse contexto, longe de comprometer ou de reduzir as atribuições de índole funcional do Ministério Público, representam, na verdade, o exercício concreto de uma típica atividade de cooperação no plano da investigação penal”, argumentou o decano.

Em nota, o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva, concordou com a decisão do STF, já que foi “respeitado” o que está previsto na legislação. “Não haveria porque retirar da Polícia Federal um dos mais importantes instrumentos de investigação, expressamente previsto pelo legislador. Agora não existem mais motivos para haver rusgas entre as instituições nesse sentido. O Supremo deixou claro: o delegado de polícia celebra o acordo, o Ministério Público opina e o Judiciário decide”, disse Paiva.

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Governadores perdem blindagem

21/06/2018

 

 

Com base na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em restringir o foro privilegiado para deputados federais, senadores e ministros de estado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, aplicar o mesmo entendimento. Agora, os governadores e conselheiros dos tribunais de contas de todo o país só serão julgados pelo STJ, se os crimes forem cometidos durante o período em que o réu ocupou o cargo eletivo, ou se relacionados ao exercício do mandato. Caso contrário, a ação deve ser remetida à primeira instância.

A decisão foi tomada ontem na sessão da Corte Especial, composta pelos 15 ministros mais antigos do STJ e responsável por julgar processos contra pessoas com foro especial no tribunal superior. Na sessão, quatro magistrados estavam ausentes, e a presidente da Corte, Laurita Vaz, vota apenas em casos de necessidade de desempate. Portanto, votaram 10 ministros: João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis, Luís Felipe Salomão, Felix Fischer, Herman Benjamin, Humberto Martins, Nancy Andrighi, Jorge Mussi, Og Fernandes e Mauro Campbell. Todos decidiram pela restrição da prerrogativa de função.

O julgamento começou em 16 de maio, quando foi apresentada uma ação contra um conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal sobre um suposto crime cometido enquanto o réu era deputado distrital. Na época, a sessão foi interrompida por um pedido de vista. O mesmo aconteceu no último dia 6, quando o ministro Felix Fischer também pediu mais prazo para analisar o caso.

A sessão de ontem teve início com o voto-vista do ministro Fischer, que acompanhou a divergência do ministro João Otávio de Noronha. Na época do voto, Noronha defendeu a competência e autonomia do STJ para determinar o envio à primeira instância. A divergência ocorreu porque no início do julgamento, o ministro Mauro Campbell negou a restrição ao foro, por entender que qualquer mudança deveria ser feita pelo STF. Mas, como no dia 12 deste mês, a Suprema Corte enviou para a primeira instância o caso do conselheiro do Tribunal de Contas do Mato Grosso, Sérgio Almeida, réu na mesma ação do ministro Blairo Maggi, o ministro Campbell mudou o voto anterior, e acompanhou os colegas.

Após decidirem pelos conselheiros, a Corte julgou um agravo em ação penal que envolve o governador Ricardo Coutinho (PSB-PB), e também entendeu que a restrição deve ser aplicada aos chefes do poder Executivo estadual. A Constituição prevê que o STJ é o foro responsável por julgar, além de governadores, “desembargadores dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais”. Sobre esses casos, os ministros deverão analisar separadamente, quando os processos forem pautados na Corte. Atualmente, tramitam 200 processos do tipo no tribunal, sendo 93 inquéritos e 72 ações penais, 33 sindicâncias e duas representações.