Título: Nem Chirac apoia Sarkozy
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 18/04/2012, Mundo, p. 16

. A cinco dias do primeiro turno, presidente francês vê o antecessor declarar voto na oposição socialista

Na reta final de uma difícil campanha pela reeleição, Nicolas Sarkozy sofreu um golpe de um personagem que, em tese, deveria apoiá-lo. O ex-presidente Jacques Chirac, expoente da direita "clássica" na França, teria dito a seu biógrafo que vai, mesmo, virar a casaca e votar no socialista François Hollande no primeiro turno, neste domingo. Jean-Luc Barré, escritor das memórias de Chirac, garantiu que o político "diz isso para todo mundo que vê". Contrariado, Sarkozy sugeriu que a opinião do ex-mentor não deveria ser "explorada" pela mídia, por se tratar de "um homem idoso" e com saúde mental "questionável". Aos 79 anos, com demência senil, Chirac ainda é um dos líderes mais respeitados da França, e sua adesão ao candidato de esquerda não foi isolada: ex-assessores dos últimos governos (de direita) o acompanham.

"Não é nenhum segredo de Estado", afirmou Barré à agência Reuters, comentando o voto do ex-presidente. "Ele não apenas vem me dizendo isso. Ele diz isso realmente para todo mundo que vê", ressaltou. Hollande, que aparece empatado com Sarkozy nas pesquisas para este domingo mas tem vantagem de 10 pontos em relação ao segundo turno, em 6 de maio, terá os votos de quase todo o clã Chirac. Há algumas semanas, a filha e o cunhado do ex-presidente jantaram com o candidato do PS. No domingo, foi vez de um conselheiro político reunir-se com o líder esquerdista. A exceção é Bernardette, a conservadora esposa do ex-mandatário, que tem participado de comícios do atual presidente.

Sarkozy nem sempre foi desprezado pelo antecessor, ao contrário. No início dos anos 1999, quando foi prefeito de Paris, Chirac impulsionou a vida política de seu então protegido na recém-fundada legenda direitista União por um Movimento Popular (UMP). Mas os dois colecionam ressentimentos desde 1995, quando Chirac conquistou seu primeiro mandato, mas assistiu a Sarkozy apoiar um oponente. Em 2007, o ex-presidente não fez segredo da preferência por outro pretendente a disputar a sucessão pela UMP, mas teve de engolir Sarkozy. "Chirac não gosta do jeito arrogante dele, nem de suas ambições políticas. Também não aprova a forma como o presidente puxou o partido para a direita mais dura, "ultra-americana", de uma forma que ele próprio jamais teria feito", disse ao Correio Jocelyn Evans, da Universidade de Salford, no Reino Unido.

Na tentativa de diminuir o peso das declarações do antigo aliado, Sarkozy afirmou que elas eram fruto de especulação. "O melhor jeito de respeitar Jacques Chirac e as dificuldades que atravessa é não tentar fazê-lo falar, de modo que ele não seja explorado em uma direção ou outra por aqueles ao seu redor", disse o presidente, em entrevista à rádio France Inter. O candidato à reeleição também precisará se preocupar com outras eventuais "punhaladas" vindas do próprio campo direitista. Laurence Parisot, presidente da Medef — a mais poderosa confederação empresarial francesa —, afirmou ontem que há temas "mais próximos" de Hollande e anunciou que pretende se encontrar com o candidato socialista antes do segundo turno.

Resignação

Embora Sarkozy tenha tentado minimizar a opinião de Chirac, traiu a própria insegurança em uma declaração incomum para um político nas vésperas da eleição. "Em caso de derrota, eu serei o único responsável", disse à revista L"Express. "Se a esquerda vencer, ela terá todos os poderes: o midiático, o sindical, o político. Isso não seria sadio nem equilbrado para a república", sugeriu. Sarkozy e Hollande aparecem empatados com 27% das intenções de voto para o primeiro turno, segundo levantamento divulgado pelo instituto Ipsos na noite de segunda-feira. Na simulação do segundo turno, o socialista vence por 56% a 44%.

Parte do revés pode ser explicada pelo estilo extravagante de Sarkozy, e outra parte pela crise financeira que abala a Europa. "Ele vai argumentar que a escolha por Hollande será desastrosa, mas não vai mais insistir nas posições da direita dura", prevê o professor Jocelyn Evans. "Ele sabe que, se quiser ter alguma chance no segundo turno, precisa conquistar os eleitores de centro."

Duas perguntas para

Jocelyn Evans, professor da Universidade de Salford e especialista em política francesa

O senhor acredita que podemos ter alguma surpresa ne domingo? Parece muito improvável que o resultado seja outra coisa que não Sarkozy e Hollande avançando para o segundo turno. Todas as pesquisas mostram uma grande diferença entre eles dois e os próximos dois candidatos, Jean-Luc Mélenchon e Marine Le Pen. Uma surpresa pode ocorrer se Mélenchon ultrapassar Le Pen, chegando em terceiro lugar. Outra será se (o candidato centrista) François Bayrou obtiver menos de 10% dos votos. Em 2007, ele foi o terceiro colocado, com quase o dobro disso. Há nessa campanha uma polarização entre esquerda e direita, e isso está afastando os eleitores do centro.

O que deve guiar a mente dos franceses que forem às urnas? Diferentes grupos de eleitores terão preocupações distintas. Os eleitores mais para a esquerda do espectro político terão de decidir se querem votar em Mélenchon, confiantes de que Hollande vai avançar para o segundo turno de qualquer maneira. Mas eles também podem temer que, se muitas pessoas pensarem assim, o candidato pode perder a liderança simbolicamente e ir para o segundo turno como vice-campeão. Isso não deveria importar, pois Hollande está bem à frente nas pesquisas sobre o segundo turno, mas seria um duro golpe para a autoconfiança dos socialistas. Já os eleitores de direita precisam decidir se estão dispostos a dar a Nicolas Sarkozy mais cinco anos no poder, ou se a sua decepção com o primeiro mandato significa que vão votar em Marine Le Pen ou abster-se. Aliás, as pesquisas mostram que a abstenção será entre 22% e 28%, um índice bastante alto. Se muitos indecisos se somarem a esse grupo, teremos uma abstenção recorde.

27%

Intenções de voto declaradas para Nicolas Sarkozy e para François Hollande em nova pesquisa do instituto Ipsos sobre o primeiro turno. No segundo, Hollande venceria com 56% contra 44%