Valor econômico, v. 18, n. 4476, 05/04/2018. Política, p. A8.
Julgamento do STF aproxima Lula do momento da prisão
Maíra Magro, Luísa Martins, Murillo Camaroto e Cristiane Bonfanti
05/04/2018
O Supremo Tribunal Federal (STF) se encaminhava na noite de ontem para rejeitar, por seis votos a cinco, o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dando sinal verde para que ele seja preso nos próximos dias por ordem do juiz Sergio Moro. O resultado se formou com o voto da ministra Rosa Weber, contrário à concessão do habeas corpus. Fiel da balança de uma corte dividida, Rosa chegou a dizer que é contra a prisão em segunda instância. Mas, de acordo com ela, a mudança na jurisprudência não pode ocorrer em um caso individual, como o habeas corpus de Lula. Rosa disse que seguiria decisão colegiada anterior do STF, que tem repercussão geral e por isso vale para todos, mesmo contrariando sua posição pessoal.
Já no fim do julgamento, durante o voto do ministro Marco Aurélio Mello, a defesa de Lula pediu que a ordem de prisão fique suspensa até que a Corte analise o tema nas ações diretas de constitucionalidade (ADCs) que abordam a prisão em segunda instância de forma genérica. Isso porque, nessas ações, a Corte teria maioria para reverter o atual entendimento, que permite a execução da pena em segundo grau. Marco Aurélio indicou que concordaria, mas a presidente do STF, Cármen Lúcia, não havia se pronunciado até o fechamento desta edição, às 23h.
"Se arrependimento matasse, eu seria hoje um homem morto", disse Marco Aurélio, criticando o voto de Rosa. Ele afirmou que deixou de fazer uma questão de ordem para pedir o julgamento das ADCs, das quais é relator, porque acreditou que cada ministro votaria no habeas corpus seguindo sua própria convicção. Marco Aurélio defendeu que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado da condenação, com o esgotamento de todos os recursos.
Votaram por negar o habeas corpus e manter a atual jurisprudência, que permite a prisão após a condenação em segunda instância, os ministros Edson Fachin, relator do habeas corpus, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, além de Rosa. Cármen Lúcia não havia votado até o fechamento desta edição, mas seu voto já era conhecido por negar o habeas corpus. Do lado contrário ficaram os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
Rosa deixou claro que analisava o habeas corpus como um caso individual, e não uma discussão com abrangência geral. Ela seguiu a proposta de Fachin de que o julgamento analisasse apenas a situação de Lula, com base na jurisprudência da Corte.
Rosa apontou que, em 2016, o STF decidiu mudar a jurisprudência anterior (que exigia o esgotamento dos recursos para o cumprimento da pena) para permitir a prisão em segunda instância, dando repercussão geral àquela decisão - ou seja, determinando que ela deve ser aplicada a todos os casos semelhantes.
"Uma vez estabilizada a jurisprudência, devem os tribunais observá-la", justificou. A ministra ressaltou que o que estava em julgamento ontem não eram as duas ações diretas de constitucionalidade (ADCs) que discutem o assunto de forma genérica - nas quais indicou que manterá sua posição pessoal, contrária à prisão em segunda instância.
Relator das ADCs e contrário à prisão em segunda instância, Marco Aurélio apontou que se as ações genéricas estivessem em discussão o STF teria maioria de votos para mudar a jurisprudência - o que beneficiaria Lula. "Aí, sim, teria efeito vinculante", retrucou Rosa, opinando que só após esse julgamento é que uma nova jurisprudência poderia ser aplicada. Marco Aurélio lançou crítica à presidente da Corte, Cármen Lúcia, que se recusou a colocar em pauta as ADCs. "Vence a estratégia de Vossa Excelência não ter colocado em pauta as ADCs", reclamou. Lewandowski acrescentou: "Inclusive havia um pedido expresso do relator [Marco Aurélio] nesse sentido."
As críticas foram em tom moderado, diferentemente das falas exaltadas que marcaram a sessão do dia 21 de março, quando Cármen Lúcia anunciou que pautaria o habeas corpus de Lula.
O começo da sessão foi marcado por votos antagônicos de Fachin, que rejeitou o pedido de Lula, e Gilmar, que o aceitou parcialmente. Fachin defendeu que o habeas corpus não era o momento adequado para rediscutir a tese da prisão em segunda instância. O ministro também rechaçou a tese de que o Supremo teria sucumbido a pressões punitivistas, dizendo que a execução da pena após a segunda instância está de acordo com os direitos fundamentais.
Em seguida, Gilmar antecipou seu voto e defendeu que o julgamento deveria tratar da tese geral sobre a prisão em segunda instância. Ele propôs um caminho intermediário pelo qual a prisão só seria possível após decisão do STJ, uma espécie de terceira instância, antes do trânsito em julgado. O ministro fixou alguns casos em que valeria a execução da pena em segunda instância, como nos crimes violentos. Depois de votar, ele deixou a sessão para pegar um voo para retornar a Portugal, onde promove um seminário jurídico.
Seguindo a corrente do relator, Alexandre de Moraes afirmou que a presunção da inocência não pode ser interpretada de maneira isolada, ou com preferência em relação a outros princípios. Ele ressaltou que a segunda instância é a última que analisa provas e fatos narrados no processo, portanto deve ser a responsável por decidir sobre a prisão. Moraes também alertou para a necessidade de dar efetividade às decisões judiciais.
Acompanhando a mesma corrente, Barroso abriu seu voto dizendo que, para ele, não era indiferente o fato de o processo tratar de um ex-presidente da República. Ele ressaltou que a decisão não trataria do legado político de Lula, e nem envolveria considerações sobre o mérito do processo que condenou o ex-presidente a 12 anos e um mês de prisão - que ele revelou inclusive não ter lido. Segundo o ministro, o que estava em discussão era unicamente a possibilidade ou não de executar a pena.
Barroso fez uma longa explanação sobre a lentidão do Poder Judiciário em efetivar punições, sobretudo para pessoas com condição econômica privilegiada. "A demora perene nas punições criou esse sentimento de descrédito na sociedade. Não é sensação de impunidade, é impunidade mesmo", declarou. Mencionando a Operação Lava-Jato, disse que o fim da prisão em segunda instância eliminaria o interesse de investigados em fechar acordos de delação premiada, um dos pilares da investigação. "Se nós voltarmos atrás, todos esses avanços vão regredir, e o crime vai voltar a compensar", afirmou.
Em corrente oposta, Toffoli criticou Rosa Weber dizendo que também segue o colegiado ao tomar decisões sozinho ou nas Turmas, mas falou que o plenário é o local de seguir suas próprias convicções. Assim como Gilmar, o ministro considerou que a prisão só pode ocorrer após decisão do STJ.
Já Lewandowski defendeu que a punição só pode ocorrer com o trânsito em julgado da condenação, ou seja, o esgotamento de recursos até o STF.