Correio braziliense, n. 20115, 18/06/2018. Mundo, p. 11
A direita se impõe com Iván Duque
Rodrigo Craveiro
18/06/2018
COLÔMBIA » Afilhado político de Álvaro Uribe, ex-senador de 41 anos conquista a maior votação da história do país e derrota o esquerdista Gustavo Petro. Novo presidente anuncia revisão do acordo de paz com as Farc
Em 30 de agosto de 2016, o então senador Iván Duque afirmou ao Correio que a construção da paz começa com a justiça. “Por aqui, o que temos é uma pachanga (festa) da impunidade”, afirmou. “Sou contrário à impunidade, que permite aos maiores responsáveis de delitos de lesa humanidade gozarem de elegibilidade política. Também rechaço o fato de que as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) não entregaram a sua fortuna criminosa para reparar as vítimas”, acrescentou. Com 10.373.080 votos (53,98%), o candidato do partido direitista Centro Democrático conquistou, ontem, o segundo turno das eleições presidenciais colombianas, ao derrotar o ex-guerrilheiro Gustavo Petro, da Coalizão Petro Presidente, que obteve 8.034.189 votos (41,81%).
“Aceitamos o triunfo de Duque. Ele é o novo presidente da República da Colômbia. Hoje, somos oposição a esse governo”, declarou Petro, que avisou: “Os 8 milhões de colombianos e colombianas não permitiremos que retrocedam o país até a guerra”. A julgar pelas críticas ao processo de paz com as Farc, Duque procurará revisar pontos do acordo firmado com os rebeldes.
Afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe, Duque, 41 anos, se tornou ontem o mais jovem chefe de Estado eleito da Colômbia desde 1872 e o mais votado da história do país. O índice de abstenção ficou em 48%, alinhado à média histórica de 50%. À noite, o vencedor do pleito recebeu um telefonema do atual presidente, Juan Manuel Santos, e lhe disse estar pronto para iniciar um trabalho que beneficie a todos os colombianos.
O primeiro discurso como chefe de Estado eleito foi de reconciliação. Duque agradeceu a Deus e ao povo da Colômbia, “porque uma nova geração chega para governar, com todos e para todos, com a maior votação da história de nosso país”. “Com humildade e com honra, depositarei todas as minhas energias para unir a nossa nação. Não mais divisões”, declarou. Ele prometeu combater a corrupção e assegurou: “Somos todos amigos da construção da paz; essa paz que ansiamos terá correções, para que as vítimas sejam o centro do processo para garantir a verdade, a justiça e a reparação”.
Releitura
“As consequências da vitória de Duque incluem a releitura de alguns pontos do acordo de paz, como a justiça transicional e a questão fundiária. Creio que haverá dificuldades em debater esses temas, principalmente em âmbito territorial”, explicou ao Correio Magda Catalina Jiménez, professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá).
Por sua vez, Andrés Macías Tolosa, colega de Catalina na mesma faculdade, entende que a inquietude em relação ao futuro do acordo de paz é “bastante válida”. “Depois do primeiro turno, Duque suavizou o discurso, indicando que faria poucas reformas, mas não trasformaria o pacto em ‘farrapos’. Esperamos que ele cumpra com sua palavra; o partido político Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc) — criado pela guerrilha — estará no governo a partir de 20 de julho e isso Duque não poderá mudar. Mas não tenho dúvidas de que ele e Uribe, enquanto senador, não facilitarão a implementação do acordo”, disse à reportagem.
De acordo com Tolosa, muitos setores políticos alinhavados ao governo de Santos se uniram à campanha de Duque, nas últimas semanas. “Por mais que Duque diga que não tem compromissos políticos, creio que o apoio recebido será refletido em sua gestão. O que deve mudar? Ele provavelmente fará um governo totalmente transparente, que reduza a corrupção, ainda que seja uma tarefa muito complexa”, comentou. No Twitter, ex-líderes das Farc comentaram a derrota do esquerdista Petro. “Reconhecemos os resultados desta democracia, fizemos oposição antes e seguiremos fazendo”, escreveu a ex-guerrilheira Victoria Sandino, uma das artífices do acordo de paz com o governo Santos.
Eu acho...
“O triunfo de Iván Duque era esperado. Com ele, a direita ficará mais visível e melhor posicionada. A sua vitória não representa a derrota do acordo de paz com as Farc, mas uma manobra para debilitar os pontos com os quais o seu partido, Centro Democrático, apresentava divergências.”
Magda Catalina Jiménez, professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidad Externado de Colombia
Bastidores da democracia
Quem é o novo presidente
Casado com a cientista política María Jualiana Ruiz, com quem tem três filhos, o advogado e economista Iván Duque começou a carreira em 1998, como assessor do Ministério da Fazenda durante o governo de Andrés Pastrana. Em 2014, foi eleito senador. Afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe, defende modificações no pacto de paz com as Farc para prender e inabilitar politicamente os líderes rebeldes e se recusa a legalizar o consumo de cocaína.
O voto do Nobel da Paz
O presidente Juan Manuel Santos votou destacando a sensação de paz. “São eleições transcendentais”, disse o líder, que entregará a Casa de Nariño a Iván Duque em agosto. Laureado com o Nobel da Paz, pelo acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Santos comemorou as eleições mais seguras, transparentes e com maior participação da história”, escreveu no Twitter.
Segurança reforçada
O segundo turno das eleições presidenciais colombianas contou com um forte aparato de vigilância (abaixo). Ao fim do processo, as autoridades garantiram que a votação transcorreu com tranquilidade. Pelo menos 157 mil homens das forças de segurança trabalharam durante o pleito, incluindo 90 mil policiais, 1.500 promotores e mais de 6 mil investigadores.
“Quero ver o jogo”
O candidato de esquerda Gustavo Petro votou na localidade de Puente Aranda, em Bogotá, acompanhado da mulher, Verónica Alcocer; e da filha, Antonella (ao lado). “Papai, vote rápido, pois quero ver o jogo”, disse a menina, arrancando gargalhadas, ao se referir à partida entre a Alemanha e o México, pela Copa do Mundo. Foi a garota quem depositou a cédula eleitoral na urna. “Pelo futuro e o presente de todos as nossas crianças. Pois elas merecem um país onde governe a decência. Um país de homens e mulheres livres”, afirmou na rede social.