O Estado de São Paulo, n.45503 , 18/05/2018. POLÍTICA, p.A4

QUASE 300 PROCEDIMENTOS APURAM NOTAS PARA A J &F

Fabio Serapião

Adriana Fernandes 

 

 

Investigação. Receita mira empresas citadas nos acordos de colaboração premiada de executivos e acionistas do grupo suspeitas de emitir recibos fictícios para ocultar repasses

A Receita Federal instaurou 298 investigações – chamadas de procedimentos fiscais – contra empresas citadas nos acordos de colaboração premiada de executivos e acionistas do Grupo J&F, dono da JBS. Os procedimentos apuram se as empresas foram emissoras de notas fictícias para mascarar repasses a agentes públicos e partidos políticos. O objetivo do Fisco é rastrear os recursos, identificar os beneficiários finais desses repasses e mapear possíveis crimes tributários na emissão das notas falsas. Ainda não há um valor total envolvido nas operações.

As investigações começaram na esteira da Operação Patmos, que completa um ano hoje e foi o primeiro desdobramento da delação da J&F. A colaboração mirou em aliados do presidente Michel Temer e políticos do MDB e de outros partidos.

Estão na mira dos procedimentos compradoras de carne da JBS, escritórios de advocacia, agências de publicidade e comunicação, editoras, empresas de transporte e firmas que atuam no setor de construção civil. Todas são apontadas como fornecedoras de notas “frias” que serviram, segundo os delatores, para mascarar repasses de propina para políticos como o ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia e Comunicações), os senadores Eunício Oliveira (MDB-CE) e Eduardo Braga (MDB-AM) e partidos políticos, como PR, PCdoB e Solidariedade.

Alvo da Receita, as empresas “noteiras” formam um dos grupos de pessoas jurídicas investigadas em grandes operações da Polícia Federal. Segundo o Fisco, elas eram “encarregadas pela emissão de notas fiscais frias para acobertar recebimentos ilícitos de recursos e posterior distribuição aos beneficiários finais, via contratação de outros serviços fictícios, saques em espécie e celebração de contratos de câmbio fraudulentos”.

Os procedimentos vão mapear toda a movimentação financeira dessas firmas para descobrir qual foi o caminho percorrido pelos valores enviados pelo Grupo J&F.

As revelações dos acionistas da J&F, os irmãos Joesley e Wesley Batista, e de executivos do grupo levaram à abertura de duas ações penais contra políticos e há pelo menos 13 inquéritos tramitando no Supremo Tribunal Federal. O mais recente deles foi aberto anteontem e envolve caciques do MDB.

 

Outros. Entre os alvos dos processos estão Kassab, o governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), o presidente Michel Temer – alvo de duas denúncias e investigado no inquérito sobre o Decreto dos Portos – e o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Quatro dos sete delatores da J&F, no entanto, vivem um impasse. A Procuradoria-Geral da República pediu a rescisão do acordos, ainda não homologada pelo ministro-relator no STF, Edson Fachin.

Tanto no Supremo como em outras instâncias, mais inquéritos poderão ser abertos com base nos 76 anexos complementares das delações apresentados em agosto. Na semana passada, a Procuradoria deu encaminhamento a essas informações, que, além do STF, seguem para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para Paraná, São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio Grande do Norte, Acre, Rondônia, Minas Gerais e Rio.

“A importância dos depoimentos e dados de corroboração certamente serão utilizados para a abertura de novos inquéritos, pois isso já foi demonstrado nos atuais procedimentos instaurados, o que revela a importância da colaboração”, disse o advogado André Callegari, que defende Joesley no caso do acordo de colaboração premiada firmado no Supremo.

Procurada, a J&F informou que não iria se manifestar. / COLABORARAM BRENO PIRES e NEILA ALMEIDA e PAULO OLIVEIRA, ESPECIAIS PARA O ESTADO

 

1 ANO DE DELAÇÃO

● Ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, homologou em 18 de maio de 2017 o acordo de colaboração de Joesley e Wesley Batista

 

17/5/2017

Vem à tona gravação que Joesley fez de conversa com Temer na qual o presidente teria dado aval à compra do silêncio de Eduardo Cunha. No dia seguinte, delação da J&F é homologada no STF.

 

4/9/2017

Com base em conversa entre Joesley e Ricardo Saud, Janot abre investigação sobre o acordo da J&F.

 

10/9/2017

Joesley e Saud se entregam à PF em São Paulo; Fachin havia autorizado a prisão temporária dos dois.

 

18/12/2017

Raquel Dodge reitera pedido para rescindir delação de Joesley. Rescisão depende de homologação do STF.

 

26/6/2017

Com base na delação da J&F, Janot denuncia Temer por corrupção passiva. Câmara barra acusação.

 

14/9/2017

Janot denuncia Temer por organização criminosa e obstrução da Justiça. Câmara barra acusação.

 

9/3/2018

Joesley e Saud são soltos; Wesley Batista havia deixado a prisão em fevereiro.

 

17/4/2018

Gravado por Joesley, Aécio vira réu no STF por corrupção e obstrução da Justiça.

 

15/5/2018

Vem a público denúncia do MPF contra Joesley; acusação ignora acordo da J&F.