O Estado de São Paulo, n. 45502, 17/05/2018. Esportes, p. A21

 

Técnico nega ter abusado de atletas

Neila Almeida

17/05/2018

 

 

Escândalo na ginástica / Em audiência à CPI dos Maus-Tratos, Fernando de Carvalho Lopes alega inocência e diz que as denúncias estão sendo feitas contra ele por vingança

O ex-técnico da seleção brasileira de ginástica Fernando de Carvalho Lopes negou ontem, em depoimento no Senado, ter abusado de atletas. Em audiência na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Maus-Tratos, ele atribuiu as denúncias à vingança por sua rígida postura nos treinamentos.

Ao todo, 40 ginastas e ex-ginastas afirmaram que foram vítimas de abusos sexuais praticados por Fernando de Carvalho entre 1999 e 2016, quando ele era técnico do Mesc (Movimento de Expansão Social Católica), em São Bernardo do Campo (SP). O processo foi aberto em junho de 2016. Até agora, 23 pessoas já foram ouvidas na delegacia, entre vítimas e testemunhas.

“Nunca fui um técnico manso. Sempre fui extremamente rígido e por isso criei muitos inimigos. Cortei bolsas de atletas, demiti pessoas que não seguiam a minha linha de trabalho. Acredito que isso possa ser uma vingança” afirmou. Lopes negou também ter trocado emails ou mensagens de cunho pessoal com os atletas.

Essa foi a primeira vez que o ex-técnico da seleção brasileira de ginástica falou abertamente sobre as acusações. A sessão da CPI foi fechada pelo presidente da comissão, o senador Magno Malta (PR-ES). Durante o depoimento, o parlamentar também pediu explicações sobre suspeitas de desvio de dinheiro do programa Bolsa Atleta. Fernando chegou a admitir que houve cortes para custear materiais de treinamento, mas que não tinha acesso ao dinheiro.

O senador solicitou também a quebra do sigilo de telemático (e-mail), telefônico e fiscal de Fernando. “Não tenho nada a esconder, se for possível essa averiguação, pode ser feita”, disse o ex-técnico da seleção.

Durante a sessão, os nomes dos atletas não puderam ser citados a pedido do advogado de defesa. Luís Ricardo Davanzo, que estava presente, alegou que o processo corre em segredo de Justiça.

Malta disse que vai convocar Lopes para novo depoimento à CPI assim que os dados da quebra de sigilo forem concluídos.

Questionado sobre quantidade de denúncias contra ele, Lopes se defendeu. “Eu trabalho há 20 anos e não há 20 meses ou 20 dias. Eu entendo que é uma denúncia muito grave, mas, da forma que foi feita sobre mim, não vejo outra coisa a não ser vingança. Até porque trabalhei com centenas de atletas e nunca existiu uma queixa neste aspecto sobre mim. Agora, de repente, aparecem tantas.”

O senador citou a Operação Lava Jato para rebater o argumento do técnico. “No início das investigações (da Lava Jato), a maioria das pessoas não tinha nenhuma denúncia e de repente, quando um falou, muitos casos começaram a aparecer”, disse Malta.

Durante a sessão, o parlamentar mostrou diversos depoimentos de atletas sobre os supostos abusos. Quando questionado sobre usar o mesmo banheiro e dormir na mesma cama que os atletas, Fernando afirmou que nunca dormiu na mesma cama, mas admitiu que, como o vestiário é coletivo, muitas vezes precisou tomar banho no mesmo banheiro que os atletas. “Algumas vezes entrei no vestiário masculino pra tomar banho. Tinha acesso ao banheiro e tomava meu banho”, explicou. “Era um local público. Nunca sozinho com os atletas. No ginásio onde eu trabalhei havia pais nas arquibancadas, outros treinadores e outros ginastas”, continuou o profissional.

Lopes foi afastado de todas as suas funções no clube de São Bernardo desde que as denúncias vieram à tona. Ao final da sessão, Malta disse que vai convocar a supervisora do clube em que Lopes trabalhava, Ivonete Fagundes, para depor.

Também vai ser apurado desvio de verba do Bolsa Atleta, com suspeita de envolvimento de Lopes e de Ivonete.

No início do mês, foi cumprido mandado de busca e apreensão na casa dos pais do treinador, onde ele também reside atualmente, em São Bernardo do Campo.

 

Depoimento

Interrogado pelo senador Magno Malta, o técnico Lopes disse entender que sua rigidez no trabalho levou a denúncias que diz ser infundadas

 

DEFESA

Fernando de Carvalho Lopes

TÉCNICO DE GINÁSTICA

‘Nunca fui um técnico manso. Sempre fui rígido e por isso criei muitos inimigos. Cortei bolsas de atletas, demiti pessoas que não seguiam a minha linha de trabalho. Acredito que isso possa ser uma vingança’

 

PARA LEMBRAR

Caso surgiu após denúncia em 2016

Mais de 40 ginastas e ex-ginastas alegam que sofreram algum tipo de abuso físico, moral ou sexual de Fernando de Carvalho Lopes, técnico que fez carreira no Mesc (Movimento de Expansão Social Católica), clube particular da cidade de São Bernardo do Campo, e que por dois anos integrou a comissão técnica da seleção brasileira masculina de ginástica. A história veio à tona no último dia 29 de abril. O caso surgiu após a primeira denúncia, feita por um menor de idade pouco antes da Olimpíada do Rio, em 2016, o que motivou o inquérito policial que está prestes a ser concluído. Na ocasião, ele foi afastado da seleção brasileira de ginástica.  Entre as vítimas que aceitaram falar publicamente do caso está Petrix Barbosa, medalhista de ouro no Pan de Guadalajara, em 2011. Fernando, que está afastado do Mesc, alegou inocência de todas as acusações.