O Estado de São Paulo, n. 45502, 17/05/2018. Metrópole, p. A18

 

Bitcoin deve usar 0,5% da energia global

Fábio de Castro

17/05/2018

 

 

Consumo diário de eletricidade para produzir criptomoedas é o mesmo que o gasto da cidade de São Paulo durante um dia, aponta estudo

Imagine a quantidade de energia elétrica consumida por casas, comércio e iluminação pública em toda a cidade de São Paulo em um dia. Essa é aproximadamente a quantidade de eletricidade gasta para a produção diária da moeda virtual bitcoin, segundo nova pesquisa publicada ontem na Joule, revista científica do grupo Cell dedicada aos estudos de energia. Até o fim de 2018, a produção de bitcoins deve representar 0,5% do consumo global de energia.

Especialistas têm manifestado preocupação com a enorme demanda por energia elétrica para o processo industrial envolvida na emissão da moeda virtual bitcoin, mas até agora esse consumo não havia sido medido por nenhum estudo científico rigoroso. Segundo a pesquisa realizada pelo economista holandês Alex de Vries, especialista em bitcoins do Experience Center da PwC na Holanda, a rede de computadores envolvida na produção de bitcoins consome no mínimo 25 terawatts/hora – valor semelhante ao da energia elétrica consumida na cidade de São Paulo, ou em um país como a Irlanda.

Com a crescente valorização da bitcoin, ele diz que esse consumo deverá crescer de forma expressiva até o fim deste ano, alcançando 77 terawatts/hora – cerca de 0,5% do consumo mundial de energia elétrica.

“Temos visto muitos cálculos improvisados, mas precisamos de discussão mais científica sobre o rumo dessa rede. Neste momento, de forma geral, a informação disponível tem qualidade bastante baixa”, disse De Vries ao Estado.

Fundador do blog Digiconomist, dedicado a fornecer informações aos usuários de “criptomoedas”, ele afirma que uma única transação com bitcoin consome tanta eletricidade como a média de uma residência holandesa durante um mês. Se até o fim do ano o consumo subir mesmo para 77 terawatts/hora, ele será equivalente ao de um país como a Áustria.

“Para mim, 0,5% já é chocante. É uma diferença extrema em comparação ao sistema financeiro convencional e essa demanda crescente de eletricidade definitivamente não vai nos ajudar a alcançar nossas metas climáticas”, disse De Vries.

Segundo o economista, se o preço da bitcoin continuar a crescer da maneira como os especialistas estão prevendo, a rede poderá chegar a consumir nos próximos anos algo em torno de 5% da eletricidade do mundo. “Isso seria terrível.”

Embora a bitcoin seja uma moeda virtual, sua produção causa problemas bastante concretos, como a emissão de carbono na atmosfera. Na China, país que concentra o maior número de “mineradores” de bitcoins, a maior parte da energia elétrica é produzida pela queima do combustível fóssil.

“A eletricidade com base em carvão está disponível na China com taxas muito baixas e o país concentra mais da metade das ‘minas’ de bitcoin”, alertou o cientistas.

Estudo feito por ele em dezembro em uma “mina” de bitcoins na Mongólia – onde a matriz energética também se baseia no carvão – estimou que uma única transação com a moeda pode ter uma “pegada de carbono” semelhante à de um passageiro voando por uma hora em um Boeing 747. “Pelos nossos cálculos, são emitidas mais de 440 quilos de carbono para cada transação com a bitcoin.”

 

Energia. As bitcoins são criados por um processo em que supercomputadores processam cálculos matemáticos de alta complexidade, em milésimos de segundos, por meio de um software. A cada 10 minutos, o programa lança uma equação matemática diferente.

Ligados em uma rede paralela na web, os computadores competem pela chance de desvendar as equações, para criar a próxima cadeia de transações. O usuário do computador que decifrar primeiro os códigos é premiado com 12,5 bitcoins.

“Se quiser uma fatia maior do bolo, vai precisar aumentar seu poder computacional. Com isso, há grande incentivo para que as pessoas aumentem os gastos em computadores e em eletricidade”, disse De Vries.

 

Virtual. É anônima a identidade do criador do bitcoin, que existe desde 2009

 

Produção de moeda no Paraguai busca luz mais barata

Renato Jakitas

No fim de 2017, a bitcoin era assunto no mundo. Em 12 meses, alcançava valorização de 1.300% e enquanto parte dos analistas discutia se ela representava ou não risco de ser uma bolha de mercado, um grupo de brasileiros cruzava a fronteira com o Paraguai para ganhar a vida “fabricando” a moeda no país vizinho.

Fui atrás da história e cruzei a Ponte Internacional da Amizade para a Ciudad del Este, no Paraguai. Lá, descobri que a emissão de bitcoins é um processo industrial, de uso intensivo de energia. Três fábricas tocadas por brasileiros dividem um mesmo condomínio industrial a cerca de 20 km do centro da cidade. Eles me explicaram que estavam no Paraguai apenas pela conta de luz.

Um quilowatt custa para uma empresa paraguaia US$ 0,04. No Brasil, o preço da energia mais barata (apenas para fins rurais) é sete vezes maior, em torno de US$ 0,28. Essa diferença se dá porque o Paraguai ainda é superavitário em eletricidade. Mas a empresa local de energia, Ande, não faz a menor ideia do impacto de uma fábrica de bitcoin para o sistema. Quando as máquinas foram inauguradas em um local, o bairro inteiro ficou no escuro (a rede pegou fogo). Mesmo hoje, com sistemas especiais, os blecautes acontecem ao menos uma vez por mês.

A “produção” de bitcoin é feita por supercomputadores, equivalentes a seis videogames de última geração cada. Hoje, cerca de um milhão de máquinas funcionam ininterruptamente no mundo, emitindo 3,6 mil novas unidades de bitcoins todos os dias e consumindo 30 terawatts por hora (Twh) de luz elétrica, mais do que um país como a Dinamarca.