Correio braziliense, n. 20116, 19/06/2018. Mundo, p. 10

 

Trump em xeque

Rodrigo Craveiro

19/06/2018

 

 

ESTADOS UNIDOS » Presidente avisa que não permitirá a repetição da crise migratória europeia, no país, e defende a separação de famílias na fronteira. Políticos republicanos exigem o fim da medida. Brasileira afastada da filha de 8 anos revela sofrimento ao Correio

Depois de se indispor com aliados na Europa, ao anunciar medidas protecionistas, o presidente americano, Donald Trump, atacou a política migratória do continente para justificar a  decisão de separar crianças dos pais que tentam entrar ilegalmente nos EUA. “Os Estados Unidos não serão um campo de migrantes e não serão um complexo para manter refugiados. (…) Se você olhar o que está acontecendo na Europa (…), nós não permitiremos que isso ocorra aos EUA”, declarou. “Eles (os migrantes) poderiam ser assassinos, ladrões e outras coisas. Nós queremos um país seguro, e isso começa pelas fronteiras. E assim será”, acrescentou o magnata, que culpou os democratas por “serem fracos em relação à segurança fronteiriça e aos crimes”. “Mudem as leis!”, escreveu no Twitter. Entre 5 de maio e 9 de junho, 2.342 crianças e menores de  idade foram separados das famílias. A “tolerância zero” em relação à imigração foi condenada pela ONU e até pelo Partido Republicano, de Trump.

“O presidente deveria pôr fim imediato a essa política de separação familiar”, alertou o senador republicano Ben Sasse, do Nebraska. “Eu discordo dessa política; devemos continuar a proteger a privacidade das crianças, muitas delas experimentaram traumas. Mantenhamos as famílias unidas e as câmeras longe desses garotos”, afirmou o  senador governista James Lankford. Também republicano, o governador de Massachusetts, Charlie Baker, desistiu de enviar reforços da Guarda Nacional à fronteira com o México e denunciou o tratamento “desumano e cruel” dispensado às crianças e parentes. “Hora de pôr fim à trágica e cruel separação de famílias”, cobrou a senadora Lisa Murkowski.

Lair W. Bergad, diretor do Centro para Estudos de América Latina e Caribe da Universidade da  Cidade de Nova York, admitiu ao Correio que poucas vozes republicanas têm levantado a voz contra “políticas racistas e anti-imigrantes”. “A maioria do partido está aterrorizada com a possibilidade de perder apoio do eleitorado. O senador John McCain, infelizmente, está morrendo. Lindsey Graham às vezes apoia Trump, às vezes não”, lamentou.

Segundo Bergad, “Trump adota uma retórica vulgar para apelar aos que votaram nele, em sua maioria, racistas e sem educação”. “Trump não se importa com governar os EUA. Ele só apela aos elementos racistas e brancos da sociedade. É motivo de dor para a maioria dos americanos.”

“Alto padrão”

A secretária de Segurança Interna, Kirsten Nielsen, negou que a separação das crianças represente “abuso infantil”. De acordo com ela, as instalações de detenção têm “altos padrões”. “Nós damos a elas refeições, educação e cuidados médicos. Há vídeos, há televisões. Eu mesma visitei os centros.” Nielsen descartou um pedido de desculpas por parte do governo e defendeu a abordagem da imigração. “Não se confundam: nossa fronteira (sul) está em crise. Ela é explorada por criminosos e milhares de pessoas que não têm respeito por nossas leis”, disse. “Não podemos deter os menores com os pais. Devemos liberar os pais e as crianças ou separá-los para processar os adultos.” Em rara crítica ao governo dos EUA, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu o fim da prática. “As crianças não podem ser traumatizadas  sendo separadas dos pais. É preciso preservar a unidade familiar”, disse o porta-voz, Stephane Dujarric.

A política migratória de Trump tem afetado, inclusive, brasileiros. “‘Bença’, mamãe. Estou com muita saudade.” A voz, do outro lado da linha, se mistura às lágrimas. Minutos depois, um desabafo: “Mãe, eu queria tanto conversar com você, mas não posso”. A menina, de 8 anos, falou anteontem com Paula (nome fictício), separada da filha após atravessar a fronteira do México, 20 dias atrás. O Correio teve acesso ao telefonema, no qual a garota pergunta se a assistente social pediu a ajuda do governador. Paula relatou que, em El Paso (Texas), a Imigração impediu que ela se aproximasse da criança, transferida a um abrigo de Chicago. “Fiquei detida por cinco dias. Ao me chamarem para assinar uns papéis, eu soube que iria para a prisão e minha filha seria separada de mim. Tenho sofrido muito”, contou a brasileira. “Os sentimentos são de dor, frustração e angústia. Somos imigrantes, eles tratam a gente da forma que quiserem.”

Um símbolo do drama dos ilegais

A fotografia foi tirada exatamente uma semana atrás e se transformou no símbolo da política de “tolerância zero” do governo Trump na fronteira. Uma menina hondurenha de 2 anos chora, enquanto sua mãe é revistada e detida perto da fronteira com o México, em McAllen, no Texas. “Ela me contou que estavam na estrada por um mês, e que eram de Honduras. Eu posso imaginar os perigos que ela enfrentou, sozinha, com a filha”, contou ao jornal The Washington Post John Moore, um premiado repórter fotográfico da Getty Images. A mãe da menina foi obrigada a colocar os pertences dentro de uma sacola identificada com o nome “Segurança Doméstica”. Ela pegou a filha e ambas entraram em uma van da patrulha fronteiriça para destino ignorado.

Frase

"Os Estados Unidos não serão um campo de migrantes e não serão um complexo para manter refugiados. …) Se você olhar o que está acontecendo na Europa (…), nós não permitiremos que isso ocorra aos Estados Unidos”

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

Depoimento

“Crianças são crianças”

“Trump disse que deportaria criminosos, mas está separando crianças de seus pais, e isso é injusto. Meu marido, Jorge García, veio para os Estados Unidos quando tinha 10 anos de idade. Agora, tem 39. Minha família tem enfrentado um pesadelo horrível. Como consequência, vivo estressada, estou doente e meus filhos estão deprimidos. Trump tem agido de modo muito ruim. Os pais trazem os filhos aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor. Agora, o governo está separando as crianças de seus pais. Crianças são crianças. Meus filhos têm experimentado ansiedade com a separação e ficarão marcados por toda a vida. Se pudesse ficar cara a cara com o presidente, eu lhe diria que é injusta a separação e que cada caso tinha de ser visto individualmente.”

Cindy Garcia, 46 anos, mora em Lincoln Park (Michigan). O marido, Jorge Garcia, foi deportado para o México em abril, depois de viver por três décadas nos EUA

Eu acho...

“Trump não é o presidente dos EUA, mas da parte retrógrada, racista e sectária da sociedade. Temos um presidente lunático, narcisista, egocêntrico e louco. O que o senhor Trump faz é incendiar o ressentimento e o racismo. Ele é capacitado pelo silêncio do Partido Republicano. A principal ala dos governistas ouve suas mentiras, suas distorções da realidade, suas declarações anti-imigrantes e permanece de braços cruzados. É uma catástrofe nacional. Só esperamos que os progressistas, em novembro, saiam em massa para repudiar esse homem, nas eleições de meio de mandato.”

Lair W. Bergad, diretor do Centro para Estudos de América Latina e Caribe da Universidade da Cidade de Nova York