Valor econômico, v. 18, n. 4496, 04/05/2018. Política, p. A6.

 

Operação mira rede de doleiros que movimentou mais de US$ 2 bi

André Ramalho/ André Guilherme Vieira/ Marcos de Moura e Souza

04/05/2018

 

 

Judiciário. Esquema viabilizava propina no exterior e fcilitava sonegação por empresas, diz MPF

 

 

A Operação "Câmbio, Desligo", deflagrada ontem, no Rio, expôs o tamanho do mercado de câmbio paralelo no país. Uma rede de doleiros movimentou US$ 1 milhão por dia (US$ 2,19 bi em seis anos) por meio de 3 mil empresas offshore em 52 países, com o propósito de viabilizar transações ilícitas de agentes públicos - que enviam dinheiro de propina ao exterior - e empresas que sonegam impostos, segundo o Ministério Público Federal (MPF). A nova ofensiva da Lava-Jato fluminense também mirou supostos operadores financeiros do MDB.

A pedido do MPF, o juiz federal Marcelo Bretas expediu 43 mandados de prisão preventiva, dos quais 33 foram cumpridos, contra doleiros que atuaram ao longo de décadas de forma interligada e compondo diferentes núcleos de uma rede distribuída por vários estados brasileiros, segundo os investigadores. Entre os presos estão dois doleiros ligados à JBS, "Paco" e "Raul", que atuavam no Uruguai. A extradição deles já foi requerida. Em nota, a JBS disse que os delatores da holding J&F revelaram tudo o que sabem sobre atividades de Paco e Raul.

Todos os doleiros no foco da "Câmbio, Desligo" já foram alvo de operações, como a Satiagraha, Castelo de Areia, o caso Banestado e as investigações sobre cartel e ajuste de preços envolvendo a Siemens.

O líder do grupo e principal alvo da "Câmbio, Desligo" é Dario Messer, que está foragido. Ele foi mencionado pelo também doleiro e pivô da Lava-Jato, Alberto Youssef, como "o doleiro dos doleiros".

Messer era protagonista do esquema viabilizado a partir do Uruguai. Ele era responsável pela captação de clientes, disse o MPF.

O doleiro também tem um longo histórico de relações com o presidente do Paraguai, Horacio Cartes. Em entrevista ao jornal "Ultima Hora", de Assunção, em 2010, Cartes definiu Messer em termos calorosos: "é um amigo a quem considero irmão". Segundo o Ministério Público paraguaio, é de conhecimento geral no país que Messer é dono de uma mansão em Hernandarias, cidade paraguaia próxima a Ciudad del Este. O doleiro tem cidadania paraguaia desde 2013, ano em que Cartes chegou ao poder.

Claret e Barboza disseram que passaram a ganhar 18% cada um nas operações de câmbio. E que Messer recebia 60% dos lucros do negócio, "aportando recursos e dando lastro às operações de câmbio realizadas por seus sócios minoritários", segundo o MPF. Os delatores relataram, ainda, que Messer chegou a ter um banco em Antígua, o EVG, destinado à lavagem de dinheiro.

Um dos clientes do EVG, segundo as investigações, é Alessandro Laber, apontado como operador financeiro do empresário Arthur Pinheiro Machado, idealizador da " Nova Bolsa", a ATG. Machado foi alvo da Operação Rizoma, que apura fraudes em fundos de pensão públicos. Também está na mira da operação o doleiro Marco Matalon, um dos mais conhecidos de São Paulo. Ele havia transferido seu negócio para o Uruguai, de onde atuava em parceria com Dario Messer, segundo o MPF.

Em entrevista coletiva, o procurador da República Eduardo El Hage disse que as provas permitirão revelar o envolvimento de pessoas "politicamente expostas".

"Foi entregue [por delatores] uma quantidade enorme de provas dentro de HDs, com informações de contas no exterior. São mais de 3 mil offshores. Quem são os beneficiários? Acreditamos que muitas dessas contas terão pessoas politicamente expostas", disse El Hage.

As investigações decorreram das delações premiadas dos doleiros Vinícius Claret, conhecido como 'Juca Bala', e Cláudio Barboza, o 'Tony', acusados de operar o esquema de corrupção e lavagem do ex-governador Sérgio Cabral (MDB) - que remeteu US$ 101 milhões ao exterior para seu enriquecimento pessoal, de acordo com documentos juntados aos autos pelo MPF.

Nas delações premiadas, Claret e Barboza, que operariam para organizações criminosas no Brasil enquanto residiam no Uruguai, revelaram detalhes de uma engenharia financeira que se especializou em driblar mecanismos de controle do Banco Central e do Conselho de Controle de Atvidades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda.

Além do já conhecido sistema 'dólar-cabo', que consiste na troca de posições financeiras sem utilizar o sistema bancário oficial - e que movimentou US$ 1,6 bi, segundo o MPF --, a dupla de doleiros relatou pormenores de outros expedientes usados para evitar rastros e garantir o recebimento de recursos de corrupção por organizações criminosas em offshores no exterior.

Do Uruguai os doleiros emitiam ordens de transferências internacionais e coordenavam entregas de reais no Brasil, por meio de programas que contavam com criptografia para evitar a interceptação por autoridades.

Para tanto, a dupla usava o sistema 'Bankdrop' para registrar contas em que foram feitos depósitos no exterior, com indicação de quem depositou e quem pagou, além da contabilidade de valores e registros de datas das operações.

Havia ainda um sistema de controle informatizado complementar, o "ST", que funcionava como conta corrente. Nele eram lançadas as informações de cada um dos clientes dos doleiros delatores.

O passo seguinte era usar transportadoras de valores para carregar o dinheiro em espécie. E alugar salas comerciais com controle de acesso para armazenar os recursos com segurança. Os delatores também revelaram como empresas que dispunham de dinheiro vivo no Brasil e precisavam importar bens agiam para pagar menos tributos.

Uma empresa que desejasse importar bens que totalizassem US$ 100 mil, por exemplo, assinava contrato de câmbio oficial com o Banco Central por US$ 30 mil, subfaturando o valor real dos bens com a apresentação de nota fiscal falsa. Para quitar o restante do valor com a empresa exportadora, os doleiros creditavam em contas no exterior os US$ 70 mil que faltavam, depois de receberem o valor equivalente em reais e em espécie, no Brasil.

Outro alvo da operação de ontem já havia sido preso na 23 ª fase da Lava-Jato em Curitiba, a Operação Xepa. Trata-se de Antônio Claudio Albernaz Cordeiro, o "Tonico", detido em Porto Alegre.

Albernaz teria recebido R$ 1 milhão para o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, sob o codinome "Angorá", segundo a delação do executivo Cláudio Melo Filho, da Odebrecht. Na ocasião, Padilha afirmou que a acusação do delator era mentirosa.