Correio braziliense, n. 20111, 14/06/2018. Mundo, p. 12

 

Trump defende pacto com Kim Jong-un

Rodrigo Craveiro

14/06/2018

 

 

EUA-COREIA DO NORTE » Presidente americano afirma que "não há mais ameaça%u201D atômica de Pyongyang, após a cúpula com o ditador, em Cingapura. Mike Pompeo, secretário de Estado, prevê "grande desarmamento" até 2020, no primeiro mandato do republicano

Ao regressar a Washington, o presidente norte-americano, Donald Trump, respondeu às críticas em relação à eficácia da cúpula de Cingapura com menções ao antecessor Barack Obama, além de uma autopromoção e da supervalorização do encontro com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un. O republicano sugeriu ter impedido uma hecatombe atômica no planeta. “O mundo deu um grande passo atrás numa potencial catástrofe nuclear!”, escreveu no Twitter. “Todos podem se sentir muito mais seguros agora do que no dia que assumi o cargo. Não há mais uma ameaça nuclear da Coreia do Norte. O encontro com Kim Jong-un foi interessante e uma experiência bastante positiva”, acrescentou.

Em outro tuíte, o magnata lembrou que, antes de chegar à Casa Branca, as pessoas acreditavam na proximidade de uma guerra. “O presidente Obama disse que a Coreia do Norte era nosso maior e mais perigoso problema. Já não é o caso — durmam bem esta noite!”, alfinetou Trump, que também despejou munição contra a imprensa. “É tão bom ver as’fake news’, especialmente na NBC e CNN. Eles lutam para minimizar o acordo com a Coreia do Norte. Há 500 dias, teriam suplicado por este acordo. O maior inimgo de nosso país são as ‘fake news’ tão propaladas pelos idiotas”, disparou.

Ante o caráter vago da declaração conjunta assinada na Ilha de Sentosa, especialmente em relação ao desmantelamento do arsenal nuclear, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, disse esperar que o regime de Pyongyang complete um “grande desarmamento” até 2020. “Esse desarmamento deve  finalizar, com toda a probabilidade, no primeiro mandato de Trump”, declarou o chefe da diplomacia de Washington, ao visitar ontem Seul. “Esperamos poder conseguir isso nos próximos dois anos e meio. Resta um monte de trabalho pela frente. Deixe-me dizer que (desnuclearização) completa significa algo verificável para todos os que estão envolvidos”, emendou.

Miles Pomper, especialista do Centro para Estudos de Não Proliferação James Martin, em Monterey (na Califórnia), afirmou ao Correio que a declaração de Trump sobre o fim da ameaça nuclear é um “grande exagero”. “Como a diplomacia, antes e durante a cúpula, foi útil para desescalar as tensões, a probabilidade de uma guerra nuclear teria diminuído ainda mais se o presidente e seus assessores não houvessem intimidado o regime de Kim, de forma imprudente, sobre os riscos de um conflito militar”, explicou. “Além disso, a cúpula não alcançou passos concretos em direção ao desarmamento. Há o perigo de ressurgimento das tensões.” O estudioso adverte que os Estados Unidos não receberam quaisquer garantias sobre a desnuclearização. “A esperança é de que mais negociações lideradas por Pompeo levem a isso, mas precisaremos ver se elas se materializarão.”

Sanções

A agência de notícias estatal norte-coreana KCNA informou que Kim e Trump partilham da opinião sobre a necessidade de “ações graduais e simultâneas” para se obter a paz e a desnuclearização. Ainda segundo a KCNA, o americano expressou a intenção de paralisar os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul, oferecer garantias de segurança à Coreia do Norte e suspender as sanções  econômicas durante o avanço do diálogo. “O levantamento das sanções seria uma possível concessão dos EUA, mas não deveria ser adotado antes de Pyongyang tomar certas medidas de desarmamento. Mesmo na ausência de tais ações, a diplomacia em torno da cúpula fornecerá à China, à Rússia e a outros países uma justificativa para limitar a implementação das sanções”, comentou Miles Pomper.

O anúncio da interrupção dos exercícios militares com Seul causou preocupação em aliados de Washington na vizinhança da Península Coreana. O ministro da Defesa do Japão, Itsunori Onodera, lembrou que “as manobras e a presença militar americana cumprem um papel vital na segurança do sudeste da Ásia”. “Não há mudança em nossa política, que consiste em pressionar a Coreia do Norte.”

Pompeo desclassifica ataques a documento

O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompe, classificou de “insultantes, ridículas e francamente absurdas” as alegações de que a declaração conjunta assinada por Donald Trump e por Kim Jong-un era imprecisa e vaga. De acorco com ele, a referência do documento à “completa” desnuclearização abrange os termos “verificável” e “irreversível”. Especialistas criticaram o fato de o texto não apresentar um cronograma para  o desmantelamento do arsenal atômico nem um roteiro para se lcançar a façanha.

“Nova era nas relações”

O jornal oficial norte-coreano Rodong Sinmun, fundado em 1º de novembro de 1945, investiu pesado na cobertura da cúpula de Cingapura. “O encontro do século abre uma nova era na história das relações entre os dois países”, afirma a manchete, em uma edição repleta de fotografias do encontro entre Trump e Kim. Somente na capa, foram publicadas sete imagens do evento. Como de costume, a edição do dia do Rodong Sinmun ficou exposta em estações de metrô de Pyongyang, atraindo a atenção e a curiosidade de vários cidadãos do país comunista.

TUITADAS

“O mundo deu um grande passo atrás numa potencial catástrofe nuclear! Não mais lançamentos de foguetes, testes ou pesquisas nucleares! Os reféns estão de volta para suas famílias. Obrigado ao presidente Kim.”

“(…) Todos podem se sentir muito mais seguros agora do que no dia que assumi o cargo. Não há mais uma ameaça nuclear da Coreia do Norte. O encontro com Kim Jong-un foi interessante e uma experiência bastante positiva. A Coreia do Norte tem um grande potencial para o futuro!”

Donald Trump, residente dos Estados Unidos

Dúvidas em aberto

Como ficam os atores-chave ligados à crise nuclear norte-coreana, depois da cúpula em Cingapura

China

Principal aliado de Pyongyang e com quem a Coreia do Norte tem 90% das trocas comerciais, vê com bons olhos tudo o que possa diminuir a tensão na península vizinha. Pequim saudou rapidamente o encontro, considerando que se trata do começo de uma “nova história”. A China teve uma surpresa adicional com a cúpula, depois de Trump anunciar a suspensão das manobras militares conjuntas com Seul, vistas com desconfiança pelo governo de Xi Jinping. O líder chinês defende a interrupção dos exercícios militares em troca do congelamento dos testes nucleares  e balísticos norte-coreanos. Xi se reuniu duas vezes com Kim, antes da cúpula, e conserva uma considerável influência no xadrez diplomático. Ele até emprestou um avião do ditador norte-coreano para que viajasse a Cingapura.

Coreia do Sul

O presidente Moon Jae-in foi um dos grandes entusiastas e artífices da cúpula de Cingapura. Quando o encontro foi anulado por Trump, ele se esforçou reverter a decisão. Seul e Pyongyang concordaram em manter encontros regulares. Ao contrário da ex-presidente Park Geun-hye, Moon adota uma postura de aproximação diplomática com o Norte e promete trabalhar com o vizinho em prol de uma declaração oficial sobre o fim da Guerra da Coreia (1950-1953) — os combates terminaram com um armistício, mas não com um tratado de paz. O Exército sul-coreano teria sido pego de surpresa pela suspensão dos testes militares com os EUA.

Japão

A reação de Tóquio foi menos entusiasmada do que a de outros países. O Japão está sob ameaça direta dos mísseis norte-coreanos e depende dos EUA para sua defesa. A suspensão das manobras militares conjuntas pareceu irritar Tóquio. O ministro da Defesa japonês, Itsunori Onodera, lembrou que os exercícios bélicos têm “papel vital” para a segurança na região. Sobre a questão dos japoneses sequestrados pela Coreia do Norte durante a Guerra da Coreia, o premiê Shinzo Abe saudou o fato de que Trump tenha, aparentemente, evocado o tema durante a cúpula. Mas não parece haver avanços concretos. Abe sugeriu que pretende falar diretamente sobre o assunto com Kim.

Eu acho...

“Tecnicamente, alguns dos passos rumo à desnuclearização, mas nem de longe todos, poderiam ser realizados até 2020, o prazo anunciado pelo secretário Mike Pompeo. Os limites sobre o que é alcançável são muito mais prováveis de serem estabelecidos por desafios políticos do que técnicos. Será preciso construir confiança ao longo do tempo.”

Miles Pomper, analista do Centro para Estudos de Não Proliferação James Martin, em Monterey (na Califórnia)