Valor econômico, v. 18, n. 4497, 07/05/2018. Política, p. A12.

 

Para advogados, foro ainda provoca impasse

André Guilherme Vieira

07/05/2018

 

 

A decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) de restringir o foro privilegiado a deputados e senadores gerou muito mais dúvidas do que certezas sobre sua eficácia e forma de aplicação. Caberá ao Judiciário interpretar a nova regra nas instâncias inferiores, na avaliação de advogados que defendem clientes com foro privilegiado.

Para Antônio Carlos de Almeida Castro, o "Kakay", empenhado nas articulações em defesa da revisão do entendimento de que o cumprimento provisório de pena deve começar depois do trânsito em julgado na segunda instância, a decisão do Supremo Tribunal sobre o foro de prerrogativa "é inconsistente, incompleta e não deveria ter sido tomada em uma questão de ordem". De acordo com Kakay, "é incoerente que o Supremo retire o foro dos deputados e senadores mas mantenha o foro dos juizes, ministros do Judiciário e do Executivo e membros do Ministério Publico. A decisão não resolve o impasse e dará margem a muitas interpretações", afirmou. Kakay defende que todas as autoridades, exceto os presidentes de poderes, respondam na primeira instância.

"Porém, e isto é fundamental, toda e qualquer medida cautelar, seja prisão, afastamento de cargo, busca e apreensão, etc, só podera ser aplicada por um colegiado de, no mínimo, 3 desembargadores federais", propôs o advogado.

De acordo com Ricardo Tosto, "falta da parte do Supremo uma sinalização mínima de previsibilidade, porque o advogado precisa de estabilidade, de segurança jurídica para trabalhar". Segundo o criminalista, a restrição do foro privilegiado "evidentemente não vai ter os efeitos esperados. Essa decisão vai diminuir o trabalho dos ministros do STF, sem dúvida. Mas o fato é que o Supremo de hoje é um tribunal dividido e essa decisão de quarta-feira não é a solução para o tema do privilégio de foro".

A nova regra forjada pelos 11 ministros da Suprema Corte decorreu de uma interpretação do artigo 86 da Constituição, que dispõe sobre as condições para que o presidente da República responda por ilícito de responsabilidade ou por crime comum.

De acordo com o texto constitucional, presidente da República não pode ser preso enquanto não houver sentença condenatória, no caso de crimes comuns.

O mandatário também não pode ser responsabilizado por atos "estranhos ao exercício de suas funções" - praticados fora do mandato presidencial.

"A interpretação da Constituição dada pelo Supremo estabelece, basicamente, que só tem prerrogativa aquele parlamentar que tenha praticado algum ato relacionado ao seu mandato. É uma interpretação do artigo 86, restringindo o seu alcance", opina o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, sócio do escritório Bottini & Tamasauskas.

Bottini acredita que o entendimento do STF sobre o privilégio de foro causará dificuldades em alguns casos. "Será preciso analisar se aquele ato tem ou não relação com o exercício do mandato", explica. O criminalista espera que critérios e parâmetros sejam esclarecidos pelo STF nos próximos julgamentos realizados pela Corte.

Na visão do advogado Antonio Sérgio Pitombo, a saída encontrada pelo Supremo causará distorções na primeira instância, deixando os juízes de primeiro grau mais suscetíveis a pressões externas.

"Em uma década vamos nos lembrar dessa discussão do Supremo Tribunal Federal como um grande equívoco, ao vermos as forças políticas regionais e locais pressionarem juízes de direito pelo Brasil afora para impedir o andamento dos processos criminais e as punições".

A tendência é que os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais iniciem discussões sobre as questões de processamento de autoridades com foro. Ministros do Superior Tribunal de Justiça já iniciaram debates sobre o tema, principalmente os da Corte Especial, que julgava casos envolvendo governadores.

Há ainda a expectativa de que o STF volte a discutir o assunto em julgamentos com repercussão geral, definindo, de maneira mais clara, quais são os agentes públicos com direito a foro e em quais instâncias judiciais. Na opinião de um respeitado advogado que atua no STF, ainda longe de resolver o jogo, o Supremo acabou embolando o meio-campo.