Título: Governos contrataram bicheiro
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 25/04/2012, Política, p. 5

A ofensiva de Carlinhos Cachoeira por benesses da União e de governos locais vai além das ações por novos contratos para a Delta Construções. Empresas pertencentes ao bicheiro ou ligadas a ele de alguma forma, objetos de investigação da Polícia Federal (PF) na Operação Monte Carlo, fecharam contratos com órgãos da União e com municípios, o que resultou em repasses de dinheiro público a empreendimentos suspeitos de integrarem a rede de Cachoeira. É o caso da Vitapan Indústria Farmacêutica, que está no nome da ex-mulher do bicheiro, Andrea Aprígio de Souza. A empresa — pertencente de fato a Cachoeira, conforme a PF — vendeu medicamentos à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), subordinada ao Ministério da Saúde.

O Instituto de Ciências Farmacêuticas de Estudos e Pesquisas (ICF) foi contratado com dispensa de licitação, por quase R$ 1 milhão, para testar medicamentos dentro de um projeto bancado pela União. Andrea também é sócia do ICF. A ex-mulher do bicheiro foi uma das donas da Trade Construtora e Incorporadora, outra empresa relacionada na investigação da PF. Há cinco dias, a Trade venceu concorrência da prefeitura de Anápolis para executar uma obra de infraestrutura de R$ 14,5 milhões.

Uma das linhas de investigação sobre os tentáculos de Cachoeira relacionou as empresas do bicheiro, a seus sócios ou a denunciados na Operação Monte Carlo. Com base nessa relação de empreendimentos, o Correio apurou as benesses do poder público obtidas por Cachoeira. A Ideal Segurança, por exemplo, é citada por integrantes do grupo criminoso em diversas conversas telefônicas. Nos diálogos, eles falam sobre a prospecção de novos contratos para a empresa, pertencente a Cachoeira, ao ex-delegado da PF Deuselino Valadares dos Santos e ao ex-diretor da Delta Cláudio Abreu. Os três, denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF), tentaram vantagens escusas para a Ideal, conforme a PF. Desde 2010, a empresa de segurança e vigilância recebeu R$ 480,2 mil de órgãos do governo federal. Contratos foram firmados também com governos locais.

A PF investigou o funcionamento da Fundação Cultural Aprígio Ramos, sediada em Anápolis. A presidente da fundação é a ex-mulher de Cachoeira. O bicheiro ocupa a função de diretor, segundo a PF. A entidade recebeu dinheiro da Caixa: R$ 12 mil em 2008, para execução do Dia de Ação Social. A prefeitura já havia anunciado para este ano a instalação de um telecentro comunitário na Fundação Aprígio Ramos, que ofereceria acesso gratuito à internet bancado pelo Ministério das Comunicações. "Esse telecentro não começou a funcionar", sustenta o prefeito de Anápolis, Antônio Gomide.

Medicamentos Nos últimos três anos, a Fiocruz repassou R$ 164 mil à Vitapan. O dinheiro se refere a medicamentos para tratamento do vírus HIV e ao funcionamento de farmácias populares. A Justiça Federal de Goiás bloqueou bens e movimentações bancárias da Vitapan, uma forma de evitar a evasão de recursos. A empresa recorreu e, por entender que "o bloqueio está liquidando a empresa", o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região derrubou a decisão.

Já o ICF, também pertencente à ex-mulher de Cachoeira, assinou contrato de R$ 946 mil para um "estudo de medicamentos em laboratório", conforme contrato assinado com a Fundação de Apoio à Pesquisa (Funape) da Universidade Federal de Goiás (UFG). "Não tínhamos noção dessa relação. Não havia nada que desabonasse o ICF", afirma o diretor executivo da Funape, Cláudio Leles. O ICF tem um representante na Comissão Permanente de Revisão da Farmacopeia Brasileira, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A Trade Construtora, que já pertenceu a Andrea e seu irmão, Adriano de Souza (ambos supostos laranjas de Cachoeira), implantará um "cruzamento em desnível" na intersecção de duas avenidas de Anápolis. "Não há dinheiro da União nesta obra e não houve nada de irregular na concorrência pública. Se houver uma decisão contrária da Justiça, vou cumprir", sustenta o prefeito da cidade, Antônio Gomide.

Negócios com a União e municípios

Empresas ligadas ao bicheiro Carlinhos Cachoeira receberam repasses de recursos do governo federal:

Empresa: Vitapan Indústria Farmacêutica

» O que diz a PF: pertence de fato a Carlinhos Cachoeira e foi usada por ele para lavar dinheiro do jogo ilegal. Avaliada em R$ 100 milhões. Está no nome da ex-mulher do bicheiro, Andrea Aprígio de Souza. » Relações com o poder público: obteve registros de medicamentos da Anvisa, vendeu lotes de remédios à Fiocruz, recebeu certificados de boa prática de fabricação.

Empresa: Instituto de Ciências Farmacêuticas de Estudos e Pesquisas (ICF)

» O que diz a PF: também tem como sócia a ex-mulher de Cachoeira, Andrea Aprígio. » Relações com o poder público: assinou contrato de quase R$ 1 milhão com fundação da Universidade Federal de Goiás (UFG), que usa recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Empresa: Trade Construtora e Incorporadora

» O que diz a PF: pessoas com algum parentesco com Cachoeira fazem ou fizeram parte da sociedade da empresa. » Relações com o poder público: executou projetos de pavimentação para a prefeitura de Anápolis e venceu uma concorrência para obra de R$ 14,5 milhões na mesma cidade.

Empresa: Ideal Segurança

» O que diz a PF: o empreendimento pertence a Cachoeira, ao ex-delegado da PF Deuselino Valadares e ao ex-diretor da Delta Construções Cláudio Abreu, os três denunciados pelo MPF. » Relações com o poder público: a Ideal recebeu R$ 480,2 mil do governo federal desde 2010, para serviços de locação de mão-de-obra em órgãos da União.

Empresa: Fundação Cultural Aprígio Ramos

» O que diz a PF: a entidade supostamente filantrópica pertence a Cachoeira e à ex-mulher, Andrea Aprígio. » Relações com o poder público: um telecentro comunitário, financiado pelo Ministério das Comunicações, seria instalado na fundação, em Anápolis. A Caixa Econômica Federal já repassou dinheiro ao instituto.